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Cinema, Cinema Mudo, Clarence Brown, Drama, Edward Sheldon, Gavin Gordon, Greta Garbo, Lewis Stone, Romance
Como prometido anteriormente, quando fosse possível obter o filme “Romance” (1930) de Clarence Brown, completar-se-ia n’A Janela Encantada a análise à obra integral de Greta Garbo em Hollywood, no ciclo Divas de Hollywood II. É isso que se faz agora.
Na noite de ano novo, o jovem Harry (Elliott Nugent) vai falar com o seu avô, o bispo Tom Armstrong (Gavin Gordon), para lhe dizer que vai mesmo casar com um actriz, contra a vontade da família que desconfia da reputação dela. O avô conta-lhe então como, cinquenta anos antes, ele próprio, então um jovem pároco, se apaixonou pela cantora lírica italiana Rita Cavallini (Greta Garbo), mulher de passado questionável, amante do milionário Cornelius Van Tuyl (Lewis Stone), e cuja diferença de valores viria a trazer conflitos ao romance do par. Hoje, passados cinquenta anos, é essa relação, e os arrependimentos de não a ter seguido, que o bispo recorda.
Análise:
Logo após filmar “Anna Christie”, Greta Garbo estreava, no mesmo ano, “Romance”, o seu segundo filme sonoro, mais uma vez realizado por Clarence Brown. Como nova aposta da MGM para capitalizar a imagem da actriz sueca, era escolhida uma peça de Edward Sheldon, que mais uma vez lhe daria o seu papel recorrente, a da mulher vivida, capaz de arrastar atrás de si todos os homens, muitas vezes desfazendo-lhes as vidas.
Desta vez, Greta Garbo, é a cantora italiana de ópera Rita Cavallini, o que lhe dá oportunidade de usar um sotaque ainda mais carregado que o seu. Vemo-la quando o filme passa do seu momento inicial, uma conversa entre o jovem Harry (Elliott Nugent) que anuncia ao seu avô, o bispo Tom Armstrong (Gavin Gordon), que pretende casar impulsivamente abaixo da sua classe, algo que ele não espera que o avô compreenda, e este lhe conta uma história ocorrida consigo muitas décadas antes. Em flashback, assistimos à juventude do então pároco Armstrong, e ao modo como um dia, em casa do milionário Cornelius Van Tuyl (Lewis Stone), ele conheceu a protegida deste, Rita Cavallini (Greta Garbo), uma cantora lírica de reputação questionável. Começando por repreendê-la por a achar muito diferente de si, Armstrong deixa-se seduzir por essa diferença, e em breve está apaixonado por ela, passando todo o tempo possível com ela. Também a cantora se apaixona pelo seu modo inocente e maneiras gentis, bem diferentes de tudo o que ela conhece, e tem então de decidir se deve ou não terminar a relação, já que ela sabe que dadas as diferenças ela acabará em sofrimento. Num primeiro momento, e apesar dos conselhos do seu patrono, Rita escolhe continuar a relação, ainda que saiba não poder casar com ele. Quando Armstrong descobre que ela tem sido amante de Van Tuyl, dispõe-se a deixá-la, para mais tarde voltar a procurá-la, mas então Rita já decidiu que o melhor para todos é a separação, algo que o velho Tom Armstrong ainda lamenta, principalmente na noite de ano novo em que fala com o neto, e acabou de ler sobre a morte da antiga cantora. Com esse jogo de memórias bem presente, Armstrong aconselha o neto a seguir sempre o seu impulso, independentemente do que a família diga.
Notando-se que há ainda uma grande prisão de movimentos, decorrente da juventude da técnica do sonoro, e de toda a aprendizagem que isso requeria, é ideia de Clarence Brown dar ao seu público mais uma história romântica, passada em cenários riquíssimos, onde nos sintamos levados a um romance do século XIX, com uma Greta Garbo disposta a agarrar-nos a atenção a cada palavra e gesto. O propósito resulta, ainda que a química entre actores esteja longe daquela que, por exemplo, unia Garbo a John Gilbert.
Com uma história algo previsível, “Romance” destaca-se pela sua característica de conto de fadas, advinda da sua estrutura em flashback, do qual tiramos uma moral final, a de que o amor deve ser sempre seguido, mesmo que as consequências pareçam trágicas. Mais que isso, talvez, “Romance” é um conto de amor encontrado e perdido, e das lutas contra convenções numa sociedade estratificada, onde as pessoas (incluindo os interessados) não conseguem sair fora da sua zona de conforto, nem mesmo para amar. Note-se como por fim, Armstrong apenas quer salvar Rita da sua vida pecaminosa, ao que esta lhe responde «o meu coração estará sempre contigo. Mas deixa-me conservar a minha alma».
Pelo seu à-vontade, irreverência, segurança, e mesmo a desfaçatez com que a sua personagem enfrentava as dificuldades e os outros, e espaço para o seu sofrimento de heroína trágica, que mesmo vindo de uma realidade que nos desagrade, atrai o nosso afecto, Greta Garbo viu a sua reputação crescer ainda mais, e este filme, juntamente com “Anna Christie” valeu-lhe uma nomeação aos Oscars, o mesmo acontecendo com Clarence Brown, realizador dos dois filmes.
Produção:
Título original: Romance; Produção: Metro-Goldwyn-Mayer (MGM); País: EUA; Ano: 1930; Duração: 76 minutos; Distribuição: Metro-Goldwyn-Mayer (MGM); Estreia: 22 de Agosto de 1930 (EUA), 13 de Outubro de 1931 (Portugal).
Equipa técnica:
Realização: Clarence Brown; Produção: Clarence Brown; Argumento: Bess Meredyth, Edwin Justus Mayer [a partir da peça de Edward Sheldon]; Música: William Axt [não creditado]; Fotografia: William H. Daniels [preto e branco]; Montagem: Hugh Wynn, Leslie F. Wilder [não creditado]; Direcção Artística: Cedric Gibbons; Figurinos: Adrian; Caracterização: George Westmore Brown [não creditado].
Elenco:
Greta Garbo (Rita Cavallini), Lewis Stone (Cornelius Van Tuyl), Gavin Gordon (Tom Armstrong), Elliott Nugent (Harry), Florence Lake (Susan Van Tuyl), Clara Blandick (Miss Abigail Armstrong), Henry Armetta (Beppo), Mathilde Comont (Vannucci), Rina De Liguoro [como Condessa de Liguoro] (Nina).