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Chelovek s kino-apparatomDocumentário quase livre, “O Homem da Câmara de Filmar” é o exemplo acabado da teoria de Dziga Vertov, o realizador que via o cinema como uma verdade maior, e que recusava ligações entre ele e formas narrativas de outras artes. Com a sua «câmara-olho» (kino-glaz), sem recorrer a intertítulos, Dziga Vertov documenta momentos isolados da vida numa cidade soviética, num exemplo de radical vanguardismo, seja pelo arrojo da construção, pelos planos elaborados, e pela montagem viva e imaginativa.

Análise:

Decididamente marxista, e entusiasta da revolução soviética, Dziga Vertov dedicou a sua carreira a documentar aquilo que ele chamava o cinema-verdade (kino pravda), numa série de documentários que, para ele, eram a forma mais correcta de se usar o cinema. Diferente desses documentários está este “O Homem da Câmara de Filmar”, com o qual Vertov continuava o objectivo de denunciar todo o cinema de ficção, ao mesmo tempo que enaltecia a câmara, que no filme é mostrada como podendo chegar a todo o lado, filmando tudo, seja de que ângulo, e com que risco for, do perfeitamente público ao mais privado.

Logo no início é dito que o objectivo do filme é criar uma linguagem universal, baseada na imagem, libertando-se das linguagens habituais do teatro e literatura e constituir uma peça artística independente, sem auxílio de intertítulos, história ou actores. Trata-se tão somente de excertos do diário de um operador de câmara. Nesse sentido Vertov aproxima-se do que os vanguardistas franceses faziam pela mesma altura, no campo do surrealismo, dadaísmo, e outras formas experimentalistas, cujo objectivo era provocar reacções originais no espectador, unicamente pela imagem, sem auxílio de uma narrativa convencional.

Por essa razão, “O Homem da Câmara de Filmar” é um filme onde predomina a força da montagem e de efeitos experimentais. A premissa é simples, um operador de câmara filma, de modo documental, aquilo com que se depara em lugares públicos (rua, fábricas, casas de espectáculo, provas desportivas, linhas de caminhos de ferro, minas, etc.). Os temas principais são o quotidiano de cidades como Kiev, Moscovo, Carcóvia e Odessa, prestando-se especial atenção ao bulício da cidade, maquinaria nas fábricas e trabalhadores um pouco de todas as áreas.

Esses excertos são-nos então apresentados de forma complexa, quer usando efeitos especiais (a divisão do ecrã em secções, imagens caleidoscópicas, dissolvências e sobreposições elaboradas, animação stop-motion, movimento regressivo, freeze-frame, etc.), quer através de comparações de diversos momentos, muitas vezes intermitentemente com separações de fracções de segundo.

Com uma montagem viva e muito rápida (como dito, chegamos a ver vários planos distintos por segundo), “O Homem da Câmara de Filmar” é tanto um documentário de diferentes aspectos da vida contemporânea, como não deixa de ser um comentário. Este é claro nas diferentes comparações (a mulher no cabeleireiro vs. a que lava a roupa; as linhas do eléctrico vs. linhas de sombras; os movimentos de um olho vs. os movimentos da câmara; as bobinas da película de filme vs. as bobinas de um tear; e tantas outras).

Mais importante que descrever cada imagem (tarefa impossível), é dizer que se trata de um filme onde o movimento, o olhar acutilante, os ângulos imaginativos, e sobretudo, uma montagem monumental, o transformam numa obra incrivelmente complexa e entusiasmante. É por isso um apontar de caminho muito original, contendo uma miríade de exemplos que seriam a partir de então estudados por todos aqueles que queriam fazer cinema.

Por tudo isso, a reputação de “O Homem da Câmara de Filmar” não tem parado de crescer, e o filme tem sido considerado um dos mais importantes da história do cinema.

Mikhail Kaufman em "O Homem da Câmara de Filmar" (Chelovek s kino-apparatom / Человек с Киноаппаратом, 1929) de Dziga Vertov

Produção:

Título original: Chelovek s kino-apparatom / Человек с Киноаппаратом [Título inglês: Man with a Movie Camera]; Produção: VUFKU; País: URSS; Ano: 1929; Duração: 67 minutos; Estreia: 8 de Janeiro de 1929 (URSS).

Equipa técnica:

Realização: Dziga Vertov; Argumento: Dziga Vertov; Fotografia: Mikhail Kaufman, Gleb Troyanski [não creditado] [preto e branco]; Montagem: Elizaveta Svilova.

Elenco:

Mikhail Kaufman (O Cameraman).

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