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Arnold Lucy, Ben Alexander, Cinema, Erich Maria Remarque, Guerra, John Wray, Lew Ayres, Lewis Milestone, Louis Wolheim, Owen Davis Jr., Primeira Guerra Mundial, Scott Kolk, Slim Summerville, Walter Rogers, William Bakewell
Em 1914, rebenta a Primeira Guerra Mundial, e numa escola alemã o professor Kantorek (Arnold Lucy) exorta os seus alunos a alistar-se, pela honra de servir a nação. Estes, imbuídos de espírito romântico aventureiro fazem-no num ápice. Só que cedo vão perceber os horrores que os esperam, sob bombardeamentos, frio, privações de comida, na vida terrível das trincheiras, e ao lado dos amigos que vêem morrer e ser mutilados. Entre eles está Paul (Lew Ayres), que em breve se interroga com os amigos dos porquês da guerra, onde não reconhecem bons ou maus, e ao voltar a casa numa curta licença não se revê já no entusiasmo nacionalista dos que o recebem como herói.
Análise:
No final de 1928, o alemão, veterano da Primeira Guerra Mundial, Erich Maria Remarque publicou o romance “Im Westen nichts Neues, lit” (“A Oeste Nada de Novo”) no qual olhava de um modo crítico para os propósitos e horrores de uma guerra tão devastadora como aquela que grassou a Europa entre 1914 e 1918. Coube à Universal Pictures decidir passar tal história ao cinema, naquele que seria o mais profundo filme anti-guerra do seu tempo, e um marco no cinema vindouro, tanto pelo realismo desapaixonado com que retrata o stress e horror dos campos de batalha, como pela coragem da sua mensagem e humanismo com que trata o outro lado – os soldados alemães –, onde não se fala em bons e maus, mas apenas do papel destruidor de uma guerra.
Com realização de Lewis Milestone, e protagonizado por um jovem Lew Ayres, “A Oeste Nada de Novo” passa-se na Alemanha imperial, no momento em que rebenta a guerra, e há um forte apelo à mobilização dos jovens alemães. O filme inicia-se exactamente numa sala de aulas, onde o velho professor Kantorek (Arnold Lucy), um nacionalista convicto, exorta os seus alunos a alistar-se, falando-lhes da honra de lutar pela pátria, e «vendendo» a guerra como se fosse uma festa heróica. O discurso resulta e, com sonhos românticos de heroísmo, os jovens alunos alistam-se em massa. O primeiro senão acontece no campo de recrutamento, onde o sargento Himmelstoss (John Wray), anterior carteiro, os trata como carne para canhão. Em breve surge a chamada para combate, e esta traz logo o primeiro revés, com a unidade a ser dizimada, e os sobreviventes a encontrarem-se sem comida. Sob o comando de Paul (Lew Ayres), o grupo encontra alguns veteranos, entre eles o galhofeiro Tjaden (Slim Summerville) e ‘Kat’ Katczinsky (Louis Wolheim), que os adopta e faz amizade com Paul. Segue-se o horror das trincheiras, o armar de arame farpado e resistir a bombardeamentos, num desespero que leva os soldados a questionar tudo e a odiar a guerra. Numa nova investida, Paul fica preso numa vala com um soldado francês, que apunhala, e de quem testemunha a morte lenta, com grande arrependimento seu.
Ferido, Paul é levado para o hospital com o seu amigo Albert Kropp (William Bakewell), e o pânico da morte instala-se, com Paul a curar-se, para ver o amigo, amputado, ceder à depressão. Com alguns dias de licença, Paul volta a casa, onde é recebido como herói, numa cidade onde se continua a pensar que a guerra vai ser ganha com romantismo e alegria. Isto enoja Paul que não hesita em falar contra a guerra, perante a família e na escola onde é chamado a dar o seu testemunho, e de onde é escorraçado como cobarde. De volta à frente de batalha, Paul reúne-se a Tjaden e Kat, no comando de uma companhia cada vez mais jovem. Em breve Paul vê Kat morrer nos seus braços, e nem ele escapa, quando, nas trincheiras é atingido por um atirador.
Pode hoje parecer estranho, mas “A Oeste Nada de Novo” foi filmado com uma dupla câmara a pensar nos lançamentos em versão muda e sonora, o que de facto veio a acontecer quase em simultâneo, fazendo dele o primeiro filme sonoro realizado por Lewis Milestone. Beneficiando de ainda não estarmos na vigência do Código de Hays, o filme tornou-se famoso pela violência visual que incluía ferimentos, perda de membros e mortes explícitas no ecrã. O realismo pretendido era tal que Milestone contratou especialistas militares, e teve como figurantes numerosos ex-combatentes, inclusivamente alemães que haviam deixado a Europa após o armistício, e que contribuíram com histórias que seriam incluídas no filme. Veja-se por exemplo a sequência em que se arma o arame farpado, e como as mãos dos soldados estão completamente ensanguentadas com os ferimentos. Há, no entanto, algum espaço para o humor, mostrando como mesmo nos ambientes mais inóspitos os seres humanos procuram sempre respirar um pouco de sanidade. Esses momentos ficam particularmente a cargo dos personagens de Tjaden e Kat, e da sequência do banho no rio, que leva a que um grupo de soldados não resista a tentar conquistar raparigas francesas.
Talvez o que mais distinga “A Oeste Nada de Novo” é o filme ser claramente um manifesto anti-guerra, no qual vemos as várias facetas dessa posição. Começamos com a exaltação nacional, e o modo como se consegue levar uma nação a embarcar em algo horrível, com a alegria de estar a contribuir para algo elevado. Temos depois a desumanização do treino, naquilo que se pode chamar o protótipo do que seriam mais tarde os grandes filmes revisionistas de guerra, como “Platoon – Os Bravos do Pelotão” (Platoon, 1986), de Oliver Stone e “Nascido Para Matar” (Full Metal Jacket, 1987), de Stanley Kubrick. Temos o já citado horror da morte e mutilação, nas cenas de combate, no pânico dos recrutas sob bombardeamento, na sequência que leva a um combate corpo a corpo e a uma morte de alguém que vemos olhos nos olhos. Temos as conversas entre os militares, já desiludidos, que não entendem quem ou porquê se começa uma guerra. Temos o confronto com a inconsciência geral, a loucura de quem quer prosseguir algo que já está perdido, e onde ainda se admira cada morte como heróica. Temos por fim o final amargo, com a morte do protagonista, quando já alheado do perigo, tenta somente tocar uma borboleta que o lembra de uma história de família, seguido de uma marcha em transparência, onde vemos os soldados protagonistas do filme marchar sobre um enorme cemitério.
Por partir de um texto alemão, Milestone foi ainda mais longe, mostrando os alemães, como pessoas boas, humanas, sofredoras, que se podem ter deixado iludir momentaneamente, mas querem paz, são dignos de compaixão, e têm-na mesmo pelos inimigos. Este ponto foi algo que muito confundiu audiências internacionais, que preferem sempre acreditar que o inimigo é um monstro diabólico, e a quem custa aceitar que são pessoas com as mesmas dores e sofrimentos que eles próprios. Veja-se como tantas décadas depois Clint Eastwood fez o mesmo com o seu aclamado “Cartas de Iwo Jima” (Letters from Iwo Jima, 2006), dando-nos a conhecer o sofrimento dos soldados japoneses na Segunda Guerra Mundial.
A destacar fica também o facto de Milestone ter preferido não ter uma banda sonora que atenuasse a dureza do tema (embora esta lhe tenha sido adicionada em montagens posteriores), bem como os valores de produção (sendo um filme caríssimo, se tivermos em conta de que o queda da Bolsa de Nova Iorque tinha acabado de acontecer quando o filme iniciou a produção), com planos de conjunto elaborados (com impressionantes planos filmados de gruas), cenários exteriores ricos, e grande detalhe nas reconstituições, quer de ruas de aldeias, quer no guarda-roupa, quer nos movimentos das tropas e sequências de combate e explosões.
Fosse como fosse, e mesmo que seja hoje visto como um monumento, tanto em termos dramáticos e cinematográficos como pela coragem e alcance da sua mensagem, “A Oeste Nada de Novo” foi mal recebido em muitos países, que o consideravam um filme capaz de inibir o patriotismo, quando o mundo se preparava já para lutar a Segunda Guerra Mundial. Infames são as reacções na própria Alemanha, com militantes nazis a boicotarem violentamente as exibições do filme, o qual viria a ser proibido após a tomada do poder por Adolf Hitler. Do mesmo modo, o livro de Erich Maria Remarque, e a sua sequela de 1930 (que mostrava o regresso dos soldados e o seu comportamento finda a guerra) foram também proibidos e queimados publicamente. Já na França, Holanda e Suíça o filme foi um estrondoso sucesso, recebendo mesmo estes países visitantes alemães que não podiam ver o filme na Alemanha. Ironicamente, alguns países baniram o filme por ser demasiado pró-alemão.
Aposta forte do seu director, Carl Laemmle Jr., que queria mesmo sensibilizar o público para a realidade da guerra, “A Oeste Nada de Novo” foi o primeiro filme da Universal a receber o Oscar de Melhor Filme, o primeiro filme sonoro a receber tal distinção, e o segundo filme mais visto de 1930. Lewis Milestone recebeu o Oscar de Melhor Realizador.
Menos conhecida é hoje a adaptação da sequela, “Após a Derrota” (The Road Back, 1937), de James Whale, e o remake de 1979, da autoria de Delbert Mann, para televisão e com Richard Thomas e Ernest Borgnine nos principais papéis.
O filme tinha inicialmente uma duração de 152 minutos (versões muda e sonora), sendo posteriormente reduzido para 145 minutos para distribuição internacional. A versão restaurada de 133 minutos é hoje a mais comum, embora existam versões mais curtas (129 minutos em DVD, e 101 minutos para televisão).
Produção:
Título original: All Quiet on the Western Front; Produção: Universal Pictures; Produtores Executivos: ; País: EUA; Ano: 1930; Duração: 133 minutos; Distribuição: Universal Pictures; Estreia: 21 de Abril de 1930 (EUA), 21 de Abril de 1931 (Portugal).
Equipa técnica:
Realização: Lewis Milestone; Produção: Carl Laemmle Jr.; Argumento: George Abbott, Lewis Milestone [não creditado] [adaptado por Maxwell Anderson e Del Andrews a partir do romance homónimo de Erich Maria Remarque]; Diálogos: Maxwell Anderson; Supervisão da História: C. Gardner Sullivan; Supervisão Musical: David Broekman; Fotografia: Arthur Edeson, Karl Freund [não creditado] [preto e branco]; Montagem: Maurice Pivar, Edgar Adams, Edward L. Cahn [não creditado]; Direcção Artística: Charles D. Hall, William R. Schmidt; Efeitos Especiais: Frank H. Booth [não creditado], Harry Lonsdale [não creditado].
Elenco:
Louis Wolheim (Stanislaus ‘Kat’ Katczinsky), Lew Ayres (Paul Bäumer), John Wray (Himmelstoss), Arnold Lucy (Professor Kantorek), Ben Alexander (Franz Kemmerich), Scott Kolk (Leer), Owen Davis Jr. (Peter), Walter Rogers (Behn), William Bakewell (Albert Kropp), Russell Gleason (Mueller), Richard Alexander (Westhus), Harold Goodwin (Detering), Slim Summerville (Tjaden), G. Pat Collins (Tenente Bertinck), Beryl Mercer (Mãe de Paul), Edmund Breese (Herr Meyer).