Etiquetas
Cinema, Drama, Drama de Tribunal, Ed Begley, Henry Fonda, Jack Klugman, Jack Warden, Lee J. Cobb, Martin Balsam, Reginald Rose, Sidney Lumet
Finda a audiência de um julgamento de homicídio, os doze jurados recolhem para o isolamento de uma sala, da qual apenas sairão depois de atingido consenso. O caso parece simples, e todos acreditam que cinco minutos bastam para votar o veredicto de culpado, um jovem de etnia hispânica de um bairro pobre. Mas quando a votação é feita, um dos jurados (Henry Fonda) vota em sentido contrário, apenas para que se possa debater o caso com maior cuidado. Embora inicialmente todos o vejam como um empecilho, à medida que o jurado vai levantando dúvidas, vai arrastando, um por um, mais jurados para a sua posição.
Análise:
“Doze Homens em Fúria” nasceu como uma peça de teatro escrita para televisão por Reginald Rose. O sucesso da sua produção, em 1954, levou-a a ser adaptada aos palcos, e finalmente, pelas mãos da United Artists, foi passada ao cinema. A distribuidora conseguiu a participação do próprio Rose, chamando ainda Henry Fonda para liderar o processo. Fonda e Rose decidiram então produzir o filme, através da propositadamente criada Orion-Nova Productions (Orion e Nova eram os nomes das companhias de Fonda e Rose, respectivamente), escolhendo para o realizar, Sidney Lumet.
Lumet era, até então, desconhecido em Hollywood, sendo este o seu filme de estreia. Tinha, anteriormente, sido um nome do teatro, como actor desde a adolescência, envolvendo-se mais tarde no Actors Studio, criando a sua companhia de teatro e encenando peças para palco, primeiro, e depois para televisão. A sua familiaridade com a linguagem artística de palco confere aos seus filmes uma constante tensão, de conflitos prementes e ambientes claustrofóbicos, que parecem olhar sempre para os lados mais negros da alma humana.
“Doze Homens em Fúria” destaca-se tanto pelo ambiente fechado em que toda a história decorre, como pelo modo como nos conta uma história em terceira mão, já que é através dos relatos que os jurados fazem do que ouviram na sala de audiências, que vamos construindo a narrativa que está a ser julgada. Finalmente, e mais inesquecível ainda, está o modo como se dá toda a sensação de onde poderá estar a verdade, quando à medida que a narrativa se constrói, nós, e os jurados, vamos vendo a opinião ser modificada.
O filme decorre na sala onde o júri se recolhe depois de finda a audiência. A deliberação só será conclusiva quando os doze jurados votarem no mesmo sentido. Tal parece fácil, pois todos crêem haver culpa, plenamente provada. Todos, menos um. O jurado 8 (Henry Fonda), perturbado por ver como parece tão fácil a todos enviar alguém para a cadeira eléctrica sem o mínimo de discussão, decide votar no sentido contrário dos outros onze. Tal começa por irritar os onze, mas logo que o jurado 8 começa a levantar dúvidas, começa aos poucos a arrastar consigo outros jurados, e de cada vez que é pedida uma recontagem, o número de jurados que vota não culpado vai crescendo.
Toda a discussão se torna então um processo de raciocínio lógico, de análise de factos, e abertura de espírito em relação a testemunhos e seus limites. É também um exemplo de como desbloquear conflitos, apelar a consensos e desmontar posições baseadas em preconceitos, teimosias ou erros de raciocínio. Tudo isto num ambiente fechado, várias vezes crispado, e onde o acumular da tensão resulta num nervoso crescente, ampliado pelo tempo quente e húmido que parece ser um factor negativo em cada um dos jurados.
Como não podia deixar de ser estamos perante um conjunto diversificado de homens, com passados, motivações e mesmo níveis de respeito diferentes pelo caso que julgam. Temos o metódico e bastante neutro jurado 1 (Martin Balsam) que, com sentido prático, tenta presidir à reunião; o nervoso, mas bem-intencionado, jurado 2 (John Fiedler), excitado por estar num momento importante; o colérico e agressivo jurado 3 (Lee J. Cobb), que várias vezes entra em conflito com todos na sua vontade quase cega de condenar o réu, no que nos chega a parecer uma pena influenciada na má relação que tem com o próprio filho; o também nervoso jurado 5 (Jack Klugman) cansado dos preconceitos, ele que lutou a pulso para deixar para trás o bairro de lata onde nasceu; o cínico jurado 7 (Jack Warden), que quer apenas sair cedo para ir ver um jogo de baseball, e para isso é capaz de modar o voto sem convicção, para mais rapidamente se chegar a consenso; o racista jurado 10 (Ed Begley), que tem raiva a todas as minorias, e cujas tiradas preconceituosas o isolam completamente; o imigrante jurado 11 (George Voskovec), que se vê ter de lembrar que ser uma minoria não é sinal de coisa nenhuma.
Os conflitos são muitos, o caminho tortuoso, mas são a perseverança, astúcia, e calma do personagem de Henry Fonda, que vão saber desconstruir argumentos, e mudar a opinião de todos, um após um. Não que se prove a inocência do réu (do qual nem sabemos coisa nenhuma), mas o objectivo que se atinge é que as provas e testemunhos apresentados não são conclusivos para afirmar que ele seja inequivocamente culpado. É a «reasonable doubt» que leva ao veridicto de não culpado.
Logo na estreia, Sidney Lumet recebia um trabalho que marcaria a sua carreira. Mantendo dinâmica do teatro, o realizador tinha nas mãos um filme que se passava quase inteiramente numa só sala (se excluirmos a cena inicial em que o juiz dispensa os jurados, e a final, na rua em que eles se despedem, e uma cena intermédia, em que alguns conversam brevemente nos lavabos).
Lumet não se limitou a filmar um teatro. Colocando a câmara no meio dos seus personagens, alterna entre sequências longas de conjunto, zooms manipuladores e close-ups intensos. Muitos grandes planos foram mesmo filmados separadamente, para maior efeito, sendo posteriormente incluídos como um mosaico. E para optimizar a dinâmica pretendida, Lumet fechou os doze actores durante horas na mesma sala, repetindo infindavelmente as suas linhas até sentirem a mesma irritação e cansaço que os personagens.
O resultado é um filme que prima pelas interpretações, dinâmica de conjunto, condução sinuosa da história e ambiente claustrofóbico criado numa paleta de cinzentos que alguns críticos vêem como próximo da estética noir. “Doze Homens em Fúria” foi bem recebido pela crítica, tendo sido inclusivamente nomeado para três Oscars (Filme, Realizador e Argumento Adaptado), passando a ser exibido em muitas escolas de direito e cursos que lidem com formação de opiniões, diplomacia e geração de consensos. Lumet ficava desde logo com um nome em Hollywood, que saberia usar para outros projectos ambiciosos ao longo da sua carreira.
A contínua popularidade do filme levou, em 1997 a um remake com o mesmo nome, realizado por William Friedkin, com um elenco que contava com Jack Lemmon, George C. Scott e Hume Cronyn, entre outros. Outras adaptações para televisão foram surgindo também noutros países.
Produção:
Título original: 12 Angry Men; Produção: Orion-Nova Productions; País: EUA; Ano: 1957; Duração: 96 minutos; Distribuição: United Artists; Estreia: Abril de 1957 (EUA), 28 de Outubro de 1959 (Portugal).
Equipa técnica:
Realização: Sidney Lumet; Produção: Henry Fonda, Reginald Rose; Produtor Associado: George Justin; Argumento: Reginald Rose; Música: Kenyon Hopkins; Fotografia: Boris Kaufman [preto e branco]; Montagem: Carl Lerner; Direcção Artística: Bob Markell; Caracterização: Herman Buchman.
Elenco:
Martin Balsam (Jurado 1), John Fiedler (Jurado 2), Lee J. Cobb (Jurado 3), E.G. Marshall (Jurado 4), Jack Klugman (Jurado 5), Edward Binns (Jurado 6), Jack Warden (Jurado 7), Henry Fonda (Jurado 8), Joseph Sweeney (Jurado 9), Ed Begley (Jurado 10), George Voskovec (Jurado 11), Robert Webber (Jurado 12).