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Prima della rivoluzione Fabrizio (Francesco Barilli) é um jovem de Parma, que embora de famílias ricas, está a fazer a travessia em direcção a um comunismo revolucionário. Nesse despertar político estão os ensinamentos do professor de liceu Cesare (Morando Morandini), mas por dentro, e principalmente depois da notícia da morte do seu amigo Agostino (Allen Midgette), Fabrizio sente que nada fará e nada acontecerá. Chega então, de Milão, a sua jovem tia Gina (Adriana Asti), uma bonita mulher, a braços com alguns problemas psicológicos. Os dois envolvem-se romanticamente, ela pela inocência do sobrinho, ele por uma certa transgressão, que nunca consegue resolver dentro de si.

Análise:

Filho de um poeta, que o apresentou a Pier Paolo Pasolini, de quem chegou a assistente de realização, Bernardo Bertolucci passaria à cadeira de realizador com o filme “La commare secca” (1962), escrito pelo mesmo Pasolini. A boa recepção da sua estreia augurou-lhe uma carreira, que surgia num momento em que o cinema italiano dava cartas, ultrapassando já o norte-americano em receitas em Itália, e atraindo a atenção no estrangeiro. Não espanta por isso que o seu segundo filme fosse já recebido com interesse pelo público e pela crítica. Este foi “Antes da Revolução”, que foi imediatamente acolhido como um filme-discípulo da Nouvelle Vague francesa, estreado em Cannes e desde então a ganhar cada vez mais adeptos.

Filmado em Parma, a preto e branco (excepção para as imagens vistas de dentro de uma fortaleza, por um orifício que cria uma imagem em forma de tela), “Antes da Revolução” retira o nome e ideia de uma citação de Charles Maurice de Talleyrand-Périgord «Só aqueles que viveram antes da revolução sabiam como a vida pode ser tão doce». Essa ideia é marcada nas palavras finais do protagonista Fabrizio, que diz que gente como ele (os revolucionários de salão, que falam, mas nunca agem) vivem sempre antes da revolução, palavras essas que Bertolucci assumiria mais tarde como suas.

Num contraste forte, em paisagens áridas vemos uma Parma triste e desolada, onde evolui Fabrizio (Francesco Barilli), um jovem de ideias fortes, que não combinam com a sua origem burguesa. Crente nos ideais revolucionários, Fabrizio milita no Partido Comunista, bebe dos ensinamentos do professor de liceu Cesare (Morando Morandini), e acredita estar a ajudar a caminhar para uma grande revolução. Mas por dentro, Fabrizio sabe que nada irá acontecer, o que o deprime, sentimento aumentado pela morte do seu jovem amigo Agostino (Allen Midgette). É nessa altura que chega, vinda de Milão, a sua tia Gina (Adriana Asti), uma bonita mulher, pouco mais velha que ele, sofrendo de alguns problemas psicológicos, e que verá no sobrinho uma lufada de ar fresco. Os dois envolvem-se romanticamente às escondidas, até ela compreender o quanto essa relação pode destruir Fabrizio, o qual se vai tornando cada vez mais possessivo e desconfiado. Gina opta por deixar Parma, vindo a reencontrar Fabrizio mais tarde na ópera. Ele é então já noivo de uma mulher da mesma classe, tendo-se resignado a seguir a vida burguesa que os pais lhe destinaram.

Pela montagem solta (onde o raccord é propositadamente desrespeitado, sequências surgem aos saltos, e a continuidade temporal é quebrada com momentos que nem sempre se relacionam entre si), aridez da imagem, e um pessimismo existencialista que nos traz personagens que parecem, à partida, tragicamente vencidos, “Antes da Revolução” foi imediatamente considerado um sucedâneo da Nouvelle Vague francesa. Como se não bastasse, Bertolucci dá-nos uma conversa entre Fabrizio e um amigo cinéfilo que passa o tempo a dizer-lhe que Anna Karina é uma lenda no filme “Uma Mulher É uma Mulher” (Une femme est une femme, 1961) de Jean-Luc Godard, terminando com a frase «Não se pode viver sem Rossellini!», depois de elogios a Howard Hawks e Nicholas Ray (por sinal dois heróis da geração da Nouvelle Vague). É, acima de tudo, Bertolucci a marcar o território das suas referências, podendo, em termos temáticos pensar-se ainda em Antonioni, pelo modo contemplativo como filma, e pela incomunicabilidade dos dois protagonistas (Fabrizio e Gina procuram-se, amam-se, mas nunca partilham uma mesma realidade interior).

Filhos de uma burguesia cuja realidade renegam, mas da qual não se conseguem libertar, estes revolucionários de salão irritam-se com ideias, perdem estribeiras com comportamentos, mas nunca agirão para mudar as suas vidas ou as dos outros. É esse o drama de Fabrizio, talvez adivinhado por Gina que o liberta do seu peso nas indecisões que amarguram o seu sobrinho. Mas sem essa transgressão trazida pela relação ilícita com a tia, Fabrizio perde o seu último sopro transgressor, e deixa-se arrastar pela convenção que o enoja. É já uma forma de Bertolucci usar o sexo como transgressão e formador de personalidade, uma espécie de momento de verdade interior, de outro modo impossível de obter.

Com uma crítica de convenções sociais e mesmo religiosa (note-se como o romance ilícito de tia e sobrinho decorre na Quaresma, até à Páscoa), Bertolucci desenha em “Antes da Revolução” uma teia de críticas a uma certa esquerda intelectual presa a ideais utópicos, mas sem nunca agir. Também por isso, o seu filme seria modelo para um cinema politicamente mais militante que surgiria no final da década e que rodeou as revoltas de Maio de 68, que, quase sem querer, “Antes da Revolução” prenuncia.

Adriana Asti e Francesco Barilli em "Antes da Revolução" (Prima della rivoluzione, 1964), de Bernardo Bertolucci

Produção:

Título original: Prima della rivoluzione; Produção: Cineriz / Iride Cinematografica; Produtores Executivos: ; País: Itália; Ano: 1964; Duração: 107 minutos; Distribuição: Cineriz (Itália), British Film Institute (BFI) (Reino Unido); Estreia: 9 de Maio de 1964 (Festival de Cannes, França), 2 de Outubro de 1964 (Itália), 30 de Dezembro de 1976 (Portugal).

Equipa técnica:

Realização: Bernardo Bertolucci; Produção: Mario Bernocchi; Argumento: Bernardo Bertolucci, Gianni Amico [a partir de uma história de Bernardo Bertolucci]; Música: Gino Paoli, Ennio Morricone; Direcção Musical: Franco Ferrara; Fotografia: Aldo Scavarda [preto e branco e cor]; Montagem: Roberto Perpignani; Design de Produção: Vittorio Cafiero, Angelo Canevari; Figurinos: Federico Forquet; Caracterização: Michele Trimarchi.

Elenco:

Adriana Asti (Gina), Francesco Barilli (Fabrizio), Allen Midgette (Agostino), Morando Morandini (Cesare), Cristina Pariset (Clelia), Cecrope Barilli (Puck), Evelina Alpi (A menina), Gianni Amico (Um Amigo), Goliardo Padova (O Pintor), Guido Fanti (Enore), Salvatore Enrico (O Sacristão), Amelia Bordi (A Mãe), Domenico Alpi (O Pai), Iole Lunardi (A Avó), Antonio Maghenzani (O Irmão), Ida Pellegri (Mãe de Clelia), Mario Feliciani (dobragem de voz de Cecrope Barilli) [não creditado], Gastone Moschin (dobragem de voz de Morando Morandini) [não creditado], Massimo Turci (dobragem de voz de Francesco Barilli) [não creditado].

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