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Cinema, Cynthia Carr, David Hess, Fred J. Lincoln, Gore, Home invasion, Jeramie Rain, Lucy Grantham, Marc Sheffler, Richard Towers, Sandra Peabody, Terror, Wes Craven
À beira de completar 17 anos, Mari Collingwood (Sandra Peabody) vai com a amiga Phyllis Stone (Lucy Grantham) a um concerto rock, como uma prova da rebeldia típica da sua idade. No regresso, tentam arranjar droga, e acabam raptadas por um bando de fugitivos. Estes são os sádicos assassinos Krug Stillo (David Hess) e Fred ‘Weasel’ Podowski (Fred J. Lincoln), ambos fugidos da prisão, o filho do primeiro, Junior (Marc Sheffler), e a selvagem Sadie (Jeramie Rain). Juntos, violam as raparigas, torturam-nas e acabam por levá-las para a floresta, onde continuam humilhá-las até as matarem com requintes de sadismo.
Análise:
Em 1972 o cinema aprendia um novo nome, que se tornaria um dos mais famosos no terror das décadas seguintes: Wes Craven. De educação religiosa austera e chegando a professor de inglês na Universidade, Craven era um apaixonado pela arte de filmar, e como autodidacta foi procurando entrar no mundo do cinema, onde chegou como técnico de som, para filmes sobre música. Depois de ser editor de som, Craven aprendeu montagem, e deixou a carreira no ensino para aprender a filmar na indústria pornográfica, não se sabendo ainda hoje em quantos e quais filmes esteve envolvido. A experiência acumulada permitiu-lhe abraçar um projecto seu, no campo que mais lhe interessava, o do terror de exploitation, com sangue e nudez a rodos, procurando um filme pouco convencional e pouco presos a pudores, fruto da liberdade que tinha no cinema pornográfico.
Esse projecto seria “The Last House on the Left”, que Craven escreveu a partir da ideia base do filme de Ingmar Bergman “A Fonte da Virgem” (Jungfrukällan, 1960), escrito por Ulla Isaksson. O filme de Bergman mostra como a tragédia se abate sobre uma família puritana, quando uma jovem rapariga é atacada na floresta por um grupo de vagabundos, que a tratam como animais sem freio. Essa natureza revolta que irrompe sobre a pretensa civilidade humana era o tema que Craven queria explorar, com um terror que advém principalmente de as coisas acontecerem sem uma razão ou nada que o faça prever, fruto de uma maldade primordial, sem nada de racional.
Conseguindo financiamento independente, da Hallmark Releasing (que nada tem a ver com a famosa cadeia Hallmark) e do produtor Sean S. Cunningham, Wes Craven conta-nos a história de duas raparigas, Mari Collingwood (Sandra Peabody) e a amiga Phyllis Stone (Lucy Grantham), que vão a um concerto rock, e pelo caminho tentam arranjar droga, deparando com um bando de fugitivos que as rapta. Estes são os sádicos assassinos Krug Stillo (David Hess) e Fred ‘Weasel’ Podowski (Fred J. Lincoln), fugidos da prisão, com quem estão o filho do primeiro, o toxicodependente Junior (Marc Sheffler) e a selvagem Sadie (Jeramie Rain). Juntos, violam as raparigas, torturam-nas e acabam por levá-las para a floresta, onde continuam humilhá-las sem qualquer pudor, até as matarem com com todo o sadismo que lhes passa pela cabeça. Os quatro delinquentes acabam por encontrar a casa de Mari, onde passam a noite. Mas os pais de Mari (Richard Towers e Cynthia Carr), encontrando sangue e alguns objectos conhecidos nos pertences deles, apercebem-se que o grupo foi causador da morte da filha, e prepara uma vingança sangrenta.
Filmado em 21 dias, com baixo orçamento, o filme seria rejeitado inúmeras vezes pela censura, que não lhe queria dar a categoria R, pretendida por Craven. Tal levou a repetidas montagens, cortando cada vez mais cenas, que depois Craven resolveu voltar a adicionar à montagem final. Esse tipo de cortes seriam habituais nos mercados onde o filme passou, tanto que Craven confessou ter montado um laboratório, só para restaurar as bobinas devolvidas após as exibições, tais as mutilações que sofriam nas mãos dos exibidores.
O que mais espanta em “The Last House on the Left” é o realismo. Com uma câmara que se imiscui na acção e diálogos imperfeitos, muitas vezes improvisados pelos personagens, há sempre uma sensação de espontaneidade, como se estivéssemos na presença de found footage. Tal crueza e falta de encenação torna as cenas mais reais e ameaçadoras. A isto, Craven junta uma boa dose de sangue e nudez, com o sadismo das facadas, e todo o tipo de golpes, como se os sentíssemos mesmo doer. A acção é por vezes tosca, pouco fluída, e por isso mesmo ainda mais realista. A esta junta-se a pura humilhação (Sadie é obrigada a urinar-se nas calças, as raparigas são obrigadas a estar nuas, o sexo é sugerido diversas vezes, contra vontade das raparigas), e até uma das imagens recorrentes de Craven, com os sonhos a surgirem como reais, como na sequência em que o personagem de Fred J. Lincoln sonha que está a ser mutilado na boca.
A ajudar a essa crueza está o facto de muitos dos actores serem estreantes. A própria montagem, mostrando cenas idílicas da floresta, com música folk e country, torna toda a experiência algo desconcertante, como se estivéssemos a assistir a um documentário, ou um filme semi-amador. A fotografia é pouco cuidada, tal como o são os movimentos de câmara, e a própria interpretação.
Daquilo que seria o léxico recorrente de Craven, temos o uso de armas brancas, o sangue e sexo, o armadilhar da casa, o protagonismo de uma família desavinda, o uso dos sonhos, personagens femininas fortes e a incompetência da polícia, que aqui não serve para mais que algumas cenas cómicas em estilo burlesco. O citado realismo de algumas das cenas causou, segundo se diz, o desconforto de alguns actores, que não mais se sentiram à vontade com o filme, por vezes ameaçando deixá-lo a meio. Afinal, além dos múltiplos esfaqueamentos, vemos o uso de uma serra eléctrica, uma castração oral, uma mutilação de gengivas e um golpear de um pescoço.
Como curiosidade note-se o uso do apelido Krug nos assassinos, percursor do famoso Freddy Krueger que Craven criaria uma década mais tarde. Também de notar é que duas das pessoas que colaboraram no filme, Sean S. Cunningham (produtor) e Steve Miner (assistente de realização) estariam mais tarde envolvidos na realização de filmes da série “Friday the 13th”.
Desconcertantemente violento e brutal, “The Last House on the Left” foi banido nalguns mercados, e acabou por ter uma fraca distribuição, e ainda pior aceitação. Com o passar dos anos e o cimentar do estatuto de Wes Craven, o filme foi sendo redescoberto, e considerado como objecto de culto. Em 2009 foi mesmo feito um remake com o mesmo nome, com realização de Dennis Iliadis, e produção de Wes Craven e Sean S. Cunningham.
Produção:
Título original: The Last House on the Left; Produção: Lobster Enterprises / Sean S. Cunningham Films / The Night Co.; País: EUA; Ano: 1972; Duração: 84 minutos; Distribuição: Hallmark Releasing (EUA), Cinema International Corporation (CIC) (Canadá); Estreia: 30 de Agosto de 1972 (EUA).
Equipa técnica:
Realização: Wes Craven; Produção: Sean S. Cunningham; Produtor Associado: Katherine D’Amato; Argumento: Wes Craven; Música: David Hess; Fotografia: Victor Hurwitz; Montagem: Wes Craven, Steve Miner; Design de Produção: ; Direcção Artística: ; Cenários: ; Figurinos: Susan E. Cunningham; Caracterização: Anne Paul; Efeitos Especiais: Troy Roberts; Direcção de Produção: Larry Beinhart.
Elenco:
Sandra Peabody [como Sandra Cassell] (Mari Collingwood), Lucy Grantham (Phyllis Stone), David Hess (Krug Stillo), Fred J. Lincoln (Fred ‘Weasel’ Podowski), Jeramie Rain (Sadie), Marc Sheffler (Junior Stillo), Richard Towers [como Gaylord St. James] (Dr. John Collingwood), Cynthia Carr (Estelle Collingwood), Ada Washington (Ada), Marshall Anker (Xerife), Martin Kove (Adjunto do Xerife), Ray Edwards (Carteiro).
Talvez por causa do tal realismo, este filme deixou-me com um nó no estômago da pior maneira possível. Isto é exploitation em todos os sentidos da palavra, um filme que, na ignorância da personalidade de Wes Craven, diria ser o produto abjecto de um autor sádico e amoral. Corro o riso de estar enganado, mas nunca o reverei para tirar as teimas.