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Bernhard Wicki, Cinema, Cinema italiano, Drama, Jeanne Moreau, Marcello Mastroianni, Michelangelo Antonioni, Monica Vitti
O escritor Giovanni Pontano (Mastroiani) e Lidia (Moreau) são um casal que vai visitar o amigo Tommaso Garani (Bernhard Wicki), que está no hospital com uma doença terminal. A cena leva Lidia a sair mais cedo, deixando Giovanni a ter de resistir aos avanços sexuais de uma jovem paciente do hospital. De novo juntos, o pouco à-vontade dos dois torna-se cada vez mais óbvio, ele numa sessão de autógrafos que ela abandona para visitar o antigo bairro onde se conheceram, e mais tarde na festa dos Gherardini, onde Giovanni persegue uma aventura com Valentina (Monica Vitti), a bela filha dos anfitriões, enquanto Lidia se sente a mais, desejando morrer por já não sentir amor pelo marido.
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Análise:
Visto como o segundo volume da trilogia de Michelangelo Antonioni, habitualmente chamada «trilogia da incomunicabilidade», “A Noite” sucedeu “A Aventura” (L’Avventura, 1960) quer cronologicamente (filmado logo assim que o filme anterior terminou), quer em termos temáticos e estéticos, com o autor a aprofundar as ideias que lhe trouxeram a admiração internacional. Escrito, mais uma vez, pelo próprio, em colaboração com Ennio Flaiano e Tonino Guerra, voltávamos a ter uma história de um desencontro, agora no testemunho da dissolução de um casal, num espaço temporal que abarca apenas 24 horas. A abrilhantar o filme, estão dois dos mais famosos actores europeus do seu tempo, o italiano, e que se tornaria actor fetiche de Fellini, Marcelo Mastroiani, e a francesa, símbolo da Nouvelle Vague, Jeanne Moreau.
Eles são Giovanni Pontano (Mastroiani) e a sua esposa Lidia (Moreau), que vemos inicialmente a visitar o amigo Tommaso Garani (Bernhard Wicki), que está no hospital com uma doença terminal. Lidia sai mais cedo, enquanto Giovanni tem de resistir aos avanços de uma jovem paciente do hospital. Reencontrados, Lidia ignora a história do marido, e, indo sem interesse a uma sessão de autógrafos do novo livro dele, Lidia acaba por sair para deambular no bairro onde viviam quando se casaram, e onde ela acaba perturbada por uma luta de homens, e distraída pelo lançamento de foguetes. De novo com Giovanni, o casal vai jantar, e depois vai à festa dos Gherardini, uma festa de alta sociedade, onde Giovanni é visto como uma atracção, e Lidia se sente deslocada. Giovanni recebe uma proposta de trabalho do anfitrião (Vincenzo Corbella), e conhece a filha dele, Valentina (Monica Vitti), com quem começa um jogo de sedução. Enquanto isto, Lidia, sentindo-se só, desespera, principalmente depois de saber que Tommaso morreu, e vai-se deixando ceder aos avanços de um outro convidado, Roberto (Giorgio Negro). Rejeitado por Valentina, Giovanni deixa a festa com Lidia, que lhe confessa não acreditar mais no seu casamento, enquanto ele, teimosamente tenta convençê-la de que ainda a ama.
Tal como em “A Aventura”, Antonioni tece uma história de desencontros, silêncios e incertezas, que toldam a vida de um casal. Aqui temos Giovanni e Lidia já casados, com uma história atrás de si, aparentemente feliz. Mas no decorrer de um simples dia e noite, vamos percebendo que é mais o silêncio que os afasta, que aquilo que os une. Seja na visita ao hospital, onde a frieza do casal contrasta com o calor do doente, que terá sido uma antiga paixão de Lidia, quer nos episódios quase oníricos de Giovanni com a doente, e de Lidia no seu antigo bairro, tudo aponta ao afastamento, e ao modo distinto de encarar a realidade. Giovanni, mais cínico, aceita o que tem, tentando tirar disso o máximo proveito, mesmo se em tal não acredita, mesmo que saiba ter perdido a inocência dos ideais românticos de outros tempos, tenta viver como se os tivesse. Lidia, mais idealista, lamenta os caminhos tomados, e questiona o lugar onde está, frustrada com a via descendente que sente que tomou conta da sua vida. As diferenças vão-se fazendo sentir, quer nas conversas (o episódio da doente deixa Lidia indiferente, tanto quanto as tentativas imaginação dela ao jantar deixam Giovanni indiferente), quer nos episódios na festa dos Gherardini. Aí, Giovanni move-se com perícia, sabe falar e com quem falar, sabe o que quer e quem quer, não hesitando em perseguir a beldade da noite, Valentina. Já Lidia sente-se a mais, perdida entre desilusões, a notícia da morte de Tommaso, e o pouco à-vontade naquele ambiente estéril e superficial.
A noite funciona aqui como descoberta, ou melhor, constatação do mal que aflige uma relação que já nada tem de puro ou inocente. Ao aperceber-se disso, Lidia, embora não consiga trair o esposo com Roberto, não sente já nada por ele, a ponto de nem poder ter ciúmes de Valentina, a qual surge como um personagem de um sonho. O que lhe resta é o vazio, o desespero, a solidão. Afinal, reflexo dessa mesma noite de carácter simbólico, quase como pesadelo, ou refúgio indesejado num mundo diferente, de onde resta ansiar pelo nascimento de um novo sol.
Mais uma vez Antonioni construía uma história onde os episódios parecem secos, pouco reveladores ou mesmo envolventes, onde o cenário, cidade, campos, arquitectura moderna, serve apenas para aumentar a ideia de solidão, frieza e afastamento. Com personagens decadentes, movendo-se num fundo de celebrações ocas (o champanhe no hospital, o jantar no clube nocturno, a festa dos Gherardini), perdidos entre paixões não consumadas e frustrações castradoras, “A Noite” é uma construção lenta, de momentos subtis, muitas vezes deixados em aberto (como acontece com o próprio final), onde, quase como se lêssemos nas entrelinhas, devemos intuir os estados de espírito que são (implicitamente) de revolta interior, desespero e solidão.
Por isso, como gostava de fazer, Antonioni vai-nos dando episódios sem relevância individual, diálogos pouco marcantes, num fogo lento que leva a uma conclusão que aos poucos se vai insinuando: a decadência e tortura interna dos seus protagonistas, perdidos para si e, no caso do casal Giovanni/Lidia (com Mastroianni e Moreau a dizerem-nos muito mais nos seus gestos e silêncios que com palavras), um para o outro, quase sem saberem porquê, e já sem forças ou engenho para o questionarem. O final é por isso amargo, onde ficamos sem a resposta do papel do amor na relação que não sabemos como evoluirá, sabendo apenas que é esse amor, ou melhor, a falta dele, que define o estado dos dois protagonistas, para o bem, ou para o mal.
A confirmar o prestígio que a nova linguagem de Antonioni começava a ganhar internacionalmente, “A Noite” foi premiado com o Urso de Ouro do Festival de Berlim de 1961, e Antonioni com o David di Donatello Award da indústria italiana, para Melhor Realizador.
Produção:
Título original: La notte; Produção: Nepi Film, Sofitedip, Silver Films; País: Itália / França; Ano: 1961; Duração: 120 minutos; Distribuição: Dino de Laurentiis Distribuzione (Itália), United Artists (França), Die Lupe (RFA), Lopert Pictures Corporation (EUA); Estreia: 24 de Janeiro de 1961 (Itália), 6 de Julho de 1964 (Cinema São Jorge, Portugal).
Equipa técnica:
Realização: Michelangelo Antonioni; Produção: Emanuele Cassuto; Argumento: Michelangelo Antonioni, Ennio Flaiano, Tonino Guerra; História: Michelangelo Antonioni, Ennio Flaiano, Tonino Guerra; Música: Giorgio Gaslini; Fotografia: Gianni Di Venanzo [preto e branco]; Montagem: Eraldo Da Roma; Design de Produção: Piero Zuffi; Caracterização: Franco Freda, Micheline Chaperon (Jeanne Moreau); Direcção de Produção: Paolo Frascà.
Elenco:
Marcello Mastroianni (Giovanni Pontano), Jeanne Moreau (Lidia), Monica Vitti (Valentina Gherardini), Bernhard Wicki (Tommaso Garani), Rosy Mazzacurati (Rosy), Maria Pia Luzi (Uma Enviada), Guido A. Marsan (Fanti), Vittorio Bertolini, Vincenzo Corbella (Sr. Gherardini), Ugo Fortunati (Cesarino), Gitt Magrini (Sra. Gherardini), Giorgio Negro (Roberto), Roberta Speroni (Beatrice).