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Youth Fred Ballinger (Michael Caine) é um compositor retirado, que repousa num spa nos Alpes suíços. Com ele está a sua filha Lena (Rachel Weisz), e o velho amigo Mick Boyle (Harvey Keitel), um realizador de Hollywood, que aproveita o retiro para trabalhar no próximo filme com os seus argumentistas. Juntos, Fred e Mick olham para as suas vidas, e para o seu envelhecimento, enquanto contemplam o que se vai passando à sua volta, desde companhia do jovem actor Jimmy Tree (Paul Dano), à presença de um obeso Diego Maradona (Roly Serrano), a aparição de uma Miss Universo (Mădălina Diana Ghenea), e a separação iminente de Lena.

Análise:

“A Juventude” foi o segundo filme de Paolo Sorrentino em língua inglesa, contando com um elenco internacional, com estrelas como Michael Caine, Harvey Keitel, Rachel Weisz e Paul Dano. Filmado em grande parte nos Alpes suíços, o filme estreou no Festival de Cannes, onde o então já premiado realizador voltou a ter uma recepção calorosa do público e crítica, valendo-lhe várias nomeações internacionais, e o prémio de Melhor Realizador nos European Film Awards.

Mais uma vez, Sorrentino lida com a ideia da solidão humana, desta vez em face de consciência e aceitação do envelhecimento, com tudo o que isso traz de fim de uma época, seja de trabalho, de reconhecimento alheio, de perda de amigos, e até de um distanciamento trazido por uma insinuante perda de memória, como num aproximar ao universo de Ingmar Bergman. Em vez de dramatizar com doenças, morte, decrepitude, Sorrentino dá-nos o olhar nostálgico, temeroso, surpreendido, mas orgulhoso e sóbrio de dois anciãos ainda em busca de perceber o que é o envelhecimento.

Como protagonista (dir-se-ia que no papel habitualmente interpretado por Toni Servillo) está o personagem de Michael Caine (cujos óculos penteado o fazem lembrar Servillo, mas cujo argumento terá sido escrito para si), Fred Ballinger, um compositor retirado, que repousa num spa nos Alpes, em tratamentos de revigoração física, com a sua sua filha Lena (Rachel Weisz), enquanto reavalia a sua vida, e tenta fazer as pazes com a ideia de que está mesmo a envelhecer. Com eles está ainda Mick Boyle (Harvey Keitel), velho amigo de Fred, e realizador de Hollywood, que aproveita o retiro para reunir a sua equipa de argumentistas para trabalhar no próximo filme.

Como habitual no estilo de Sorrentino, “A Juventude” é um filme comtemplativo, e de pequenos episódios de observação, dos quais se parte, por vezes, para momentos de maior tensão. No seu jeito calmo e quase distante, Fred tem que rejeitar as propostas trazidas pelo emissário da rainha (Alex Macqueen) que quer que ele volte para um concerto de homenagem em que dirija uma peça sua, a qual Fred não quer voltar a ouvir sem ser na voz da esposa que já não pode cantar (história inspirada numa recusa de Riccardo Muti em dirigir para a rainha). Assiste à crise da filha quando trocada pelo marido (Ed Stoppard), filho de Mick, por uma cantora pop (Paloma Faith a interpretar a sua própria pessoa), e delicia-se com episódios tão caricados como ver um monge budista (Dorji Wangchuk) que tenta levitar, acompanhar a actividade de um muito obeso Diego Maradona (Roly Serrano), ver um casal de idosos que não se fala, aconselhar uma criança que toca violino, ou conversar sem rumo com a sua massagista.

Pelo meio fica a lindíssima paisagem suíça (numa fotografia de tirar o fôlego), as conversas com o jovem actor Jimmy Tree (Paul Dano), que se ressente de apenas ser reconhecido por um papel de robot em que nem se via a sua cara, e as conversas entre Fred e Mick, na partilha de memórias e avaliação à distância do que foi as suas vidas, e eterna dicotomia entre razão e emoção no modo como ambos olham os sentimentos que exacerbam ou reprimem. Mas por entre a placidez não faltam momentos de tensão, como a conversa de Fred com a filha Lena, que parece saída de um argumento de Bergman, ou o confronto entre Mick e Brenda (Jane Fonda), a actriz que ele escolhera e que o recusa dizendo-lhe com todas as letras que ele já está acabado.

Há mesmo uma tentativa deliberada de Sorrentino nos provocar, frequentemente pintando-nos uma tela racional e coerente, para nos tirar o tapete de debaixo dos pés quando pensamos (com a mesma arrogância dos seus personagens) que já podemos julgar alguém. Isso acontece tanto nas palavras da massagista (que nos confessa que não fala mais porque não tem nada para dizer), na atitude do tal casal idoso (que apenas precisava de uma boa dose de sexo), ou no delicioso diálogo em que o actor Jimmy pretendia pôr a nu os chavões da ignorância atribuída a uma Miss Universo (Mădălina Diana Ghenea), que demonstra grande inteligência ao expor as suas fraquezas (e as nossas, ao sermos igualmente arrogantes).

Na boa tradição daquilo que já se pode chamar um estilo Sorrentino, o filme intercala olhares longos e silenciosos com situações bizarras (o obeso Maradona a pontapear vezes sem conta uma bola de ténis sem a deixar cair, o monge que levita, o momento em que Fred dirige uma orquestra de chocalhos de vacas e sons da natureza), na sua câmara flutuante, fotografia cristalina, episódios insinuantes, diálogos tensos, frases dignas de epigramas, e intrusões de sonhos fellinianos (veja-se Mick a a ser assaltado por todas as actrizes dos seus filmes passados), tudo em enquadramentos e movimentos de fazer lembrar videoclips. De Sorrentino temos ainda a piscadela de olhos ao classicismo, exemplificado na imagem que serviu de promoção ao filme, inspirada no episódio bíblico “Susana e os Velhos”, tantas vezes pintado, e onde a dita Miss Universo é vista, por Fred e Mick, a entrar nua na piscina.

Sem querer ensinar nada, mas apenas mostrar e fazer meditar, Sorrentino consegue um filme tão sóbrio quanto comovente, onde não há sequer a necessidade de nos identificarmos com os protagonistas (cheios de erros, e remorsos) para sentirmos o que eles sentem. Esta foi para, o autor, a forma de tentar prever aquilo que a sua própria velhice lhe poderá trazer, e segundo reza a lenda, o resultado deixou Caine em lágrimas depois de assistir ao filme na sua totalidade.

Para sempre ficar-nos-á a metáfora dos binóculos como exemplo do avanço da vida, contada pelo personagem de Harvey Keitel. Olhados do lado certo temos a juventude, mostrando-nos o futuro cada vez mais perto. Olhados do lado errado temos a velhice, mostrando-nos o passado cada vez mais longe.

Destaque final para a peça “Simple Song #3” com que o filme termina, composta por David Lang, com Sumi Jo na voz e Viktoria Mullova no violino.

Mădălina Diana Ghenea, Michael Caine e Harvey Keitel em "A Juventude" (Youth, 2015) de Paolo Sorrentino.

Produção:

Título original: Youth [Título italiano: La Giovinezza]; Produção: Indigo Film / Barbary Films / Number 9 Films / C-Films AG / Pathé / France 2 Cinéma; Produtora Executiva: Viola Prestieri; País: Itália / França / Reino Unido / Suíça; Ano: 2015; Duração: 95 minutos; Distribuição: Medusa Film; Estreia: 20 de Maio de 2015 (Festival Internacional de Cannes, França), 20 de Maio de 2015 (Itália), 3 de Dezembro de 2015 (Portugal).

Equipa técnica:

Realização: Paolo Sorrentino; Produção: Carlotta Calori, Francesca Cima, Nicola Giuliano, Elizabeth Karlsen; Co-Produção: Vivien Aslanian, Fabio Conversi, David Kosse, Romain Le Grand, Muriel Sauzay, Jérôme Seydoux, Anne Walser, Stephen Woolley; Produtores Associados: Guendalina Ponti, Gennaro Formisano, Paul Sarony (Reino Unido); Argumento: Paolo Sorrentino; Música: David Lang; Fotografia: Luca Bigazzi [fotografia digital]; Montagem: Cristiano Travaglioli; Design de Produção: Ludovica Ferrario; Direcção Artística: Daniel Newton, Marion Schramm; Cenários: Noel Godfrey; Figurinos: Carlo Poggioli; Caracterização: Maurizio Silvi; Efeitos Especiais: Fabio Traversari; Efeitos Visuais: Drew Jones; Direcção de Produção: Roland Stebler, Gabby Le Rasle (Reino Unido).

Elenco:

Michael Caine (Fred Ballinger), Harvey Keitel (Mick Boyle), Rachel Weisz (Lena Ballinger), Paul Dano (Jimmy Tree), Jane Fonda (Brenda Morel), Roly Serrano (Diego Maradona), Alex Macqueen (Emissário da Rainha), Luna Mijović (Jovem Massagista), Robert Seethaler (Luca Moroder), Tom Lipinski (Argumentista Apaixonado), Chloe Pirrie (Rapariga Argumentista), Alex Beckett (Argumentista Intelectual), Nate Dern (Argumentista com Piada), Mark Gessner (Argumentista Tímido), Ed Stoppard (Julian Boyle), Paloma Faith (A Própria), Mark Kozelek (O Próprio), Mădălina Diana Ghenea (Miss Universo), Sumi Jo (A Própria), Viktoria Mullova (A Própria), Gabriella Belisario (Acompanhante), Dorji Wangchuk (Monge Budista), Emilia Jones (Jovem Pálida).

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