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Cinema, Cinema italiano, Comédia Dramática, Drama, Ettore Scola, Francesco Anniballi, Giselda Castrini, Maria Bosco, Maria Luisa Santella, Nino Manfredi
Quatro gerações de uma família vivem apinhadas numa barraca de um bairro de lata, no Monte Ciocci, junto a Roma, de onde se avista a cúpula de São Pedro. Eles são o patriarca Giacinto (Nino Manfredi), a esposa Iside (Maria Luisa Santella), os filhos, respectivos cônjuges e a sua crescente prole, que numa completa amoralidade, promiscuidade e até incesto, tentam sobreviver no meio da sujidade a mais um dia, seja em empregos precários, pequenos biscates, ou na tentativa de encontrar o dinheiro dos subsídios de Giacinto, o único com rendimento fixo (um subsídio por invalidez), que ele guarda desconfiadamente como um tesouro.
Análise:
Começando no cinema como argumentista, ainda na década de 50, Ettore Scola esperaria cerca de dez anos até assinar o seu primeiro filme como realizador, e outros tantos para ser reconhecido como um dos mestres da sua geração, o que conseguiria, principalmente, depois do brilhante “Tão Amigos que Nós Éramos” (C’eravamo tanto amati, 1974). Com um pé no drama social, um olhar sensível ao contexto político, e um forte sentido dramático que usava o humor como contraste, Ettore Scola representa em pleno a geração que saiu do Neo-realismo, com vontade de expandir essa linguagem, fazendo uso de uma maior grandiosidade, toque mais incisivo na sociedade e uma vertente dramática que não dispensa uma atmosfera quase barroca, onde o grotesco tem um papel importante.
Exemplo cabal é este “Feios, Porcos e Maus”, de 1976, no qual Scola se dedica a dissecar, de modo cru, um bairro de lata da zona do zona do Monte Ciocci, na periferia de Roma, de onde (sempre os contrastes) até se avista a cúpula de São Pedro.
O filme conta a história, que é como quem diz, faz um retrato, da vida dos bairros de lata da periferia de Roma (a qual, majestosa, surge apenas como horizonte distante), centrando-se na família de Giacinto (Nino Manfredi), um ancião que vive de subsídios devido à cegueira provocada no olho esquerdo, e que vê em todos, inimigos que lhe querem roubar o dinheiro. Nessa casa (note-se que é num travelling sobre o modo como todos dormem, quase em comunhão, que o filme começa e acaba), vive mais de uma dezena de pessoas, desde a esposa de Giacinto, aos seus filhos, cônjuges destes, e respectivos filhos. É uma família num sentido muito lato, uma vez que, sem nunca percebermos bem quem é relacionado com quem, cedo se percebe que a infidelidade e o incesto são lugares comuns, aceites como naturais.
Para além do retrato do dia a dia da comunidade (desde o tomar conta das crianças ao arranjar algo para cozinhar, até aos diversos empregos e ocupações de alguns dos elementos da família), a trama gira em torno das tentativas de encontrar o dinheiro de Giacinto, que este passa o tempo a esconder em locais diferentes, ao ponto de o próprio se esquecer onde o colocou. A chegada de uma prostituta napolitana, de quem Giacinto se enamora – e que leva até que passe de sovina a gastador – é a gota de água, que leva a família a decidir-se pela sua morte, por envenenamento. Mas Giacinto, qual ratazana, consegue sobreviver, respondendo com o incêndio da habitação comunal, e sua posterior venda a uma comunidade cigana, com quem a família terá de passar a partilhar a barraca.
Chocando pelo grotesco, comportamentos amorais, constante promiscuidade, e uma vida em comum com a imundície, precariedade e um total alheamento por bom senso ou sentido de companheirismo, “Feios, Porcos e Maus” faz jus ao seu título, dando-nos uma imagem triste e decadente dos bairros da periferia, que surgem quase como universos regidos por leis diferentes, onde tudo vale, e nada existe de respeitável ou sagrado.
Neste mundo difícil e estranho, os nossos olhos são o olho de Giacinto, que, sem outro objectivo que não seja o de gozar os seus minutos em sossego, guardando o seu dinheiro, vai vendo como todos se comportam, numa total ausência de objectivos ou valores (se descontarmos o gosto pelo canto, de um dos filhos de Giacinto), onde tudo revolve em conseguir uma nota para gastar, e no próximo acto sexual, que por vezes ocorre no meio da barraca, com toda a família a dormir à volta dos intervenientes.
Ainda assim, na pobreza e imundície, Ettore Scola, usa do humor negro, para nos dar o grotesco dos personagens, como anedótico, e risível. Desde logo fica a pergunta sobre a veracidade de tal mundo, que ao mesmo tempo nos parece realista e fantasioso. Nesse cenário assombroso e em simultâneo envolvente, Scola transporta-nos com tal mestria pelo bairro da lata, que quase sentimos os cheiros, e somos impregnados de uma amoralidade onde todos os comportamentos repugnam, e o crime é visto com naturalidade. Graças à brilhante interpretação de Manfredi, e a um conjunto de actores que torna qualquer cena como naturalista, a sensação de proximidade é enorme, o que contribui para o desconforto que o autor pretende causar, ao mesmo tempo que nos convida a continuar graças ao anedótico com que tudo é tratado.
“Feios, Porcos e Maus” é um retrato cruel e amargo do que seria a vida de certas comunidades periféricas, que poucos ou nenhuns valores partilhavam com aquilo que se pensa ser ser o padrão de uma sociedade. É um sintoma de pobreza e desigualdade, afectando uma grande parte das comunidades urbanas, no que, na Itália resultou como um filme mal recebido, dado o melindre trazido pelo tema.
O filme valeria a Ettore Scola o prémio de melhor realizador em Cannes.
Produção:
Título original: Brutti, sporchi e cattivi; Produção: Compagnia Cinematografica Champion / Surf Film; País: ; Ano: 1976; Duração: 115 minutos; Distribuição: ; Estreia: 23 de Setembro de 1976 (Itália), (Portugal).
Equipa técnica:
Realização: Ettore Scola; Produção: Carlo Ponti; Produtor Associado: Romano Dandi; Argumento: Ruggero Maccari, Ettore Scola; Música: Armando Trovajoli; Fotografia: Dario Di Palma [cor por (Technicolor)]; Montagem: Raimondo Crociani; Design de Produção: Luciano Ricceri, Franco Velchi; Cenários: Jean Robert Marquis; Figurinos: Danda Ortona; Caracterização: Franco Freda; Efeitos Especiais: Fratelli Ascani; Direcção de Produção: Luigi Anastasi.
Elenco:
Nino Manfredi (Giacinto Mazzatella), Maria Luisa Santella (Iside), Francesco Anniballi (Domizio), Maria Bosco (Gaetana), Giselda Castrini (Lisetta), Alfredo D’Ippolito (Plinio), Giancarlo Fanelli (Paride), Marina Fasoli (Maria Libera), Ettore Garofolo (Camillo), Marco Marsili (Marce), Franco Merli (Fernando), Linda Moretti (Matilde), Luciano Pagliuca (Romolo), Giuseppe Paravati (Tato), Silvana Priori (Mulher de Paride).
Este filme tem tantas cenas grotescas que, em certos momentos, até têm piada! Não há dúvida que o título do filme é mais do que adequado porque todos os personagens são realmente (como se diz na minha terra) “brutos que nem uma carrada de porcos”! 🙂