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Hell's Angels Quando a Primeira Guerra Mundial começa, os irmãos Rutledge, estudantes em Oxford, acabam por se alistar. Roy (James Hall), um homem sério, apaixonado pela bela Helen (Jean Harlow), pensa na missão patrótica, já Monte (Ben Lyon), um mulherengo irresponsável, alista-se quase por capricho. Só que a guerra traz ao de cima os sentimentos mais profundos, com o medo de Monte a ser tomado por cobardia. Para se redimir este acaba por se oferecer para uma missão quase suicida, enquanto Roy, acabado de descobrir que Helen o trai com toda a gente, junta-se ao irmão para o proteger.

Análise:

O excêntrico milionário Howard Hughes, que tinha como uma das suas paixões a aviação, deu-nos em 1930, através da sua Caddo Company, uma das suas mais conhecidas produções. Esta surgiu na forma da aventura de guerra aérea “Os Anjos do Inferno”, um filme planeado para estrear quase ao mesmo tempo que a também aventura de guerra nos céus “A Patrulha da Alvorada” (The Dawn Patrol), de Howard Hawks e que levou Hughes a processar a Warner, produtora deste filme. Na verdade, um e outro são filmes bem diferentes coincidindo apenas no facto de terem como base a Primeira Guerra Mundial e mostrarem imagens de combate nos céus, algo inovador na época.

Enquanto “A Patrulha da Alvorada” é um drama que se centra no stress sentido pelos pilotos, e as parcas condições em que preparavam os combates, nos quais as hipóteses de sucesso eram mínimas, “Os Anjos do Inferno” foca-se no espírito de dever de alguns pilotos, centrando-se na história de dois irmãos e suas formas distintas de estar perante tudo na vida. Eles são Monte Rutledge (Ben Lyon) e Roy Rutledge (James Hall), o primeiro um playboy que vemos na Berlim do virar do século, entre conquistas amorosas a que não dá a mínima importância, e o segundo é um homem de extrema seriedade e responsabilidade, em cujo coração cabe apenas o pensamento da sua namorada distante, Helen (Jean Harlow). Depois de um regresso a Oxford, onde estudam, e de um duelo que Roy tem que disputar no lugar de Monte por uma escapadela deste com uma mulher casada com o militar alemão barão Von Kranz (Lucien Prival), chega o momento em que Monte conhece Helen, para ver imediatamente aquilo que Roy não vê. Helen não o ama, apenas se quer divertir, numa vida boémia e promíscua, na qual vai seduzir até Monte, que logo se enoja de ter cedido. Quando rebenta a guerra, Roy alista-se por sentido de dever, indo parar na Royal Flying Corps (RFC – Força Aérea Britânica). Já Monte, rindo-se cinicamente dos romantismos de guerra, vai lá também parar, quando é recrutado, quase sem o perceber, num evento de rua em que uma rapariga oferece beijos a quem se voluntariar.

Após a recruta, chegam as peripécias da guerra, e com esta a morte e horror. Monte cedo começa a negar tudo o que vê, maldizendo a guerra e dando mostras de medo, o que os outros tomam por cobardia. Cabe a Roy, como sempre, defender o irmão, e os dois acabam por se voluntariar para uma missão quase suicida, de bombardeio isolado de posições inimigas, Monte para se livrar da reputação, Roy, em desgosto por perceber a verdade sobre Helen, e para proteger o irmão. A missão resulta, mas o bombardeiro dos Rutledge é perseguido por um enxame de aviões inimigos comandados pelo célebre Von Richthofen, resultando em lutas com pilotos ingleses, e a queda e captura dos dois irmãos. Sob coacção para contarem os planos de ataque britânicos, Monte quer ceder para escapar à tortura, mas Roy convence-o de que ele próprio falará, para assim ir sozinho ver o seu captor. Frente a ele, (o oficial alemão Von Kranz, o mesmo com quem Roy tivera o duelo no início em nome de Monte), Roy promete contar tudo a troco de uma pistola para matar Monte, para não haver testemunhas da sua traição. Von Kranz aceita, mas Roy usa a arma para matar o irmão apenas porque e quando este se preparava para falar, acabando ele próprio fuzilado.

Se era óbvio que o grande interesse de Howard Hughes – co-adjuvado na realização pelos não creditados, mas mais credenciados, Edmund Goulding e James Whale – era evidenciar as sequências de combate nos céus, não deixa de espantar que o filme seja construído em grande parte sobre situações em terra, antes da guerra, num avolumar de tensão que reside nas diferenças de personalidade e atitude dos dois irmãos Rutledge. Se a sequência de Berlim nos mostra a suas atitudes diferente perante as relações com o sexo oposto (Roy, homem de uma mulher só, Monte um aventureiro sem travões), e até de dever e honra – pelo duelo que o Roy combate em nome do irmão –, ela apresenta-nos ainda o amigo alemão Karl (John Darrow), que tem a função de nos mostrar que os alemães não são necessariamente maus, e que a amizade e os princípios de decência suplantam ideologias e nacionalismos, como vemos a bonita sequência em que Karl se prefere sacrificar conduzindo um Zeppelin para um lago, ao invés de bombardear Trafalgar Square, com o seu comandante ditava, o qual acaba por o deixar cair e ordenar aos seus homens que saltem para a morte para aligeirar o Zeppelin.

De volta à Inglaterra, conhecemos a escultural e boémia Helen (repare-se que logo na sua entrada, depois de fazer Roy esperar horas, o vê assegurar-lhe que ela foi rapidíssima e devia ter demorado mais tempo), que nos surge um pouco à luz dos tradicionais papéis de Greta Garbo – a mulher dominadora cuja entrada faz os homens perder a cabeça, sabendo usar isso a seu favor sem qualquer pudor, para no final pagar o preço da sua independência e liberdade. É tipicamente um filme que antecede o código de Hays, pois só assim as conquistas (de Monte e Helen) podem ser motivo de enredo, os beijos podem ser tão abertos (e leia-se isto em vários sentidos), podendo até ser vendidos na rua, e podendo uma mulher mostrar-se como predadora sexual sem compaixão para quem deixa pelo caminho, e usando-se linguagem pouco comum no cinema de então como o trocadilho «son of a Bosch!».

E depois há a guerra, e aqui são as sequências aéreas que se destacam. Mais de 70 pilotos participaram nas filmagens, e três morreram na produção do filme. Sendo Hughes um piloto temerário, pilotou ele próprio em algumas cenas, inclusivamente quando os duplos se recusavam pela dificuldade exigida.

Falta só referir o aspecto moral. Mesmo sendo um filme anterior ao Código, havia balizas a cumprir, não fosse ele uma aventura de patriotismo, e Hughes um patriota conservador. Por essa razão, Roy, o irmão digno, vai morrer pela causa justa, enquanto Monte, o irmão devasso e algo cobarde, morrerá com um tiro nas costas quando quer trair a pátria para se salvar.

“Os Anjos do Inferno” seria a mais cara produção de cinema até então, com Hughes a parar e recomeçar as filmagens várias vezes, devido à sua obsessão com o perfeccionismo. O filme foi mesmo iniciado como um projecto mudo, com Greta Nissen no lugar de Jean Harlow, com quase todo o filme a ser filmado novamente para se tornar um filme sonoro. Como se não bastasse, Hughes ordenava sempre novas filmagens e novas sequências para obter os efeitos desejados, o que resultou em 250 vezes mais película filmada que a usada no filme final. A atrasar a estreia está ainda o facto de Hughes querer colorizar parte da película (à mão), versão que esteve perdida durante muito tempo, por contraste com a versão a preto e branco, a qual tinha também sequências tingidas (tornando as noites azuladas e alguns interiores amarelados, como era vulgar na época). Hughes veria “Os Anjos do Inferno” tornar-se o maior sucesso de bilheteira de 1930, mas, dados os seus custos, o lucro foi pequeno.

Produção:

Título original: Hell’s Angels; Produção: The Caddo Company; País: EUA; Ano: 1930; Duração: 131 minutos; Distribuição: United Artists; Estreia: 27 de Maio de 1930 (EUA), 31 de Maio de 1932 (Portugal).

Equipa técnica:

Realização: Howard Hughes, Edmund Goulding [não creditado], James Whale [não creditado]; Produção: Howard Hughes [não creditado]; Argumento: Howard Estabrook, Harry Behn [a partir de uma história de Marshall Neilan e Joseph Moncure March]; Diálogos: Joseph Moncure March; Direcção Musical: Hugo Riesenfeld; Orquestração: ; Fotografia: Tony Gaudio, Harry Perry, Harry Zech, E. Burton Steene, Dewey Wrigley, Elmer Dyer [preto e branco]; Montagem: Frank Lawrence, Douglass Biggs, Perry Hollingsworth [não creditado]; Cenários: Julian Boone Fleming, Carroll Clark; Figurinos: Howard Greer [não creditado]; Efeitos Visuais: Phil Jones; Direcção de Produção: Joseph W. Engel.

Elenco:

Ben Lyon (Monte Rutledge), James Hall (Roy Rutledge), Jean Harlow (Helen), John Darrow (Karl Armstedt), Lucien Prival (Barão Von Kranz), Frank Clarke (Tenente von Bruen), Roy Wilson (Baldy Maloney), Douglas Gilmore (Capitão Redfield), Jane Winton (Baronesa Von Kranz), Evelyn Hall (Lady Randolph), William B. Davidson (Major), Wyndham Standing (Comandante de Esquadrão RFC), Lena Malena (Gretchen – Criada), Marian Marsh [como Marilyn Morgan] (Vendedora de Beijos), Carl von Haartman (Comandante do Zeppelin), Ferdinand Schumann-Heink (Primeiro Oficial do Zeppelin), Stephen Carr (Elliott), Thomas Carr (Piloto), J. Granville-Davis (Piloto).

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