Etiquetas
Akira Nakamura, Cinema, Cinema japonês, Era dourada do cinema japonês, Fantasmas, Filme de época, Hiroshi Shingûji, Namiji Matsuura, Noriko Kitazawa, Shōzaburō Date, Sotoo Tachibana, Terror, Yoshihiro Ishikawa, Yōichi Numata
Tadahiko (Shōzaburō Date) e Keiko (Noriko Kitazawa), um casal que se casará no dia seguinte, perdem-se nas margens do lago Otama, quando procuram a aldeia das suas famílias. Após encontrarem um estranho gato, Keiko cai doente, assombrada pelo fantasma de uma velha, e um monge fala na necessidade um exorcismo, pela maldição que vem do passado sobre aquela casa. É que Tadahiko e Keiko são descendentes das famílias do nobre Shinbei (Akira Nakamura) e do corrupto Gensai (Yōichi Numata), respectivamente, senhores inimigos no antigo Japão, com o segundo a destruir a família do primeiro, originando uma maldição sobre si e sobre os seus.
Análise:
Mais um filme construído a partir de um conto de Sotoo Tachibana, que antes já originara, por exemplo, “Black Cat Mansion” (Bôrei kaibyô yashiki, 1958) de Nobuo Nakagawa, “The Ghost Cat of Otama Pond”, filme de estreia de Yoshihiro Ishikawa (que também escreveu o argumento), baseia-se no folclore japonês, em particular nas lendas dos gatos que transportam os espíritos de vingança de pessoas injustiçadas.
Contado em flashback, o filme começa no tempo presente, quando o casal Tadahiko (Shōzaburō Date) e Keiko (Noriko Kitazawa), se perde nas margens do lago Otama, encontrando um estranho gato, após o que Keiko cai doente. Consultando um monge, Tadahiko ouve a história da rivalidade de duas famílias antigas, que terminou em tragédia. Estas são, a família de Yachimaru (novamente Shōzaburō Date), filho de Shinbei (Akira Nakamura), apaixonado por Kozasa (também ela Noriko Kitazawa), filha do corrupto Gensai (Yōichi Numata). Para ganhar poder na região, Gensai convence o governador local (Arata Shibata) a ajudá-lo a livrar-se de Shinbei a troco da mão da filha deste, Akino (Namiji Matsuura), para Gorôta (Hiroshi Shingûji), irmão do governador. Juntos matam Shinbei, raptando Akino, e matando ainda a velha Osono (Fujie Satsuki), avó de Akino e Yachimaru. A notícia das mortes traz de volta Yachimaru, que estava em viagem, sendo ele também morto. A partir de então os mortos vão começando a aparecer alternadamente a Gensai, Gorôta e ao Governador, levando-os a matar, sem querer, quem lhes está mais próximo, e terminando por se matarem uns aos outros, na loucura e desespero causado pelas assombrações. No tempo presente, resta ao casal rezar para que a maldição do gato os deixe em paz.
O que mais marca no filme de Yoshihiro Ishikawa é, sem dúvida, a construção visual. Com um cenário onde aparenta ser sempre noite, com nevoeiros permanentes, e exteriores de fundos pintados de cores garridas e irreais, “The Ghost Cat of Otama Pond” está desde logo no campo dos sonhos. A fotografia remete-nos logo para o gótico europeu, como por exemplo nos filmes da Hammer. O uso abundante do sangue, e as recriações de florestas em estúdio ajudam a evocar esse imaginário, que é de uma certa poesia trágica e lirismo fantasmagórico.
Aí desenvolve-se, em flashback (outra constante do gótico), uma história que é a da decadência do mundo dos samurais, ideia então muito explorado no Japão do pós-guerra, onde era também de decadência de valores que se falava. Esta é, como não podia deixar de ser, uma história de crimes e das suas vinganças, as quais surgem na forma da assombração trazida pelos fantasmas das pessoas injustiçadas. São, por um lado os fantasmas de mulheres (a velha de rosto disforme, a mulher com pelo de gato) e o nominal gato, como receptáculo desse espírito vingativo que encarna geração após geração. A sua função é a de atormentar os culpados, levando-os ao desespero e à loucura, na qual cometerão actos ainda mais trágicos, que culminam nas suas próprias mortes.
A narrativa evolui assim através das várias aparições fantasmagóricas, quer dos mortos que se materializam numa aura esverdeada, quer na ilusões dos mortos que parecem ainda vivos para levar os culpados a algum acto trágico, quer nos monstros já descritos que surgem na fase final das tormentas. O filme torna-se um tanto ou quanto repetitivo, com demasiados episódios circulares de assombrações, lutas e ferimentos, que vão deixando tudo na mesma, até ao episódio seguinte, num pesadelo aparentemente sem fim.
Pela positiva destaca-se o enorme número de sinais que vão sendo dados, no intuito de criar a atmosfera de medo e paranóia. As visões dos mortos, as sombras da cabeça de gato, os ruídos, as águas que se tornam sangue, as roupas que surgem manchadas, o alfinete de cabelo que onde toca salpica de sangue, etc. A isso aliam-se as interpretações e coreografias algo estilizadas, como não podia deixar de ser, sob influência do kabuki, cujos ritmos musicais se ouvem a dada altura. Nota-se ainda uma vontade de chocar pelo sangue, a crueldade dos ferimentos, e claro, pela aparição dos fantasmas, alguns de rostos monstruosos.
Em tudo, “The Ghost Cat of Otama Pond” é mais um filme inserido na longa tradição de fantasmas japoneses, este com o destaque para uma fotografia inspirada.
Produção:
Título original: Kaibyo Otama-ga-ike; Produção: Shintoho Film Distribution Committee; País: Japão; Ano: 1960; Duração: 75 minutos; Distribuição: Shintoho Film Distribution Committee; Estreia: 1 de Julho de 1960 (Japão).
Equipa técnica:
Realização: Yoshihiro Ishikawa; Produção: Mitsugu Ôkura; Argumento: Jiro Fujishima, Yoshihiro Ishikawa [a partir de um romance de Sotoo Tachibana]; Fotografia: Kikuzô Kawasaki [filmado em Shintohoscope, cor por Eastmancolor].
Elenco:
Shōzaburō Date (Tadahiko Sagawa / Yachimaru, Filho de Shinbei), Namiji Matsuura (Akino, Filha de Shinbei), Noriko Kitazawa (Keiko Kōriyama / Kozasa, Filha de Gensai), Yōichi Numata (Gensai), Akira Nakamura [como Torahiko Nakamura] (Shinbei Nanjō), Hiroshi Shingûji (Gorôta, Irmão do Governador), Arata Shibata (Governador Gyôbu Onisawa), Fujie Satsuki (Osono, Avó de Yachimaru / Velha de Cabelo Branco), Akiko Yamashita (Mulher de Gensai), Fumiko Miyata (Oran, Amante de Gensai), Midori Futaba (Kayo, Dama de Companhia), Saburō Sawai (Rokuemon), Hiroshi Sugi (Monge Budista).