Etiquetas
Carlo Goldoni, Cinema, Cinema alemão, Günther Kaufmann, Hanna Schygulla, Hans Hirschmüller, Harry Baer, Ingrid Caven, Kurt Raab, Margit Carstensen, Novo cinema alemão, Peer Raben, Rainer Werner Fassbinder, Rudolf Waldemar Brem
O Café de Ridolfo (Peer Raben) é um lugar de encontros, desencontros, jogos, conversas, trocas comerciais, e muita intriga, maquinação e coscuvilhice. Da prostituta Lisaura (Hanna Schygulla), ao falso conde Leander (Günther Kaufmann), do jogador Eugenio (Harry Baer) ao manipulador Don Marzio (Kurt Raab), ali discutem-se relações, negócios, ideais, motivações e eventos, decidem-se casamentos, futuros e estados de espírito.. De modo quase estático, esta foi a forma de Rainer Werner Fassbinder homenagear o dramaturgo italiano do século XVIII Carlo Goldoni, com a adaptação televisiva de uma peça que fala da Veneza burguesa e boémia do seu tempo.
Análise:
Fazendo jus à sua vocação teatral, que estava inclusivamente na base das suas ideias cinematográficas e do recrutamento de actores, Rainer Werner Fassbinder, teve ainda uma carreira recheada de filmes para televisão, projectos de menor orçamento e meios técnicos, que serviam o autor como exercícios de estilo e estudos formais. Exemplo é “Das Kaffeehaus” (que pode ser traduzido simplesmente como “O Café”), exibido em 1970, e partindo da peça oitocentista do italiano Carlo Goldoni (1707-1793), e que foi um grande sucesso no seu tempo.
E porque é a forma, mais que o conteúdo que interessava a Fassbinder neste filme, é por ela que devemos começar. Filmado a preto e branco, no formato televisivo de 1,33 : 1, “Das Kaffeehaus” decorre num único espaço, um palco completamente branco, sem cenário que o caracterize, a não ser um conjunto de cadeiras que vão sendo deslocadas à medida que os personagens se reagrupam para contracenar. Com uma câmara quase fixa, e planos estáticos, sem cortes, os enquadramentos são feitos através de zooms que isolam a parte do palco onde está a decorrer a acção em cada momento, enquanto no restante, os actores permanecem estáticos esperando as suas deixas sem nunca deixar o palco, mesmo que não façam parte da cena. Os planos são quase sempre gerais, filmando actores que poucas vezes se entreolham, quase sempre virados para a a frente do palco, numa interacção minimalista, e actuação estilizada, com declamações propositadamente artificiais.
Desta forma quase mecanizada decorre a história que é a de um grupo de nove pessoas que se encontram no café de Ridolfo (Peer Raben). Elas são de camadas sociais diferentes, criados e nobres, mulheres de má fama e esposas ciosas, aventureiros no jogo e com as mulheres. Em comum, nas várias conversas, as conquistas amorosas, a sorte ao jogo, as coscuvilhices, a pretensiosidade de posição social, e acima de tudo, o dinheiro, e as suas muitas trocas, que decorrem durante a acção. Assim temos o intriguista Don Marzio (Kurt Raab) que maquina para obter os favores de Lisaura (Hanna Schygulla), a prostituta que seduz o falso conde Leander (Günther Kaufmann), na verdade casado com Plácida (Ingrid Caven), a qual o vê perder dinheiro ao jogo e se apieda do seu opositor, Eugenio (Harry Baer), que ali está traindo a mulher, Vittoria (Margit Carstensen), a qual aceita prostituir-se por ele, enquanto todos são servidos pelo bem falante e manobrador empregado Trappolo (Hans Hirschmüller), reduzido àquela posição por ter perdido o dinheiro ao jogo.
Embora centrado em Veneza, no século XVIII, com tudo o que isso possa ter de sátira social – seja adaptada ao seu tempo ou aos tempos modernos – o Café de Ridolfo é, em Fassbinder um lugar abstracto, como que um olhar para dentro de mentes humanas, onde conversas, quebras bruscas de tema, interpelações inusitadas e algum surrealismo na forma das interacções, intenções e personagens, pode ser vista como um produto de um processo interior, mais que de um local e encontros físicos reais. Sob o olhar lento de Fassbinder, e interpretações soltas de qualquer dramatismo, discutem-se relações sociais, negócios, ideais, motivações e eventos, e conspira-se muito, sempre com a luxúria, a ambição e os irreparáveis caprichos do jogo como centro dos acontecimentos, numa metáfora onde o nominal café é um microcosmos que reflecte toda uma sociedade.
Apesar das interpretações impecáveis (da companhia Antiteater, de Fassbinder), hoje o filme é visto, sobretudo, como uma curiosidade, o tal exercício formal, que servia de treino para a obra que estava por vir.
Produção:
Título original: Das Kaffeehaus; Produção: Antiteater-Produktion / Bremer Ensemble / Westdeutscher Rundfunk (WDR); País: República Federal Alemã (RFA); Ano: 1970; Duração: 104 minutos; Transmissão Original: WDR; Estreia: 18 de Maio de 1970 (RFA).
Equipa técnica:
Realização: Rainer Werner Fassbinder; Argumento: Rainer Werner Fassbinder [a partir da peça “La bottega del Caffè” de Carlo Goldoni]; Música: Peer Raben; Fotografia: Dietbert Schmidt, Manfred Forster [preto e branco]; Design de Produção: Kurt Raab; Direcção Artística: Wilfried Minks; Direcção de Produção: Horst Weissenow.
Elenco:
Margit Carstensen (Vittoria), Ingrid Caven (Placida), Hanna Schygulla (Lisaura), Kurt Raab (Don Marzio), Harry Baer (Eugenio), Hans Hirschmüller (Trappolo), Günther Kaufmann (Leander), Rudolf Waldemar Brem (Pandolfo), Peer Raben (Ridolfo) [como Wil Rabenbauer].