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Chelo Alonso, Cinema, Donald O'Brien, John Ireland, José Torres, Linda Veras, Sergio Sollima, Tomas Milian, Western, Western Spaghetti
Cuchillo (Tomas Milian) é um pequeno larápio sempre metido em sarilhos, que ao voltar à cidade natal é imediatamente acossado pela noiva (Chelo Alonso), e de seguida preso por um crime que não cometeu. Na prisão vai conhecer o poeta revolucionário Ramirez (José Torres), que lhe pede ajuda, pois sabe que será morto. Cuchillo consegue a fuga dos dois, mas logo de seguida são emboscados pelas tropas governamentais. Ramirez é morto, e ao morrer sussurra a Cuchillo o paradeiro de três milhões de dólares em ouro para a revolução. Só que atrás de Cuchillo seguem também os lacaios do regime, e o mercenário Nathaniel Cassidy (Donald O’Brien), todos com objectivos diferentes para o ouro.
Análise:
Dois anos depois do seu western de estreia “O Grande Pistoleiro” (La resa dei conti/The Big Gundown, 1966), Sergio Sollima estreava a sua sequela, “Corre Homem Corre”, que nalguns mercados surgiu com o título “The Big Gundown 2”. O filme baseia-se nas desventuras de Cuchillo, o personagem trágico-cómico já interpretado por Tomas Milian no filme anterior, e ganha o título no tema musical do filme anterior, com a frase a ser dita várias vezes durante o filme, como mote à vida de fugitivo do protagonista.
Se tudo em “Corre Homem Corre” parece ser diferente, com a esposa anterior Rosita Sanchez (María Granada) a ser agora substituída pela belíssima Dolores (Chelo Alonso), nenhum dos personagens de “O Grande Pistoleiro” a voltar, e o tom da história a passar de uma mera desventura de uma perseguição por um crime não cometido, para o centro da revolução mexicana, algo se mantém inalterável: o personagem Cuchillo, sempre desgraçadamente metido em trabalhos, e sempre a escapar-se-lhes no último momento com originalidade e humor.
Tudo começa com Cuchillo a ser preso por ser um vagabundo (e sempre a escapar-se dos compromissos com Dolores), num momento em que ganhara dinheiro numa aposta que envolvia o ex-xerife Nathaniel Cassidy (Donald O’Brien). No cárcere, Cuchillo conhece o poeta revolucionário Ramirez (José Torres), que sabe ir ser assassinado. Para o ajudar, Cuchillo consegue uma fuga para os dois, mas estes são apanhados mais tarde pelos homens do presidente Diaz. A chegada de dois revolucionários e de Cassidy conseguem salvar Cuchillo, mas não Ramirez, que sussurra a Cuchillo, antes de morrer, o paradeiro do ouro roubado para a revolução. Cuchillo escapa-se a Cassidy, que também procura o ouro, e viaja com a missionária cristã Penny Bannington (Linda Veras) até à cidade americana onde o ouro estará. À chegada, Cuchillo, entretanto mandatado pelo General Santillana (John Ireland) é preso, reencontrando Cassidy. Juntos descobrem o paradeiro do ouro, entre os tipógrafos de Ramirez, quando a cidade é assaltada pelos mexicanos comandados pelos franceses Michel Sévigny (Marco Guglielmi) e Jean-Paul (Luciano Rossi). Cuchillo e Cassidy salvam a população, atraindo os franceses atrás de si, com o ouro já a salvo.
A primeira coisa a realçar-se neste “Corre Homem Corre” é o tom cómico que atravessa todo o filme. Mais leve que os seus antecessores, o terceiro western de Sollima baseia-se no comportamento desconcertante de Cuchillo, o vagabundo que prefere usar facas, se mete constantemente em sarilhos, escapando das formas mais inusitadas, e que teme tanto as autoridades quanto teme que Dolores o aprisione em casa. Sem ser propriamente uma comédia, como aquelas que mais tarde marcariam a fase final do spaghetti, nomeadamente em torno do filão iniciado com “Trinitá – Cowboy Insolente” (Lo chiamavano Trinità…, 1970), de Enzo Barboni, e que despoletou para a ribalta Terence Hill (de verdadeiro nome Mario Girotti) e Bud Spencer (de verdadeiro nome Carlo Pedersoli), o filme de Sollima aponta já nesse caminho, mercê de uma interpretação inspirada de Tomas Milian, e de um argumento muitíssimo elaborado, cheio de peripécias e volte-faces, que proporcionam boa disposição.
Mas não era intenção de Sollima parodiar o género, e “Corre Homem Corre” consegue manter a seriedade dos temas, e das convenções do género. Mais uma vez estamos na fronteira entre México e Estados Unidos, com os ecos da revolução mexicana de Juarez como pano de fundo. A intervenção estrangeira é bem realçada na presença do americano Cassidy (outrora revolucionário, agora um cínico que só acredita no seu bem pessoal), e dos mercenários franceses, ao lado do presidente Diaz (que governou com mão de ferro de 1876 a 1911, e eles próprios eco da influência francesa, do tempo do imperador Maximiliano. Por entre os revolucionários de Santillana, inspirados pelo poeta Ramirez, fugindo das forças de Diaz, dos sádicos franceses, sem saber o que pensar do individualista Cassidy, e a braços com a cristã Penny, e a sua eterna noiva Dolores, Cuchillo só pode mesmo correr. E enquanto corre, vai decidindo os seus golpes e formas de fuga, acabando herói da revolução.
Como já mostrara nos seus dois filmes anteriores, a Sollima interessam as forças externas que podem condicionar e mesmo mudar completamente os objectivos e comportamentos de um homem. Por isso, se em “O Grande Pistoleiro” Cuchillo começava como um patético bandido, e acabava como o exemplo do sentido sofrimento de um povo, que iria mudar por completo os objectivos do pistoleiro interpretado por Lee Van Cleef, agora tudo chegava mais longe, com Cuchillo a imiscuir-se, um pouco contra-vontade, na revolução, para dar por si em comportamentos altruístas, salvando outros, e procurando o ouro sem ser para si. Criminoso, irresponsável, engenhoso e atrapalhado em iguais partes, Cuchillo não deixa de ter um coração que se condói facilmente, conseguindo sempre a simpatia do público.
O léxico visual de Sollima mantinha-se inalterado, com sequências de acção filmadas em bom ritmo, planos gerais que privilegiam o movimento, e uma cenografia que incluía a tradicional planície espanhola (Almería), mas sempre tentando inovações, como uma passagem pela neve. Sem uma mensagem tão forte a nível psicológico como nos dois filmes anteriores, em “Corre Homem Corre” é o lado de aventura que prevalece, num resultado mais leve, mas nem por isso menos interessante. Não será de espantar que seria na aventura que Sollima continuaria a sua carreira, com o exemplo da saga do célebre Sandokan.
Mais uma vez a banda sonora, incluindo desde fanfarras heróicas a sons que imitam a natureza, estava a cargo do mestre Ennio Morricone, mas aqui creditada ao seu habitual colaborador, o maestro Bruno Nicolai. Durante muito tempo isso gerou confusão sobre a autoria das composições, até o próprio Sollima esclarecer que o nome de Morricone era omisso por questões puramente contratuais.
Produção:
Título original: Corri uomo corri [Título inglês: Run, Man, Run]; Produção: Mancori-Chretien; Produtor Executivo: Aldo Pomilia; País: Itália / França; Ano: 1968; Duração: 115 minutos; Distribuição: Ital-Noleggio Cinematografico (Itália), Compagnie Française de Distribution Cinématographique (CFDC) (França); Estreia: 29 de Agosto de 1968 (Itália), 6 de Novembro de 1969 (Portugal).
Equipa técnica:
Realização: Sergio Sollima; Produção: Anna Maria Chretien, Alvaro Mancori; Argumento: Sergio Sollima, Pompeo De Angelis; História: Sergio Sollima; Música: Bruno Nicolai, Ennio Morricone [não creditado]; Fotografia: Guglielmo Mancori [filmado em Cromoscope, cor por Eastmancolor]; Montagem: Tatiana Casini Morigi; Direcção Artística: Francesco Cuppini; Guarda-roupa: Maria Baroni; Caracterização: Raul Ranieri; Direcção de Produção: Nino Milano.
Elenco:
Tomas Milian (Manuel ‘Cuchillo’ Sanchez), Donald O’Brien (Nathaniel Cassidy), Linda Veras (Penny Bannington), John Ireland (Santillana), Chelo Alonso (Dolores), Marco Guglielmi (Coronel Michel Sévigny), José Torres (Ramirez), Luciano Rossi [como Edward G. Ross] (Jean-Paul), Nello Pazzafini (Riza), Gianni Rizzo (Mayor Christopher Bannington), Dante Maggio [como Dan May] (Mateos Gonzalez), Umberto Di Grazia (José), Noé Murayama (Pablo), Attilio Dottesio (Manuel Etchevaria), Orso Maria Guerrini (Raul), Federico Boido (Steve Wilkins), Calisto Calisti (Fernando Lopez).
Parece-me que este é o western de Sollima que gosto mais. Tomas Milian como “Cuchillo” foi uma imagem de marca que o ator transportou durante muitos anos. Donald O’Brien tem uma interpretação banal (como era habitual).
Linda Veras e Chelo Alonso são as suas belezas de serviço.
Bons momentos de ação (mais uma vez um duelo entre pistolas e facas), boa música, cenários bonitos e como foi dito, e bem, algum humor (destaco o momento quando Linda Veras se põe a apregoar as suas balelas puritanas aos pobres camponeses e Cuchillo a bater no bombo).
É verdade, é um filme muito rico em detalhes, com um humor muito fino. São tantos os momentos (praticamente todos aqueles em que Tomas Milian está em cena) que é complicado destacar um. Para mim, ao fazer este ciclo, a grande descoberta foi mesmo Tomas Milian, actor que não conhecia e dá uma enorme personalidade aos filmes em que o vi.
Então aconselho outro western com Tomas Milian mas num registo muito diferente deste: o filme é “Se sei vivo spara”, de Giulio Questi (1967).
Trata-se de um western extremamente violento apenas para estômagos fortes e mentes preparadas. É um dos meus western preferidos e é hoje em dia um filme de grande culto.