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Cinema, Drama, Ed Begley, Geraldine Page, Madeleine Sherwood, Mildred Dunnock, Paul Newman, Richard Brooks, Rip Torn, Shirley Knight, Tennessee Williams
Chance Wayne (Paul Newman) regressa à cidade natal, com a actriz de Hollywood, outrora famosa, agora caída em desgraça e dependente de drogas, Alexandra Del Lago (Geraldine Page), a qual se tenta esconder do fracasso do seu último filme. Chance funciona como seu gigolo, enquanto procura que esta o ajude numa carreira de actor. Ao mesmo tempo, Chance procura, com essa ligação, impressionar os Finley, recuperando a antiga namorada, Heavenly Finley (Shirley Knight), cujo pai, o todo-poderoso político corrupto ‘Boss’ Finley (Ed Begley), provocou no passado a sua saída da cidade.
Análise:
Em 1959, mais uma peça de Tennessee Williams estreava na Broadway com grande sucesso. Tratava-se de “Sweet Bird of Youth”, com encenação do conhecido realizador de cinema Elia Kazan, um dos fundadores do Actors Studio, e impulsionador da vaga de adaptações do teatro contemporâneo em Hollywood, nos anos 50 e 60. Três anos depois surgia a adaptação desta peça ao cinema, a cargo de outro perito neste campo, Richard Brooks, que escreveria também o argumento, e contaria nos principais papéis com Paul Newman, Geraldine Page (nomeada para um Tony para a mesma peça), Rip Torn e Madeleine Sherwood a repetir os papéis da Broadway, a que se juntavam Ed Begley e Shirley Knight.
Sob a mão de Brooks, e a chancela da MGM, “Corações na Penumbra” tornava-se um filme bem mais versátil tematicamente que o habitual em Williams, com o sul dos Estados Unidos e as suas idiossincrasias sempre como pano de fundo, e temas que iam dos altos e baixos da fama de Hollywood, à corrupção política, do aborto e disrupção familiar aos papéis de submissão sexual (gigolos e acompanhantes), passando pelo abuso de drogas. Enfim, os tradicionais casos polémicos com que Tennessee Williams construía as suas tramas, sempre bem vindas na irreverência dos palcos, mas vista com desconfiança pela censura de Holywood.
Tal é a história de Chance Wayne (Paul Newman), que regressa à sua terra natal, acompanhando a actriz de Hollywood, Alexandra Del Lago (Geraldine Page). Esta viaja incógnita como Princesa Kosmonopolis, fugindo do aparente fracasso do seu último filme, entregando-se a álcool, drogas e sexo. Já Chance é apenas um nadador salvador em Los Angeles, e agora gigolo da actriz, procurando, na fraqueza dela, uma oportunidade para que esta o ajude numa carreira. Mas o seu regresso a casa é também um ajuste de contas com o passado, procurando resgatar a antiga namorada, Heavenly Finley (Shirley Knight), cujo pai, o todo-poderoso ‘Boss’ Finley (Ed Begley), magnata do petróleo, antigo governador, e dono de quase tudo e todos na região, em tempos provocou a sua saída da cidade, depois de Chance ter engravidado Heavenly. Por tudo isso, a estadia de Chance é conturbada. Por um lado tem de lidar com Alexandra, em depressão, dependente de drogas e dele próprio, por outro tenta contactar em vão Heavenly, e esquivar-se às ameaças de Finley e do seu colérico filho Thomas Jr. (Rip Torn).
Filmando a cores, em CinemaScope, Brooks dá, desde logo, um enquadramento pouco usual a uma história de Tennessee Williams, que depois parece procurar construir como se nos quisesse fazer esquecer a origem de palco da obra. De facto, Brooks recorre a muitas ferramentas de cinema para quebrar a unidade teatral do argumento, por exemplo com imensos flashbacks, uma enorme multitude de locais (interiores e exteriores), uso de espaços abertos e muitos figurantes, e uma montagem veloz com planos curtos e cortes rápidos entre planos e cenas.
Tal opção tem a nítida consequência de amenizar (dir-se-ia mesmo envolver num glamour hollywoodiano) algum do conteúdo polémico da peça, o qual não era pouco. De certo modo, “Sweet Bird o Youth” é das peças mais arriscadas de Williams, com temas difíceis, e uma abordagem muito directa. Fala-se de álcool, haxixe, de aborto, de políticos que usam a retórica primária do anti-comunismo como disfarce para o caciquismo corrupto que praticam, do envelhecimento de uma actriz, de obsessões sexuais, da queda de um homem na actividade de gigolo, que o levará mais tarde à chantagem, aflora-se a natureza superficial de Hollywood bem como o do tecido social do sul, e vê-se alguma nudez. Tal permite momentos intensos, como aqueles em que a personagem de Geraldine Page faz as suas viagens interiores (quer na dor da depressão, na alienação das drogas, na busca de sexo (com referências demasiado explícitas para a época), ou na afirmação de força perante o seu protegido/gigolo/chantagista), o que lhe dá os momentos mais intensos do filme.
Temos depois um Paul Newman que interpreta um herói trágico clássico, um homem que almeja desafiar o seu destino, perdido entre tentações, sonhos e ambições vãs (ser alguém, recuperar a amada, ganhar o respeito da cidade que teve de deixar, mesmo que para isso tenha que se humilhar e recorrer a chantagem), e do outro lado a família Finley, encabeçada pelo corrupto personagem de Ed Begley, que vemos, inclusivamente a espancar a amante que mantém a troco de dinheiro.
Como se não bastasse, numa história que evolui para o progressivo isolamento de Chance, quando a sua protectora descobre que afinal continua a ser amada no cinema, este acaba aos pés dos Finley, que sob o comando do sádico filho de Boss Finley, lhe inflige aquilo que Williams escreve como «acabar com o ganha-pão do conquistador». Se qualquer bom entendedor perceberá que se trata da sua virilidade, o filme mostra Tom Jr. a bater em Chance de modo a desfigurá-lo, o que resulta no apiedar de Heavenly que assim parte com ele, no que acaba por ser um final feliz. Era uma óbvia cedência à MGM, que tinha que aplacar a censura que nunca permitiria o final como Williams o escreveu, com a cruel (mas óbvia) castração de Chance.
Mesmo com todas as vicissitures criadas pelas lutas com a censura, e apesar (ou talvez por causa) do adocicar romântico da história, “Corações na Penumbra” foi um sucesso de bilheteira, e garantiu três nomeações aos Oscars, Melhor Actriz Principal (Page), Melhor Actor Secundário (Begley) e Melhor Actriz Secundária (Knight). Destes apenas Ed Begley levaria a respectiva estatueta para casa.
O sucesso da peça levou à adaptação em 1989 para televisão, realizada por Nicolas Roeg, com Elizabeth Taylor como Alexandra Del Lago) e Mark Harmon como Chance Wayne). Curiosamente Rip Torn voltaria a actuar no filme, desta vez interpretando Boss Finley, o pai do seu personagem de 1962.
Produção:
Título original: Sweet Bird of Youth; Produção: Roxbury Productions Inc.; Produtores Executivos: ; País: EUA; Ano: 1962; Duração: 115 minutos; Distribuição: Metro-Goldwyn-Mayer (MGM); Estreia: 21 de Março de 1962 (EUA), 29 de Maio de 1962 (Portugal).
Equipa técnica:
Realização: Richard Brooks; Produção: Pandro S. Berman; Produtora Associada: Kathryn Hereford; Argumento: Richard Brooks [a partir da peça homónima de Tennessee Williams]; Música: Robert Armbruster [não creditado], Jeff Alexander [não creditado], Bronislau Kaper [não creditado], André Previn [não creditado], Albert Woodbury [não creditado]; Direcção Musical: Robert Armbruster; Supervisão Musical: Harold Gelman; Fotografia: Milton R. Krasner [filmado em CinemaScope, cor por Metrocolor]; Montagem: Henry Berman; Direcção Artística: George W. Davis, Urie McCleary; Cenários: Henry Grace, Hugh Hunt; Figurinos: Orry-Kelly; Caracterização: William Tuttle; Efeitos Visuais: Lee LeBlanc.
Elenco:
Paul Newman (Chance Wayne), Geraldine Page (Alexandra Del Lago, Princesa Kosmonopolis), Shirley Knight (Heavenly Finley), Ed Begley (Tom ‘Boss’ Finley), Rip Torn (Thomas J. Finley, Jr.), Mildred Dunnock (Tia Nonnie), Madeleine Sherwood (Miss Lucy), Philip Abbott (Dr. George Scudder), Corey Allen (Scotty), Barry Cahill (Bud), Dub Taylor (Dan Hatcher), James Douglas (Leroy), Barry Atwater (Ben Jackson), Charles Arnt (Mayor Henricks), Dorothy Konrad (Mrs. Maribelle Norris), James Chandler (Professor Brutus Haven Smith), Mike Steen (Adjunto do Xerife), Kelly Thordsen (Xerife Clark).