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La grande bellezza Jep Gambardella (Toni Servillo) é um jornalista e crítico de arte, conhecido pelas festas boémias que dá, e que o tornam, segundo o próprio, o rei dos mundanos. Mas nem sempre assim foi, e na juventude, Jep foi apreciado como um escritor, com um romance para o qual nunca escreveu um sucessor. Com o seu sexagésimo quinto aniversário, e uma perturbadora notícia do passado, Jep observa, com um olhar tão cínico quanto desiludido, a cidade e aquilo em que ela se tornou, os seus seus pares, e a futilidade da sua própria vida sem crenças nem esperanças.

Análise:

Foi já como autor consagrado e premiado que Paolo Sorrentino estreou “A Grande Beleza”, filme que apresentou em Cannes e Toronto, e lhe valeria o Oscar da Academia e o Globo de Ouro para Melhor Filme Estrangeiro, a que juntou diversos European Film Awards e Davids de Donatello.

Sempre com Toni Servillo como protagonista, “A Grande Beleza” é a história de Jep Gambardella, um homem de meia idade que veio em jovem para Roma, depois de ter perdido o amor da sua vida. Aí triunfou com um romance, aos vinte e poucos anos, que ainda hoje é recordado com saudade. Mas Jep não voltou a escrever, vivendo como crítico num jornal de arte, e dedicando a sua vida a ser o que ele chama «o rei dos mundanos», famoso pelas suas festas, e vida boémia, que reúne em seu torno um enorme grupo de convivas do meio artístico e literário como ele.

Assumindo-se como um mundano, vencido de ideias sem qualquer esperança de vida, Jep limita-se a gastar as suas energias diariamente (como diz a dada altura, a beber o máximo sem que se torne incómodo, e ir dormir quando os outros acordam), observando o mundo com curiosidade, enorme cinismo, e um espírito crítico perante a hipocrisia que o rodeia. É que Jep, assumindo os seus fracassos e defeitos (nas suas palavras «Estamos todos à beira do desespero, e não temos outro remédio senão olharmo-nos nos olhos e fazermo-nos companhia, deixando-nos iludir um pouco»), não se coíbe de os apontar naqueles que fazem figura de santos, como a sua amiga Stefania (Galatea Ranzi), que num dos diálogos mais tensos do filme é deitada por terra quando pretendia estar acima dos restantes, ou o Cardeal (Aldo Ralli), que, perante uma verdadeira mulher santa (Giusi Merli), não sabe mais que fugir de perguntas teológicas, e falar dos prazeres da gastronomia.

Com a distância habitual nos personagens de Sorrentino, Jep observa, comenta, mas nunca se mostra. Marcado pelo seu 65º aniversário, e pela morte da única mulher que amou, cujo marido agora lhe diz que nunca foi por ela amado como Jep foi sempre, refugia-se, quer na confusão das festas, quer nos aforismos em que também Sorrentino é fértil (havendo algo de Oscar Wilde nesta construção), quer ainda no sofrimento alheio onde, pode actuar segundo as convenções que domina, e assim brilhar, como é exemplificado no episódio do funeral.

Através dos exemplos que Jep vai observando, do descontentamento de Romano (Carlo Verdone), ao sofrimento de Viola (Pamela Villoresi) pelo seu filho, as traições, infidelidades e abusos de drogas, passando pela vida de Ramona (Sabrina Ferilli), com quem Jep tem uma breve ligação que sabe condenada à partida, tudo são histórias de alienação, fuga e futilidade, que é aquilo em que ele vê Roma transformar-se, a ponto de já não a reconhecer. Em contraponto, Jep admira ainda a antiga Roma, dos valores, aqueles que ele tinha aos vinte anos, quando amou, e quando achou apropriado escrever. Essa Roma surge-nos pelo lado da arquitectura, e nisso “A Grande Beleza” é a beleza milenar da cidade eterna (e são imagens de grande beleza que Sorrentino nos traz), tanto quanto o é a beleza que Jep procura, e não encontra mais, a não ser na memória da sua amada, Elisa, que vemos em curtos flashbacks.

Com a habitual câmara flutuante de Sorrentino, que está sempre em movimento de modo suave e que nos faz sentir como se pairássemos em torno da acção, vamos coleccionando episódios, sem que a linearidade narrativa seja importante. De facto, por vezes parece-nos que eles surgem apenas para marcar um ponto, de modo quase aleatório, ou como num sonho, no que recorda Fellini, quer na decadência de “A Doce Vida” (La Dolce Vita, 1960), nas futilidades da cidade em “Roma de Fellini” (Roma, 1972), na viagem interna de “Fellini 8½” (8½, 1963), ou nas viagens nocturnas, metafóricas e oníricas, de “Fellini Satyricon” (1969), para nomear apenas alguns filmes.

Acima de tudo, brilha Toni Servillo. Ora efusivo, ora distante, ora frio e calculista, ora empático e frágil, o seu Jep, tal como a câmara, paira sobre Roma, fazendo parte dela quando isso lhe interessa, ou afastando-se para de onde pode apenas observar com todo o seu cinismo, e um desespero silencioso. Através do seu olhar, o filme torna-se um longo exercício de contemplação sobre a sociedade moderna, do consumo e dos excessos, das alienações e futilidades, da hipocrisia que nos leva a todos a tentar acreditar (e fazer acreditar os outros) de que temos a solução certa. Não falta a sátira do snobismo artístico, expresso na criança que pinta a chorar atirando baldes para a tela, como um animal amestrado, e na actriz que cabeceia a parede até sangrar e fala das vibrações que não sabe o que são.

Com um misto de suavidade quase clássica, e pinceladas do seu habitual frenesim desconcertante, Sorrentino usa a beleza de Roma, e o olhar de um cínico que ainda recorda o romantismo, para uma crítica de um humor tão fino quanto amargo, para a sociedade actual de uma grande cidade. O resultado é épico, efusivo e intimista, grotesco e belo, na habitual grandeza a que Sorrentino nos vem habituando.

Toni Servillo em "A Grande Beleza" (La grande Bellezza, 2013) de Paolo Sorrentino

Produção:

Título original: La grande bellezza; Produção: Indigo Film / Medusa Film / Babe Film / Pathé / France 2 Cinéma / Mediaset Premium / Canal+ / Ciné+ / France Télévisions; Produtores Executivos: Viola Prestieri, Muriel Sauzay; País: Itália / França; Ano: 2013; Duração: 135 minutos; Estreia: 21 de Maio de 2013 (Festival Internacional de Cannes, França), 21 de Maio de 2013 (Itália), 20 de Fevereiro de 2014 (Portugal).

Equipa técnica:

Realização: Paolo Sorrentino; Produção: Francesca Cima, Nicola Giuliano; Co-Produção: Fabio Conversi, Jérôme Seydoux; Produtores Associados: Vivien Aslanian, Carlotta Calori, Romain Le Grand, Guendalina Ponti; Argumento: Paolo Sorrentino, Umberto Contarello [a partir de uma história de Paolo Sorrentino]; Música: Lele Marchitelli; Orquestração: ; Fotografia: Luca Bigazzi [cor por Technicolor]; Montagem: Cristiano Travaglioli; Design de Produção: Stefania Cella; Figurinos: Daniela Ciancio; Caracterização: Maurizio Silvi; Efeitos Especiais: Tiberio Angeloni, Franco Galiano, Massimo Giovannetti, Luca Ricci; Efeitos Visuais: Enrico Barone, Rodolfo Migliari; Direcção de Produção: Giuseppe Di Gangi, Raffaello Vignoli.

Elenco:

Toni Servillo (Jep Gambardella), Carlo Verdone (Romano), Sabrina Ferilli (Ramona), Carlo Buccirosso (Lello Cava), Iaia Forte (Trumeau), Pamela Villoresi (Viola), Galatea Ranzi (Stefania), Franco Graziosi (Conde Colonna), Giorgio Pasotti (Stefano), Massimo Popolizio (Alfio Bracco), Sonia Gessner (Condessa Colonna), Anna Della Rosa (Rapariga Pálida), Luca Marinelli (Andrea), Serena Grandi (Lorena), Ivan Franek (Ron Sweet), Vernon Dobtcheff (Arturo), Dario Cantarelli (Assistente da Santa), Pasquale Petrolo [como Lillo Petrolo] (Lillo De Gregorio), Luciano Virgilio (Alfredo Marti), Aldo Ralli (Cardeal), Giusi Merli (Santa), Giovanna Vignola (Dadina).

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