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Anthony Quinn, Cinema, Cinema italiano, Drama, Federico Fellini, Giulietta Masina, Richard Basehart
Quando a sua anterior assistente, Rosa, morre, Zampanò (Anthony Quinn), um saltimbanco que tem como número rebentar correntes com o peito, volta à aldeia de origem para recrutar uma substituta. Esta é Gelsomina (Giulietta Masina), irmã de Rosa, e uma rapariga algo pateta, prontamente vendida pela mãe. Fascinada com a vida e número de Zampanò, Gelsomina segue-o dedicadamente apesar da forma bruta com que ele a trata, e com a qual a ensina a tocar tambor, trompete e dançar como palhaça, para o acompanhar. Trabalhando temporariamente num circo, Gelsomina é convencida por outro artista, o Louco (Richard Basehart), a fugir, o que mostra a Zampanò que talvez precise mais dela do que quer admitir.
Análise:
Novamente assinando o argumento em conjunto com os seus colaboradores Tullio Pinelli e Ennio Flaiano, Federico Fellini conseguia para o seu terceiro filme em nome próprio o apoio dos conhecidos Dino De Laurentiis e Carlo Ponti para o que pareceria ser uma produção um pouco mais ambiciosa, como o denota a presença do norte-americano Anthony Quinn. Mesmo que o resultado final (a preto e branco, filmando um mundo decadente que lembra um pouco o seu filme anterior) não o deixe transparecer, foi mesmo o caso, com uma produção difícil que requereu muito mais tempo, complexa busca de cenários naturais, e por vezes difíceis condições de filmagem. Como resultado, dificuldades financeiras, mudanças de pessoal, doenças (que incluíram um esgotamento nervoso do próprio Fellini), muitas vezes por causa dos locais de filmagem, atormentaram toda a produção.
A história é a de Gelsomina (Giulietta Masina), uma rapariga simples, e algo pateta, vendida pela mãe, para acompanhar o homem-forte Zampanò (Anthony Quinn), num trabalho que fora da sua irmã Rosa, que entretanto morreu. Gelsomina segue, fascinada com a vida de artista de rua de Zampanò, que entretanto a ensina a tocar tambor, trompete e dançar como palhaça, para acompanhar o número dele. Mas os modos brutais de Zampanò levam-na a ficar desgostosa, acedendo à ideia de outro artista, o Louco (Richard Basehart), para fugir, isto depois de O Louco e Zampanò quase chegarem a vias de facto, o que os leva a ser despedidos de um circo onde temporariamente trabalham. Zampanò volta a encontrar Gelsomina, que o segue contra-vontade. Mais tarde Zampanò reencontra o Louco e mata-o, o que abala definitivamente Gelsomina, deixando-a semi-louca. Zampanò acaba por abandoná-la enquanto esta dorme, mas não recupera da perda, e mais tarde, ao ouvir alguém entoar a melodia que Gelsomina tocava no trompete, colapsa de dor e tristeza.
Talvez a primeira impressão que nos fique de “A Estrada” seja o confirmar da tendência de Fellini para usar referências circenses, de teatro vaudeville ou do mundo dos saltimbancos, como meio de expor o seu mundo interior. O próprio chamaria a este filme um catálogo do seu mundo mitológico interior. Nesse sentido “A Estrada” era, até ao momento o filme mais pessoal de Fellini, com um tema que era o da inevitabilidade de uma ruptura entre duas pessoas que não compreendem o caminho trágico que estão a seguir.
Através de paisagens desoladas, um mundo de pobreza, e uma completa decadência de hábitos, objectivos e circunstâncias, Fellini vai desenvolvendo a história de um estranho casal, unido por razões pouco habituais, e que na estranheza um do outro vai encontrando alguma familiaridade, e por fim algum conforto ou, pelo menos, companhia. À vista saltam os contrastes. Zampanò, seguro de si, é bruto e mulherengo, não hesitando em prosseguir mais uma conquista pelas aldeias onde passa. Gelsomina, pelo contrário, é dócil e idealista, sorrindo perante a adversidade, e aceitando a sua vida como normal, tentando fazer dela o seu melhor (como por exemplo pedindo a Zampanò que case com ela). Ela é como que uma reencarnação do vagabundo de Chaplin, lembrando-nos perda de inocência e tragédia, sempre com um sorriso meio alienado. Por outras palavras, uma personagem icónica, que marcaria para sempre a obra de Fellini.
Por essa razão, “A Estrada” é, sobretudo, a força dos seus protagonistas, que podem ser vistos como duas faces da mesma moeda, isto é, duas forças opostas na alma humana. E se Anthony Quinn é convincente no abrutalhado homem de força, que rebenta correntes com seu peito, mas consegue derramar lágrimas no final, Giulietta Masina (cuja presença foi arrancada a ferros, já que De Laurentiis queria que a sua esposa Silvana Mangano fosse a protagonista) tem um papel inesquecível, como a simples, alegre, e quase sempre apatetada Gelsomina, figura que mistura inocência e irreverência, bondade e idealismo. Olhar para Gelsomina é quase como olhar para dentro da alma humana, simples, apalhaçada, ignorante, sonhadora, e por fim, tragicamente triste e desesperada. Esse desespero é talvez visível desde o início, quando sabemos que tudo trata de uma vida sem mais esperanças ou objectivos que uma deambulação errante.
Ao permitir que o seu universo interior ditasse as regras do seu novo filme, e de um modo tão subjectivo, Fellini acabava de vez com a sua ligação ao Neo-realismo, algo que muito perturbou a elite cultural da altura. Não obstante, “A Estrada” venceria o Leão de Prata em Veneza, e seria depois agraciado em Hollywood com o Oscar para Melhor Filme Estrangeiro (sendo o primeiro filme premiado desde que aquela categoria passou a ser uma competição) e nomeado ainda ao Oscar de Melhor Argumento. O filme seria ainda o vencedor dos prémios da indústria italiana, com os Nastro d’Argento para Melhor Filme, Realizador e Argumento.
Produção:
Título original: La strada; Produção: Ponti-De Laurentiis Cinematografica; < País: Itália; Ano: 1954; Duração: 103 minutos; Distribuição: Dino de Laurentiis Distribuzione (Itália), Contemporary Films (Reino Unido, Trans Lux (EUA); Estreia: 6 de Setembro de 1954 (Venice Film Festival), 23 de Setembro de 1954 (Itália), 22 de Setembro de 1955 (Portugal).
Equipa técnica:
Realização: Federico Fellini; Produção: Dino De Laurentiis, Carlo Ponti; Argumento: Federico Fellini, Tullio Pinelli, Ennio Flaiano; História: Federico Fellini, Tullio Pinelli; strong>Diálogos: Tullio Pinelli; Música: Nino Rota; Direcção Musical: Franco Ferrara; Fotografia: Otello Martelli, Carlo Carlini [não creditado] [preto e branco]; Montagem: Leo Cattozzo; Design de Produção: Mario Ravasco [não creditado]; Direcção Artística: Enrico Cervelli, Brunello Rondi [não creditado]; Figurinos: Margherita Marinari [não creditada]; Caracterização: Eligio Trani, Dante Trani [não creditado]; Direcção de Produção: Luigi Giacosi.
Elenco:
Anthony Quinn (Zampanò), Giulietta Masina (Gelsomina), Richard Basehart (O Louco), Aldo Silvani (Giraffa), Marcella Rovere (Viúva), Livia Venturini (Freira), Arnoldo Foà (dobragem de voz de Anthony Quinn) [não creditado].