
Introdução:
O movimento cineclubista surgiu ainda nos anos 20 do século passado, em França, país que seria também pioneiro na preservação e divulgação da história do cinema, quando Henri Langlois e Georges Franju fundaram a Cinemateca Francesa, em 1936. Por cá, iniciou-se em 1946 em Lisboa e no Porto, quando ocorreram as primeiras sessões em salas diferentes das do circuito comercial. Na sede da revista Cinema de Amadores, em Lisboa, exibia-se Metropolis de Fritz Lang, e no salão de festas do grupo recreativo Os Modestos, no Porto era exibido Fausto, de F.W. Murnau, ambas acompanhadas de palestras de críticos de cinema.
Constituindo-se como associações sem fins lucrativos, vivendo das quotizações dos sócios, e vocacionados à exibição e discussão de obras cinematográficas fora do circuito comercial, os cineclubes procuravam um cinema dito «artístico» que raramente chegava a Portugal (pelo menos em exibições duradouras e que passassem por todo o país), bem como redescobrir clássicos antigos, e promover a realização de palestras por especialistas e a publicação de obras que levassem a considerar o cinema como fenómeno cultural.
Passando por fases efémeras, e muitas falsas partidas, nos anos 40, dos quais resistiram o Clube Português de Cinematografia (CPC), do Porto, o Círculo de Cultura Cinematográfica, de Coimbra, e o Círculo de Cinema, de Lisboa, o movimento começou a crescer e a organizar-se, e em 1955, data do I Encontro de Cineclubes, eles eram já quinze.
O ideal romântico dos fundadores, que os fazia acreditar na capacidade do cinema em transformar a consciência colectiva, aliado ao facto de o Estado Novo, com a sua censura oficial, colocar amarras também na cultura, levou a que muitos dos descontentes com o regime (por exemplo militantes do Partido Comunista Português) encontrassem nos cineclubes pólos de reunião e pensamento, o que terá feito crescer a suspeita do Estado Novo para com estas associações, e originado repetidas repressões por parte da PIDE. A crispação foi sempre uma realidade, levando a extinção de alguns cineclubes e prisão dos seus dirigentes.
Mas, vicissitudes políticas à parte, o esforço dos cineclubes para legitimar o cinema como arte em Portugal, contribuiu decididamente para o apoio Fundação Calouste Gulbenkian à produção nacional, e depois para a fundação do Instituto Português de Cinema, com toda a geração do chamado Cinema Novo Português dos anos 60 e 70 a ter tido passagem pelo movimento cineclubista.
No pós-25 de Abril, os cineclubes começaram por ser terreno de guerrilhas partidárias. Em 1978 foi fundada a Federação Portuguesa de Cineclubes (FPCC), e o número de clubes associados iria, nos anos seguintes, ultrapassar as três dezenas. Seguiu-se um período de esvaziamento (de associados e aparente propósito), com o advento dos clubes de vídeo nos anos 80 a trazer uma nova forma do público se relacionar com o cinema. Já no novo século, o desafio das novas tecnologias levou ao aparecimento de novos suportes e plataformas de venda e partilha de filmes, aproximando mais o espectador de uma oferta mais diversificada.
Ainda assim, desmentindo os que os julgam um fenómeno do passado, os cineclubes continuam a resistir, com a especialização em ciclos temáticos, colóquios, e por vezes a organização de festivais, mantendo actividade regular, ainda que contando com dificuldades como sejam a do reduzido número de sócios e do acesso às cópias (limitado pelas distribuidoras, e demasiado caras).
Em homenagem a esse espírito combativo de amor ao cinema, e crença num objectivo de divulgação e oferta cultural, A Janela Encanta inicia uma série de artigos onde se falará de alguns daqueles que estão presentemente em actividade.
Nota: Se pertence a um cineclube português que ainda não tenha sido abordado pel’A Janela, não hesite em escrever-nos para: ajanelaencantada@gmail.com
Bibliografia aconselhada:
- GRANJA, Paulo – As origens do movimento dos cineclubes em Portugal: 1924 – 55. Coimbra: Fac. de Letras da Univ. de Coimbra, 2006. Tese de Mestrado.
- PEREIRA, Ana Catarina – Cineclubes: uma forma alternativa de ver cinema em Portugal. Imagofagia. Buenos Aires: Asociación Argentina de Estudios de Cine y Audiovisual (AsAECA), Nr. 2 (Outubro de 2010).