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ZemlyaNo solo ucraniano, o povo discute como se modernizar. A ideia surge de Vasili (Semyon Svashenko), que propõe a colectivação da terra, para compra de um tractor. Isso é visto com maus olhos pelos proprietários dos ricos kulaks, como Arkhip (Ivan Franko) e o seu filho Khoma (Pyotr Masokha). Após o sucesso da compra do tractor e uso na plantação e colheita do trigo, Vasili é misteriosamente morto enquanto celebra. Tal leva o seu pai (Stepan Shkurat) a declarar a ruptura com a tradição, proibindo que o funeral seja religioso, e pedindo aos jovens do partido que o celebrem como um triunfo.

Análise:

Em 1930, Aleksandr Dovjenko estreava “A Terra”, vulgarmente apontado como o terceiro filme da trilogia ucraniana do realizador soviético. Tal como os antecessores “The Enchanted Place” (Zvenigora, 1928) e “Arsenal” (1929), “A Terra” olha directamente para o solo ucraniano, mostrando os efeitos da revolução russa nas populações locais.

Desta vez, o olhar incide sobre a organização agrícola e reforma agrária, num momento em que os camponeses se agrupam em cooperativas, procurando conseguir equipamentos modernos (no caso, um tractor), enfrentando a oposição dos proprietários ricos (os kulaks), pouco dispostos a sentir concorrência de quem antes trabalhava para eles. Após uma espécie de prólogo em que as gerações mais velhas passam o testemunho, exemplificado na morte do velho Semyon (Nikolai Nademsky), vemos o seu neto Vasili (Semyon Svashenko) declarar-se pela modernização, discutindo a colectivização com os outros jovens. Os seus esforços valem-lhes a aquisição do primeiro tractor, recebido com entusiasmo, e usado na terra comum.

Com a cooperativa a prosperar, Vasili é morto, e o seu pai (Stepan Shkurat) declara que não quer o padre no funeral, pois se o filho morreu por novos ideais, o funeral será de acordo com essa vontade, honrado pelos cânticos de esperança dos jovens do partido. Tal leva o padre (Vladimir Mikhaylov) a rezar pelo castigo dos infiéis, enquanto, perturbado, o rico Khoma (Pyotr Masokha) confessa ter sido ele a assassinar Vasili.

As transformações agrícolas na Ucrânia datavam já de 1906, com a primeira abertura política czarista, que permitiu a posse de terras e sua passagem por herança aos pequenos camponeses. A partir de 1929, depois de alguns maus anos agrícolas, Estaline declara que o erro está na divisão das terras, e toda a terra devia ser colectivizada, no que enfrentou oposição dos proprietários ucranianos mais ricos, os kulaks. É aqui que Dovjenko deixa o seu manifesto e comentário sobre a situação, em mais um filme que não deixa de representar as ambiguidades da política oficial, com as organizações locais de trabalhadores (aqui mostradas com verdadeira militância revolucionária, e esperança num futuro de verdadeiro comunismo) a serem vistas tanto como exemplo, como sendo, afinal, também elas que Estaline combatia.

Em “A Terra”, mais que a evolução política, ou as consequências das várias decisões, Dovjenko, como era habitual, traz-nos um olhar poético sobre a população. É uma população pobre, vivendo em condições deploráveis, mas alegre, entusiasta e sempre com esperança. Por isso quase todos os motivos são festivos, o que culmina com a apoteótica chegada do tractor. Por isso também, desde a morte do velho Semyon (ela própria mostrada com a indiferença de quem assiste a um acto natural), até à produção do pão (que aqui acompanhamos em todas as suas fases), tudo parecem ser passos em frente, no estabelecimento de um novo modo de vida, trazido pela chegada da modernização (o tractor).

A esta evolução política e industrial, Dovjenko junta ainda a mudança de mentalidades, simbolizada nos ritos fúnebres de Vasili. Aí a Igreja é colocada de lado, representando os velhos costumes que a agora a comunidade quer deixar para traz. Por isso o pai de Vasili renega o padre (que se comporta vingativamente, e com instintos maléficos de velho supersticioso) e o seu Deus, e apela à juventude do partido que tome as rédeas do funeral, que passa a uma celebração da revolução e das mudanças do povo, para o qual Vasili morreu como herói.

Ao lado das ideias, Dovjenko traz-nos imagens fortes (a naturalidade da morte no meio de crianças que brincam; os camponeses que urinam no radiador do tractor; a noiva-viúva que chora nua), representando os ciclos da vida e morte, crescimento, sexo, violência, na crueza das populações rurais. Fá-lo sempre liricamente, na sua montagem elaborada, justapondo planos, comparando-os e repetindo-os alternadamente a grande velocidade (por exemplo no momento do funeral, comparado com esforços vingativos do padre). É sempre a força dos planos (muitas vezes rostos), e não o movimento da câmara (quase inexistente) que interessa a Dovjenko. Como antes, o realizador prefere mostrar sentimentos através dos grandes planos dos rostos, e criar atmosfera nos ângulos originais com que filma a paisagem, o céu, os campos, ou os movimentos colectivos dos seus personagens. O resultado é uma declamação que alia o que há de mais prosaico com o puramente abstracto, onde a emoção nunca deixa de estar presente.

“A Terra” foi recebido com ovações nos cinemas onde estreou, embora aos poucos as autoridades começassem a ver nele ambiguidades e críticas ao regime oficial, chegando mesmo a apelidá-lo de contra-revolucionário. Com o tempo tornou-se elogiado como o melhor filme da carreira de Dovjenko.

Nikolai Nademsky em "A Terra" (Zemlya / Земля, 1930) de Aleksandr Dovjenko

Produção:

Título original: Zemlya / Земля [Título inglês: Earth]; Produção: VUFKU; País: URSS; Ano: 1930; Duração: 70 minutos; Distribuição: Amkino Corporation (EUA); Estreia: 8 de Abril de 1930 (URSS).

Equipa técnica:

Realização: Aleksandr Dovjenko; Argumento: Aleksandr Dovjenko; Fotografia: Daniil Demutsky [preto e branco]; Montagem: Aleksandr Dovjenko; Direcção Artística: Vasili Krichevsky.

Elenco:

Stepan Shkurat (Opanas, Pai de Vasili), Semyon Svashenko (Vasili ‘Basil’ Opanas), Yuliya Solntseva (Irmã de Vasili), Yelena Maksimova (Natalya, Noiva de Vasili), Nikolai Nademsky (Semyon ‘Simon’ Opanas, Avô de Vaisili), Ivan Franko (Arkhip Whitehorse, Pai de Khoma), Pyotr Masokha (Khoma ‘Thomas’ Whitehorse), Vladimir Mikhaylov (Padre), Pavel Petrik (Líder da Juventude do Partido), P. Umanets (Secretário do Soviete Local), Ye. Bondina (Jovem Camponesa), Mary Matsiutsia Bondina (Jovem Camponesa), Luka Lyashenko (Jovem Kulak).

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