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A Woman of Paris Marie St. Clair (Edna Purviance) e Jean Millet (Carl Miller) são um casal de apaixonados, cujos pais odeiam a relação. A solução é uma fuga para Paris, mas no dia em que a põem em prática, o pai de Jean morre, e este não acompanha Marie, que sem saber das razões, parte sem ele. Anos mais tarde, Marie vive numa atmosfera de luxo, como amante do milionário Pierre Revel (Adolphe Menjou), o qual tem casamento marcado com outra mulher por puro interesse económico. Um dia, por acidente Marie vai ter ao estúdio onde Pierre vive e trabalha como pintor. Ao saber do motivo do desencontro anos antes, Marie vai sentir necessidade de recuperar a sua vida e amor antigo.

Análise:

Em 1923, numa altura em que o seu contrato com a First National terminava, e podia passar a filmar para a sua própria distribuidora, United Artists (fundada em 1919 com Douglas Fairbanks, Mary Pickford e D. W. Griffith), Charles Chaplin dar-nos-ia o mais atípico filme da sua longa carreira. Tratava-se, por um lado, da sua segunda longa-metragem, já que até aí as suas obras de maior fôlego eram peça de pouco mais de uma hora “O Garoto de Charlot” (The Kid, 1921) e o relançamento de “A Burlesque on Carmen”, feito à sua revelia pela Essanay a partir de uma curta-metragem sua, se descontarmos a longa “As Bodas de Charlot” (Tillie’s Punctured Romance, 1914) realizada por Mack Sennett. Foi ainda a primeira vez em que Chaplin não protagonizou uma das suas histórias. E finalmente, e talvez condicionando mesmo a sua ausência como actor, foi a sua primeira tentativa de realizar um drama, no qual não existe quase um pingo de humor.

Segundo reza a lenda, a motivação de Chaplin era homenagear a sua actriz e amiga Edna Purviance, consigo desde 1915, e principal rosto feminino em praticamente todas as obras de Chaplin até então, as quais correspondem à fase áurea das suas curtas-metragens burlescas. Chaplin queria que o mundo percebesse que Purviance era uma actriz de pleno direito, e não apenas um rosto secundário nas peripécias do seu pequeno vagabundo. Para tal construiu um filme feito para ela, um drama no feminino, onde ele apenas surge – irreconhecível – num caricato cameo de breves segundos (como o paquete da estação que carrega um pesado caixote).

Iniciando-se logo em tom de tragédia, “Opinião Pública” começa por nos mostrar a relação conturbada entre Marie St. Clair (Edna Purviance) e Jean Millet (Carl Miller). Por razões que não nos chegam, ambas as famílias se opõem ferozmente à relação, o que leva os dois enamorados a combinar uma fuga para Paris. Só que no dia da fuga, o pai de Jean (Charles K. French) morre, e este não pode juntar-se a Marie, que, sentindo-se abandonada sem conhecer o motivo, parte sem ele. Anos mais tarde, Marie é uma mulher boémia, acompanhante do milionário Pierre Revel (Adolphe Menjou), com o qual surge nas festas da alta sociedade, numa vida de luxo e bens materiais, mas desprovida de sentimento, já que o próprio Pierre sabe que casará com outra, a bem dos seus negócios.

Um dia, Marie encontra Jean em Paris. Ele é agora um pintor, e Marie encomenda-lhe um retrato seu como pretexto para que passem tempo juntos, principalmente depois de saber o motivo pelo qual ele não foi ter com ela à estação. Só que Jean, contra a vontade de sua mãe (Lydia Knott), volta a apaixonar-se por Marie, e os dois iniciam uma relação, com Marie a distanciar-se de Pierre, que por sua vez não se preocupa, pois acredita que esta voltará atraída pelos luxos de que já não pode abdicar. Confrontado pela mãe, Jean diz que não tenciona casar com Marie, mas esta ouve, e volta para Pierre. Desolado, Jean confronta Pierre e Marie de arma em punho, e sentindo-se humilhado, suicida-se. Tal faz Marie deixar tudo, sendo encontrada pela mãe de Jean a chorar sobre o corpo dele. As duas mulheres tornam-se então amigas, e resolvem dividir a dor, abrindo uma casa para órfãos no campo, longe da cidade que tanto mal lhes fez.

Drama intenso, “Opinião Pública” é, acima de tudo uma história que opõe os sentimentos aos bens materiais, ou a simplicidade dos momentos ao luxo e aparência, ou ainda a inocência do campo à vida acelerada e destrutiva da grande cidade. É uma alegoria sobre a transformação que as tentações externas exercem sobre uma pessoa incauta, corrompendo-a a ponto de a tornar mais uma peça de um mundo fútil onde já nada é puro e tudo se torna um jogo de influências e luta por bens materiais. Essa pessoa é a nominal «mulher de Paris», Marie St. Clair, que, numa elipse sem explicações, vemos passar de jovem apaixonada, a predadora de clubes nocturnos e festas da alta sociedade. Esse mundo fútil é-nos explicado ainda melhor nas conversas entre Marie e as amigas Fifi (Betty Morrissey) e Paulette (Malvina Polo), dadas à intriga e ao jogo de conquistas e traições. Note-se o brilhante toque de Chaplin durante as conversas trocadas, em que as três mulheres falam nas costas umas das outras, com uma silenciosa massagista (Nellie Bly Baker) como testemunha, sendo através do olhar desta que Chaplin comenta o clima de intriga e traição.

Alheio a isto, Jean continua a representar a pureza de outros tempos, e recorda-a a Marie, que decide voltar a ser quem antes foi. Brilhante também é a forma como Chaplin descreve esta necessidade de recuperar a inocência perdida, na pintura de Jean, que ao ter perante si uma Marie que posa com os seus novos e luxuosos vestidos da moda, a pinta tal como era anos antes, sem maquilhagem e com roupas humildes. É o lirismo de Chaplin, que, por entre as imagens mais dolorosas, consegue sempre um momento de poesia.

Essa poesia guia o final do filme, onde a morte trágica de Jean é um acordar para Marie, que compreende finalmente que a sua vida não pode ser aquela que Paris lhe reserva, e ao chorar a morte do seu amado, conquista finalmente o respeito da mãe dele. Sempre a brincar connosco, mesmo na mais trágica das suas histórias, Chaplin, noutra elipse, mostra-nos Marie com as crianças que supomos sejam órfãos de quem ela cuida, e que a chamam de mãe. Quando uma delas diz «Father is here» desconcerta-nos, para logo termos a surpresa de que é o Padre quem chega, o qual confirma que Marie não tem ninguém, ao perguntar-lhe se ela não quer filhos seus. E sempre nesse seu jeito poético de nos desconcertar, Chaplin põe de seguida Marie e Pierre na mesma estrada, no que parece ser um encontro inevitável. Mas ela apanha boleia de uma carroça de costas para o caminho, e os dois passam um pelo outro sem se verem. Pierre a alta velocidade num moderno carro, Marie lentamente, numa velha carroça. Ambos em sentidos opostos. Mais belas e claras não podiam estas metáforas ser.

O filme é hoje elogiado pela construção narrativa exemplar (onde as elipses são mesmo uma forma como Chaplin demonstra a mestria do que é contar uma história), as interpretações naturalistas, o desenvolvimento das ambiguidades psicológicas, pouco comum na época, e a subtil sátira à sociedade norte-americana dos anos 20 (ainda que a história se passe em Paris), algo com que o país não lidaria muito bem.

Não obstante ser hoje considerado um clássico (o realizador Michael Powell considerava-o um dos seus preferidos), “Opinião Pública” foi um fracasso no momento do seu lançamento. A ausência de Chaplin no filme, o estilo trágico, e algumas polémicas envolvendo Edna Purviance (um escândalo entre Mabel Normand e o milionário Coutland Dines, que acabou em tiros, apanhou Purviance apenas porque estava na mesma festa, e fez correr muita tinta) tornaram-na uma figura pouco interessante para o público, e o filme acabou por ter uma muito fraca distribuição, chegando mesmo a ser banido nalguns Estados, por imoralidade.

Chaplin comporia uma banda sonora para “Opinião Pública” em 1976, que seria usada pela primeira vez no relançamento do filme em 1977 pouco depois da sua morte. Essa composição de Chaplin foi o seu ultimo trabalho para cinema.

Edna Purviance, Carl Miller e Adolphe Menjou em "Opinião Pública" (A Woman of Paris, 1922) de Charles Chaplin

Produção:

Título original: A Woman of Paris: A Drama of Fate; Produção: Charles Chaplin Productions; País: EUA; Ano: 1923; Duração: 78 minutos; Distribuição: United Artists (EUA), Allied Artists (Reino Unido); Estreia: 26 de Setembro de 1923 (EUA), 25 de Janeiro de 1926 (Portugal).

Equipa técnica:

Realização: Charles Chaplin; Produção: Charles Chaplin [não creditado]; Argumento: Charles Chaplin; Música: Louis F. Gottschalk [não creditado], Fritz Stahlberg [não creditado], Charles Chaplin (versão de 1977); Orquestração e Direcção Musical: Eric Rogers (versão de 1977); Fotografia: Roland Totheroh [não creditado], Jack Wilson [não creditado] [preto e branco]; Montagem: Monta Bell [não creditado], Charles Chaplin [não creditado]; Direcção Artística: Arthur Stibolt [não creditado].

Elenco:

Edna Purviance (Marie St. Clair), Clarence Geldart (Padrasto de Marie), Carl Miller (Jean Millet), Lydia Knott (Mãe de Jean), Charles K. French (Pai de Jean), Adolphe Menjou (Pierre Revel), Betty Morrissey (Fifi), Malvina Polo (Paulette), Nellie Bly Baker (Massagista) [não creditado], Henry Bergman (Chefe de Mesa) [não creditado], Charles Chaplin (Paquete da Estação) [não creditado].

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