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Albert Dekker, Cinema, Drama, Elizabeth Taylor, Joseph L. Mankiewicz, Katharine Hepburn, Mercedes McCambridge, Montgomery Clift, Problemas mentais, Tennessee Williams
Violet Venable (Katharine Hepburn) é uma viúva rica, que tenta convencer o jovem neurocirurgião, Dr. Cukrowicz (Montgomery Clift), de que o melhor para a sua sobrinha Catherine (Elizabeth Taylor), a braços com distúrbios mentais, é uma lobotomia. Não convencido, o Dr. Cukrowicz analisa Catharine, que parece nitidamente perturbada pelas memórias do Verão anterior, e pelos acontecimentos que levaram à morte do primo Sebastian, filho de Violet, e que esta idolatra como um Deus. Horrorizada com o que Catherine possa ter a dizer, que denigra a memória de Sebastian, Violet vai manipulando e comprando todos para que a lobotomia seja efectuada.
Análise:
No final dos anos 50, Tennessee Williams era já um nome de vulto no que dizia respeito a peças de teatro adaptadas por Hollywood, para mais depois do grande sucesso de “Gata em Telhado de Zinco Quente” (Cat on a Hot Tin Roof 1958) de Richard Brooks, interpretado por Elizabeth Taylor e Paul Newman. Era sem surpresa que surgiam mais adaptações de Williams, e foi o que sucedeu logo no ano seguinte, com a peça “Bruscamente no Verão Passado”, estreada em Janeiro de 1958 no teatro, levada ao cinema também com Elizabeth Taylor, contracenando com um dos nomes mais irreverentes do Actors Studio, Montgomery Clift, e a diva Katharine Hepburn. Era desta vez uma realização de Joseph L. Mankiewicz, ele próprio um homem com alguma experiência no teatro, e conhecido por ter sido um dos mais prolíficos argumentistas do seu tempo a acumular as funções com as de realizador. Com argumento do também dramaturgo Gore Vidal, a Columbia levava aos ecrãs mais um tema difícil, num filme negro, de mistério e drama familiares, no que se convencionou chamar «Southern Gothic», de que Williams é um dos melhores exemplos.
Passada em 1937, a história fala de Catherine Holly (Elizabeth Taylor) uma jovem que, aparentemente, enlouqueceu, e chegou a um tal estado de violência que leva a sua tia, a matriarca Violet Venable (Katharine Hepburn), a procurar auxílio de uma clínica de neurologia, onde pede que lhe seja feita uma lobotomia para que a sobrinha acalme. Chamado a julgar o caso é o Dr. Cukrowicz (Montgomery Clift), que é impelido pelo seu chefe a aceitar, pois um sim da clínica significará um importante donativo da senhora Venable. Só que, quanto mais Cukrowicz conversa, quer com a tia Venable, quer com a sobrinha Catherine, mais percebe que os traumas desta são de natureza emocional por algo que parecem segredos de família relacionados com o falecido Sebastian, filho de Violet e primo de Catherine. Em todas as conversas Violet vai mostrando uma idolatria doentia em relação ao filho, que descreve como uma espécie de Deus, sem defeitos, a quem tudo se perdoa, e de quem todos os comportamentos são justificados. O assunto deixa sempre Catherine com os nervos em franja, o que faz o médico tentar perceber que momento terá levado ao desequilíbrio de Catherine, e porque quer a sua tia tanto calá-la. Tudo se resolverá num confronto final, com um exercício quase freudiano de reminiscência de Catherine perante toda a família.
Filmado a preto e branco, em cenários que iam do luxuoso jardim da mansão de Violet Venable aos espaços quase estilizados da clínica de Cukrowicz, “Bruscamente no Verão Passado” é um filme que vive, sobretudo, dos diálogos tão sinuosos quanto inspirados de Tennessee Williams, como das interpretações de Taylor e Hepburn, a primeira trazendo uma Catherine nervosa, insegura e orgulhosamente violenta, ao mesmo tempo que frágil e cândida, a segunda com uma Violet sempre em pose aristocrática (notem-se os planos em desce de elevador, sentada como num trono divino, para vir à terra conviver com os mortais), discurso longo e hipnótico, mas numa linha ténue entre fascínio e ilusão. Entre elas, quase como correio de ideias e perguntas, move-se o personagem de Clift (aqui já em graves problemas de saúde que o puseram em maus lençóis com Mankiewicz, valendo-lhe a protecção da sua amiga Elizabeth Taylor), sereno e atento, quase como um detective, com compaixão pela sua paciente.
Numa atmosfera que é sempre negra, com a sombra de um qualquer mistério passado, onde o ausente Sebastian é o fantasma sempre presente, Mankiewicz mantém a tensão sempre no limite, seja nas intervenções polidamente venenosas de Violet, nos rasgos de desespero de Catherine, ou nas indagações do médico, que depara com uma família disposta a vender Catherine a troco de independência financeira. Por entre os momentos mais teatrais, Mankiewicz não resiste em sair um pouco da lógica de palco, com momentos perfeitamente góticos, como o assédio dos internados e o quase salto de suicídio de Catherine. O negrume é apenas quebrado no perversamente luminoso flashback final, onde na luz de uma praia da costa europeia vamos descobrir o bem negro segredo da morte de Sebastian.
É claro então que lidamos com temas como a homossexualidade (tema caro a Williams, e aqui bem mais explícito que em anteriores adaptações de peças do autor ao cinema), e um carácter perverso na exploração da figura feminina como isco para relações que se valiam de uma superioridade económica para com os homens que Sebastian procurava, o que fazia dele um pouco um sociopata (como exemplificado na história das tartarugas e em como Sebastian dizia ter visto a face de Deus). Tudo isso é justificado pela sua mãe, que se percebe, na adoração cega que continua a sentir (no seu quê de incestuoso, perceptível no modo como se ressente que o filho a tenha trocado pela prima na última viagem), embarca a caminho de uma loucura que a faz tentar enterrar a verdade a qualquer preço.
Com um tema difícil, e interpretações quase violentas pela sua intensidade e grau de loucura que conferem às personagens, “Bruscamente no Verão Passado” não foi facilmente aceite, com muitas vozes (mesmo de dentro de Hollywood) a condená-lo pela imoralidade dos temas. Apesar disso, ou talvez pela publicidade trazida pela polémica, foi um sucesso de bilheteira instantâneo, tendo-se tornado famoso por tanto Katharine Hepburn como Elizabeth Taylor receberem nomeações para o Oscar de Melhor actriz (que perderiam para Simone Signoret, por “Room at the Top”). Taylor venceria o prémio (também contra Hepburn) nos Globos de Ouro.
Produção:
Título original: Suddenly, Last Summer; Produção: Columbia Pictures Corporation / Horizon Pictures / Academy Pictures Corporation / Camp Films; País: Reino Unido/EUA; Ano: 1959; Duração: 109 minutos; Distribuição: Columbia Pictures; Estreia: 22 de Dezembro de 1959 (EUA).
Equipa técnica:
Realização: Joseph L. Mankiewicz; Produção: Sam Spiegel; Argumento: Gore Vidal, Tennessee Williams [a partir da peça homónima de Tennessee Williams]; Música: Buxton Orr, Malcolm Arnold; Direcção Musical: Buxton Orr; Orquestração: ; Fotografia: Jack Hildyard [preto e branco]; Montagem: William Hornbeck, Thomas Stanford; Design de Produção: Oliver Messel; Direcção Artística: William Kellner; Cenários: Scott Slimon, Francisco Prósper [não creditado]; Figurinos: Oliver Messel [não creditado]; Caracterização: David Aylott; Efeitos Especiais: ; Efeitos Visuais: Tom Howard; Direcção de Produção: Bill Kirby.
Elenco:
Elizabeth Taylor (Catherine Holly), Montgomery Clift (Dr. Cukrowicz), Katharine Hepburn (Mrs. Violet Venable), Albert Dekker (Dr. Lawrence J. Hockstader), Mercedes McCambridge (Mrs. Grace Holly), Gary Raymond (George Holly), Mavis Villiers (Miss Foxhill), Joan Young (Irmã Felicity), Patricia Marmont (Enfermeira Benson), Maria Britneva (Lucy), David Cameron (Jovem Estagiário Louro).