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Cinema, Cinema italiano, Drama, Jeannie McNeil, Liliana Gerace, Lou Castel, Marco Bellocchio, Marino Masé, Paola Pitagora, Pier Luigi Troglio
Augusto (Marino Masé) vive uma vida de frustração, por não poder sair de casa e casar com a noiva Lucia (Jeannie McNeil), pois sente-se obrigado a prestar assistência à família que vive numa casa rural nos arredores da cidade. Estes são, a mãe cega (Liliana Gerace) e os irmãos doentes Alessandro (Lou Castel) e Giulia (Paola Pitagora), ambos a braços com epilepsia, frustrações por projectos nunca concluídos, e invejas e ciúmes uns dos outros, e o também irmão Leone (Pier Luigi Troglio), que sofre de doença mental. Para mudar a situação, Alessandro decide que o melhor é matar toda a família para que Augusto viva livremente.
Análise:
Tendo tido como primeiro amor a Filosofia, Marco Bellocchio cedo trocou o curso superior naquela área por um ingresso na escola de cinema. E logo na sua estreia, com o filme escrito por si “De Punhos Cerrados”, e filmado em propriedade familiar com dinheiro próprio, Bellocchio conseguiu a consagração, vencendo o prémio Vela d’argento de Melhor Realizador, no Festival de Locarno, e o Nastro d’argento (do sindicato dos jornalistas italianos) de Melhor Argumento. Não foram apenas os prémios, mas os holofotes viraram-se para Bellocchio como o precursor de uma nova tendência no cinema italiana, de certo modo herdeira de Antonioni e da Nouvelle Vague francesa, e a que pertencia também Bernardo Bertolucci.
Como previsível pelas referências que carrega, “De Punhos Cerrados” é um filme de desolação, desencontros, incomunicabilidades e pessimismo. Tudo isto nos é mostrado no seio de uma família composta por uma mãe cega (Liliana Gerace), que vive numa casa rural fora da cidade com os seus quatro filhos. Eles são Augusto (Marino Masé), o mais expedito, que quer cortar amarras e viver na cidade com a namorada Lucia (Jeannie McNeil); Alessandro (Lou Castel), um jovem que sonha escrever, se divide por projectos não concretizados e o pesadelo de crises de epilepsia mantidos à distância por medicamentos; Giulia (Paola Pitagora), também dada a crises, e possessiva dos seus irmãos com quem briga constantemente; e Leone (Pier Luigi Troglio), um jovem com deficiências mentais, a cuidado dos restantes. Cedo se percebe que o clima em casa é tenso, feito de frustrações e choques de personalidade, com cada um a querer puxar para o seu lado, mas sem que ninguém tenha coragem para causar mudanças. É então que Alessandro, frustrado por não conseguir levar os seus projectos a bom porto, e vendo no irmão Augusto a tristeza de ser travado pela família, decide que o melhor para Augusto é que toda a família morra. Se inicialmente o seu plano de atirar o carro de um precipício com todos dentro falha, Alessandro, vai acabar por matar a mãe, e mais tarde o irmão Leone. Mas a pressão sentida só aumenta, o que o leva a sucumbir perante as suas próprias crises, sem que Giulia, que entretanto percebe que o irmão matou a mãe e Leone, o ajude.
Usando a distância dramática de Antonioni e uma montagem solta, de momentos isolados, nem sempre explicitamente ligados, que lembra o que também Bertolucci vinha fazendo, Bellocchio traça-nos um retrato pessimista de uma família sem nada de positivo em que se inspirar, devido às suas doenças neurológicas (elas próprias talvez símbolo da doença social que Bellocchio apontava), peso daqueles que estão a cargo dos outros, e parcas condições financeiras que os prendem à decrépita propriedade familiar. Nesse sentido, e com o peso da velha casa como uma autêntica personagem, “De Punhos Cerrados” tem algo de atmosfera gótica, onde o peso é o da própria família e da sua incapacidade de emergir acima dos problemas que sente serem seus por direito próprio.
Sem que ninguém tenha capacidade, coragem ou vontade de mudar seja o que for (e é para Augusto que olhamos como aquele que mais teria a ganhar, uma vez que uma vida o espera fora daquele lugar), será do crime que essa mudança surgirá. Na mente perturbada de Alessandro, é cortando os membros que gangrenam que a parte sã da família (Augusto) pode prosperar, algo que ele vai fazer num misto de altruísmo, loucura, e muito desespero.
“De Punhos Cerrados” torna-se assim um retrato amargo de um status quo incomportável, que tem sido também visto como uma análise da Itália dos anos 60, a fugir das crises que marcaram as décadas anteriores (o fascismo, a guerra e as dificuldades económicas do pós-guerra), mas ainda à procura de um rumo. Tal como (mais uma vez) em Bertolucci, em Bellocchio encontram-se as sementes do que seriam as revoltas do final da década, que definiram uma geração, aqui ainda amargurada e perdida.
Um pouco como um conto de terror de uma família disfuncional, “De Punhos Cerrados” marca pela sua amoralidade e desespero, que leva a que nenhuma personagem seja propriamente lúcida ou objectiva, e que o crime familiar acabe como apenas mais um episódio num quotidiano sem esperança ou alegria. Como o título denuncia, é um retrato de raiva reprimida e escondida (e o título original acrescenta «nos bolsos», salientando esse carácter reprimido e silencioso da raiva inerente), prestes a explodir, que tanto pode ser entendida no campo pessoal (a família do filme) como no plano social. Afinal o Maio de 68 estava apenas a três anos de distância.
Destaque final para a interpretação de Lou Castel, a mola do filme, cujos maneirismos afectados e modos impulsivamente doentios ajudaram a dar a todo o filme uma atmosfera de claustrofobia negra e nervosa, que desde sempre tem chocado as suas audiências.
Produção:
Título original: I pugni in tasca [título inglês: Fists in the Pocket; Produção: Doria Cinematographica; País: Itália; Ano: 1965; Duração: 109 minutos; Estreia: 31 de Julho de 1965 (Festival de Locarno, Suíça), 13 de Dezembro de 1965 (Itália).
Equipa técnica:
Realização: Marco Bellocchio; Produção: Enzo Doria; Argumento: Marco Bellocchio; Música: Ennio Morricone; Fotografia: Alberto Marrama [preto e branco]; Montagem: Silvano Agosti [como Aurelio Mangiarotti]; Direcção Artística: Gisella Longo; Direcção de Produção: Ugo Novello.
Elenco:
Lou Castel (Alessandro), Paola Pitagora (Giulia), Marino Masé (Augusto), Liliana Gerace (Mãe), Pier Luigi Troglio (Leone), Jeannie McNeil (Lucia), Irene Agnelli (Bruna), Celestina Bellocchio (Rapariga na festa), Lella Bertante, Stefania Troglio (Empregada), Gianni Schicchi (Tonino), Mauro Martini, Tino Molinari, Gianfranco Cella (Rapaz na festa), Alfredo Filippazzi (Médico), Paolo Carlini (dobragem de voz de Lou Castel).