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Rosemary's Baby Rosemary (Mia Farrow) e Guy Woodhouse (John Cassavetes) mudam-se para um apartamento num edifício antigo e de má reputação, tornando-se imediatamente amigos do casal de idosos Roman (Sidney Blackmer) e Minnie Castevet (Ruth Gordon). De repente a sorte do casal começa a mudar, com Guy, um actor, a ganhar surpreendentemente um papel por cegueira súbita do seu antecessor. Mas à sua volta acontecem estranhas mortes, como a da protegida dos Castavets, e do amigo de Rosemary, Hutch (Maurice Evans). Quando esta engravida, sente que a vida lhe foge ao controlo, pois todos, do marido aos Castavets e outros inquilinos do prédio controlam as suas decisões e movimentos, incluindo a escolha do obstetra Dr. Sapirstein (Ralph Bellamy), que trata Rosemary de modo pouco convencional. Isso aliado ao sonho que Rosemary teve durante a concepção, começa a convencê-la de que é vítima de um conciliábulo, que quer o seu bebé para rituais, com o acordo do marido.

Análise:

1968 foi o ano de estreia de Roman Polanski nos Estados Unidos. Depois se surgir como um dos promissores jovens realizadores da nova vaga polaca, Polanski filmou alguns filmes consagrados em França, até ser tentado a cruzar o Atlântico. A cenoura que o atraiu foi o projecto “Os Corredores da Montanha” (Downhill Racer, 1969) que seria entretanto entregue a Michael Ritchie. A Paramount, pela mão de Robert Evans, decidira entretanto que Roman Polanski seria bem mais adequado para realizar a produção de William Castle (o qual tem um cameo como o homem fora da cabine telefónica) baseada na história de terror de Ira Levin “Rosemary’s Baby”.

“A Semente do Diabo” integra-se, na carreira de Polanski, no tema da paranóia levada a consequências extremas, em ambiente de terror psicológico, iniciado no filme “Repulsa” (Repulsion 1965), e continuado mais tarde em “O Inquilino” (Le Locataire, 1976), histórias urbanas e claustrofóbicas de confinamento em apartamentos. O filme foi produzido por William Castle, um produtor reputado pelas suas produções de terror de baixo custo, o qual adquirira os direitos do livro de Levin, e obtivera o acordo da Paramount para uma produção de maior fôlego que aquelas a que estava habituado.

Com argumento adaptado pelo próprio Polanski, que, por nunca ter feito um filme a partir de um livro já publicado, se manteve o mais fiel possível à sua fonte, “A Semente do Diabo” é a história de um casal nova-iorquino de classe média, que se vê a mudar para um imponente edifício antigo, com uma história trágica por trás. Eles são Guy (John Cassavetes) e Rosemary Woodhouse (Mia Farrow). Jovens, sonhadores, entusiásticos, ele um actor à procura de uma oportunidade, ela desempregada, com o sonho de ter um filho. A sua chegada é aclamada com fervor pelos vizinhos idosos Roman (Sidney Blackmer) e Minnie Castevet (Ruth Gordon), que são demasiadamente calorosos, não parecendo perceber as necessidades de privacidade do jovem casal. Desde logo a chegada é assombrada pela morte de Terry (Victoria Vetri), protegida dos Castavets, que a partir daí quase adoptam os Woodhouse (quer eles queiram quer não), levando-lhes comida, dando amuletos a Rosemary, e interferindo na sua vida diariamente.

Entretanto tudo começa a mudar para os Woodhouse. Rosemary engravida e Guy recebe miraculosamente um papel, quando o actor original cega subitamente. Com os Castavets a escolherem o médico de Rosemary, o Dr. Sapirstein (Ralph Bellamy), as constantes dores de Rosemary, os sonhos demoníacos que tem, e os estranhos tratamentos que lhe são impostos começam a fazer Rosemary desconfiar de que algo se passa. Ao contar as suspeitas ao seu amigo Hutch (Maurice Evans), este dá-lhe um livro de bruxaria, após o que morre misteriosamente. Convencida de que é vítima de um conciliábulo que quer o seu filho para qualquer ritual demoníaco, Rosemary tenta escapar, para descobrir que todos, incluindo o marido são parte de uma conspiração.

“A Semente do Diabo” destaca-se assim dos filmes de terror que o precedem por não fazer uso dos habituais clichés do género. No filme de Polanski não vemos monstros, não temos assassinos maníacos nem figuras sobrenaturais. Não estamos em casas assombradas, ambientes obscuros ou castelos góticos. O que temos é uma história de crescente paranóia que atinge pessoas normais, em ambientes normais, à luz do dia, envolvendo médicos reputados e vizinhos simpáticos. Mas por esse ambiente normal tece-se algo escondido. É a tal conspiração de que Rosemary vai começar a suspeitar, e que envolve o próprio marido, inicialmente tão solícito e carinhoso. A partir de então, após pequenas pistas, e acontecimentos tão inocentes como a presença de um casal de velhinhos extremamente simpáticos, começamos, como Rosemary, a sentir que nada do que se passa é inocente, e um perigo inominável espreita de todos os lados.

A um nível mais subconsciente é ainda possível ver em “A Semente do Diabo” simplesmente uma metáfora sobre os medos, instabilidades e depressões provocados por uma gravidez. Mia Farrow destaca-se então, com Polanski a explorar toda a sua visível fragilidade. É a sua inocência e incapacidade de se defender que nos atinge, e guia as nossas emoções. Tememos por ela, assustamo-nos com ela, e essa incapacidade de ajudar, tolhe-nos e perturba-nos num filme, que como o sinuoso apartamento dos Woodhouse, se torna demassiado opressivo e claustrofóbico.

Polanski joga com os nossos nervos através de jogos inocentes que, tal como os vizinhos de Rosemary, não são o que parecem. Nesse sentido Polanski joga com Rosemary um jogo de gato e de rato, onde cada esperança de fuga é apenas a confirmação de mais um passo na descida que a espera. “A Semente do Diabo” consegue tudo isso com a já citada fragilidade de Mia Farrow (num papel para onde foram consideradas Tuesday Weld, Jane Fonda, Sharon Tate – a esposa de Polanski, – Julie Christie, Elizabeth Hartman e Joanna Pettet), e também com um realismo perturbante proveniente de vários planos-sequência bastante longos, principalmente em cenas em que Mia Farrow está sozinha (são exemplos o telefonema ao entretanto cego Donald Baumgart e a sequência na cabine telefónica) ou sequências quase sem cortes, como várias deambulações pelo apartamento.

Notável é ainda a cena em que Rosemary é violada pelo Diabo, na qual imagens do acto se misturam com rituais satânicos, e sonhos surreais de Rosemary. Acrescente-se como curiosidade que: a voz de Donald Baumgart ao telefone é de Tony Curtis (Farrow não o sabia, e o ar desconcertado de Rosemary tem algo a ver com isso); o penteado de Rosemary é mesmo de Vidal Sassoon (e faria furor); a voz que canta a lengalenga do tema título é da própria Mia Farrow.

“A Semente do Diabo”, pela novidade dos temas, e seu tratamento, onde realismo e paranóia se misturam sobriamente com sobrenatural, tornou-se, desde a sua estreia, um clássico, e um dos filmes mais citados no género de terror. O seu sucesso foi um abrir de portas para um enorme número de filmes tendo o satanismo como tema, onde se destacam o “O Exorcista” (The Exorcist, 1973) de William Friedkin e “O Génio do Mal” (The Omen, 1976) de Richard Donner, entre tantos outros filmes menores.

O filme de Polanski foi nomeado para variados prémios internacionais, tendo vencido o Oscar e o Globo de Ouro para Melhor Actriz Secundária (Ruth Gordon). Em 1976 surgiria a sequela “A Semente do Diabo II” (Look What’s Happened to Rosemary’s Baby) de Sam O’Steen, com Patty Duke como Rosemary Woodhouse e Ruth Gordon retomando o seu papel de Minnie Castevet. Já em 1997 foi a vez do próprio autor, Ira Levin, publicar um segundo romance, “Son of Rosemary”.

Mia Farrow em "A Semente do Diabo" (Rosemary's Baby, 1968), de Roman Polanski

Produção:

Título original: Rosemary’s Baby; Produção: William Castle Productions; País: EUA; Ano: 1968; Duração: 137 minutos; Distribuição: Paramount Pictures; Estreia: 12 de Junho de 1968 (EUA).

Equipa técnica:

Realização: Roman Polanski; Produção: William Castle; Produtor Associado: Dona Holloway; Argumento: Roman Polanski [baseado no livro de Ira Levin]; Música: Krzysztof Komeda; Orquestração: ; Fotografia: William A. Fraker [filmado em Eastman, cor por Technicolor]; Montagem: Sam O’Steen, Bob Wyman; Design de Produção: Richard Sylbert; Direcção Artística: Joel Schiller; Cenários: Robert Nelson; Figurinos: Anthea Sylbert; Caracterização: Allan Snyder; Direcção de Produção: William Davidson.

Elenco:

Mia Farrow (Rosemary Woodhouse), John Cassavetes (Guy Woodhouse), Ruth Gordon (Minnie Castevet), Sidney Blackmer (Roman Castevet), Maurice Evans (Hutch), Ralph Bellamy (Dr. Sapirstein), Victoria Vetri [como Angela Dorian] (Terry), Patsy Kelly (Laura-Louise), Elisha Cook Jr. (Mr. Nicklas), Emmaline Henry (Elise Dunstan), Charles Grodin (Dr. Hill), Hanna Landy (Grace Cardiff), Phil Leeds (Dr. Shand), D’Urville Martin (Diego), Hope Summers (Mrs. Gilmore).

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