Etiquetas
Cinema, Cinema japonês, Era dourada do cinema japonês, Fantasmas, Filme de época, Jitsuko Yoshimura, Kaneto Shindō, Kei Satō, Nobuko Otowa, Terror
Sofrendo as agruras da guerra civil que devastou o Japão no século XIV, a mãe (Nobuko Otowa) e a esposa (Jitsuko Yoshimura) de um soldado desaparecido em combate vivem sozinhas no campo, onde matam soldados que chegam perdidos, e os despojam de armas e armaduras que vendem a um mercador em troca de comida. Quando o vizinho Hachi (Kei Satō) regressa, conta da morte do filho da mulher mais velha, e começa a tentar seduzir a mais nova, para enorme raiva da sua sogra. Esta é um dia visitada por um soldado com uma máscara demoníaca, mas ela mata-o e tira-lhe a máscara que começa a usar para assustar os amantes. Só que a máscara tem um poder especial, unindo-se para sempre com a carne de quem a usa.
Análise:
O terror japonês dos anos 60 era habitualmente inspirado no folclore do país, baseado em espíritos e fantasmas malignos. É o caso de “Onibaba”, escrito e realizado por Kaneto Shindō, e cujo título se refere a um mítico demónio visto como uma mulher velhíssima, de feições horríficas.
A meio do século XIV, terminada uma guerra civil que grassou o Japão decepando-o de tantos homens, os soldados derrotados erram sem destino, cansados, feridos, desmotivados. Alguns deles caem na armadilha de duas mulheres, que esperam o retorno de um deles. Elas são a sua mãe mãe (Nobuko Otowa) e a sua esposa (Jitsuko Yoshimura), que matam soldados errantes para os despojar de armas e armaduras, que vendem ao mercador Ushi (Taiji Tonoyama), a troco de comida. Quando Hachi (Kei Satō), um vizinho, regressa, conta da morte do filho da velha senhora, ao mesmo tempo que começa a procurar a mulher mais jovem, para desagrado da sogra desta. Os dois começam uma relação ilícita, e quando a sogra os ia espiar é confrontada com a aparição do que ela pensa ser um demónio Onibaba. É de facto um soldado com uma máscara, que apenas quer indicações para sair daquele campo de erva alta, mas a mulher arma-lhe uma cilada e mata-o, roubando-lhe depois a máscara que cobre um rosto deformado.
Com essa máscara a mulher vai assustar os dois amantes que crêem que Onibaba os persegue. Só que, entretanto, ela percebe que não consegue mais tirar a máscara pedindo ajuda à nora, para se perceber que a máscara já aderiu ao seu rosto, e que ao arrancá-la deixa um rosto extremamente deformado. Isto provoca a fuga da jovem mulher que pensa que a sogra é mesmo um demónio. Esta persegue-a caindo também ela na cilada que usavam para os soldados.
Partindo de um lenda budista de uma máscara usada para assustar uma noiva, e que se agarrava à pele, Kaneto Shindō concretizou uma história terrífica, inspirado pelas deformações das vítimas de Hiroxima e Nagasaqui, numa altura em que a sociedade japonesa lidava ainda com os efeitos (e a vergonha) da derrota na Segunda Guerra Mundial, e subsequente submissão aos Estados Unidos, que deixou o Japão num enorme sentimento de inferioridade.
Toda essa mensagem, num confronto entre passado e presente, é transversal a “Onibaba”, um filme que fala de tradição (o demónio do folclore), de guerra (a guerra civil dos século XIV), de ambição (a das mulheres que matavam a troco de quase nada e do mercador que as incentivava a tal, explorando-as), de luxúria (a de Haichi pela jovem mulher), de medo e vingança. Para tal Kaneto Shindō usa a história do Japão, e as coreografias do teatro kabuki, onde a máscara pode ser vista como uma forma de traduzir emoções como o medo, a ganância e a vingança.
Tudo isto é filmado usando como cenários os interiores de cabanas, longos campos de erva alta, que surgem como claustrofóbicos, nada deixando ver para além de si, e personagens que agem por instinto, visceral e agressivamente. Com muita da acção passada à noite, “Onibaba” pode ser visto como um pesadelo, como uma recriação simbólica do tempo difícil que o Japão atravessava. Tal faz dele tanto uma alegoria, um filme de época e um conto de terror.
A máscara demoníaca foi a inspiração de William Friedkin para as imagens subliminares do demónio no seu filme “O Exorcista” (The Exorcist, 1973).
Produção:
Título original: Onibaba; Produção: Kindai Eiga Kyokai / Tokyo Eiga Co Ltd.; País: Japão; Ano: 1964; Duração: 99 minutos; Distribuição: Toho Company; Estreia: 21 de Novembro de 1964 (Japão).
Equipa técnica:
Realização: Kaneto Shindō; Produção: Hisao Itoya, Tamotsu Minato, Setsuo Noto; Produtor Delegado: Kazuo Kuwahara; Argumento: Kaneto Shindō; Música: Hikaru Hayashi; Fotografia: Kiyomi Kuroda [preto e branco]; Montagem: Toshio Enoki; Direcção Artística: Kaneto Shindō; Figurinos: Yoshio Ueno; Caracterização: Shigeo Kobayashi; Efeitos Especiais: Yoshio Kurihara.
Elenco:
Nobuko Otowa (Velha Mulher), Jitsuko Yoshimura (Jovem Mulher), Kei Satō (Hachi), Jūkichi Uno (Samurai Mascarado), Taiji Tonoyama (Ushi).