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Cinema, Cinema soviético, Drama, Grigori Aleksandrov, Nikolay Popov, Revolução russa, Sergei M. Eisenstein, Vasili Nikandrov
Encenação dos acontecimentos que levaram à revolução bolchevique de Outubro de 1917. Começando com o fim do czarismo, em Fevereiro do mesmo ano, assistimos à instável posição do governo provisório, enquanto a guerra com a Alemanha prossegue e Lenine (Vasili Nikandrov) e os bolcheviques apelam a um maior poder dos sovietes. Lenine regressa em Abril, mas é preso em Julho após uma primeira revolta. Entretanto os mencheviques hesitam entre deixar que os bolcheviques avancem sozinhos, ou em liderar eles uma revolução pacífica. Por fim, sob o comando de Anatov-Oveyenko dá-se o ataque final ao palácio de inverno de Petrogrado, com as tropas defensoras a baixarem as armas juntando-se aos assaltantes.
Análise:
Em 1927, o governo soviético, mantendo a sua aposta num cinema que fosse ao mesmo tempo uma arma ideológica do regime, encomendou dois filmes que comemorassem o décimo aniversário da revolução. Um seria “The End of St. Petersburg” (Konets Sankt-Peterburga, 1927), de Vsevolod Pudovkine, e o outro, “Outubro” de Sergei M. Eisenstein e Grigori Aleksandrov, que só estrearia no início de 1928.
Liderando o projecto, estava Eisenstein, que era já familiar da linguagem propagandística. Após vários filmes, o mais célebre realizador da sua geração era consagrado pelo modo como, através da filmagem de multidões, encenava eventos épicos, cujo propósito era enaltecer o papel do povo na nova sociedade. Desta vez, curiosamente, o seu ponto de partida seria o livro “Ten Days That Shook The World” do jornalista americano John Reed. Que testemunhara os eventos.
Em jeito documental, com uma montagem que resulta em cortes rápidos (cada plano tem breves segundos, se tanto), “Outubro” inicia-se com a deposição da monarquia czarista de Petrogrado (em Fevereiro), que nos chega de modo simbólico, com o derrube de estátuas. Um governo provisório é eleito, mas as más condições e o peso do esforço de guerra subsistem, levando o povo a desejar mais mudanças. A chegada de Lenine (Vasili Nikandrov), em Abril, é recebida com entusiasmo, e este apela a uma reacção mais violenta, levando a que o governo, considerado burguês, bloqueie os caminhos para o centro de Petrogrado. Lenine é de seguida preso, enquanto Kerensky (Nikolay Popov), líder do governo é comparado a Napoleão, de ambições monárquicas.
Em Outubro, Lenine apela à desobediência e tomada violenta do poder. O governo convoca vários corpos militares para proteger o palácio, mas, um por um, estes irão colocar-se ao lado dos insurgentes. O mesmo sucede no cruzador Aurora, que entra no rio Neva. Enquanto isso, em congresso, os mencheviques não conseguem decidir-se se devem entrar na revolta para a controlarem, ou oporem-se a ela, apelando à via pacífica. Mas a situação escapa ao seu controlo, e o povo e os guardas vermelhos entram no Palácio de Inverno, liderados por Vladimir Antonov-Ovseyenko, o qual obtém a demissão do governo.
Com a sua conhecida habilidade no uso da montagem, Sergei M. Eisenstein, aqui em colaboração, voltava a fazer um filme que é marcado pela forma como as sequências são compostas a partir de planos diferentes. É mais uma vez um filme que tem o movimento colectivo como força motriz, e que resulta numa história de triunfo popular, ao serviço de uma grande causa, que neste caso é a revolução russa de 1917.
Filmando numa enorme diversidade de cenários, Eisenstein conta os acontecimentos de 1917 em grande detalhe, sempre vistos do ponto de vista de um povo em luta para melhorar a sua condição. Tal chega-nos com uma velocidade vertiginosa, não só de acontecimentos e notícias, mas principalmente de acção. Nada é estático em “Outubro”, como se o filme fosse ele próprio parte do processo revolucionário. Nele vemos discursos dos líderes (de Kerensky a Lenine, passando por Trotsky), mas vemos principalmente acções, quer de defesa e contra-revolução, quer de apelo à insurreição popular, que culminará naquilo pelo qual o filme é geralmente lembrado: a épica sequência de assalto ao Palácio de Inverno. Nela participaram cerca de 11 mil figurantes, com um fulgor inesquecível, em cenas filmadas com grande intensidade, e claro, cuja montagem e cenários (usando o próprio Palácio) as tornariam um dos momentos mais marcantes da história do cinema.
De resto, encontra-se em “Outubro” os traços habituais de Eisenstein. A decoupage elaboradíssima, o cross-cutting constante, a multitude de planos que compõem cada sequência, o frequente uso de inserts (muitas vezes simbólicos, do inicial decapitar da estátua do czar ao mostrar final dos relógios de todo o mundo que marcavam a hora da tomada do Palácio como se fosse um início de calendário ou de era, passando por imagens aparentemente soltas que pretendem provocar comparações), os close-ups como guias da nossa emoção (o efeito Kuleshov), e claro, o uso do povo como um personagem colectivo (embora aqui se distingam já heróis individuais, de Lenine a Antonov-Ovseyenko.
Mas ao contrário de seus nos filmes anteriores, “A Greve” (Stachka, 1925) e “O Couraçado Potemkine” (Bronenosets Potemkin, 1925), em “Outubro” há uma menor coesão da linha narrativa, que, como se estivéssemos numa reportagem um pouco por toda a cidade, se perde aqui um pouco. Há também, segundo os historiadores, uma certa romantização de alguns acontecimentos (como os discursos de Lenine e o próprio assalto final), que na verdade não terão tido os milhares de participantes mostrados no filme. É por isso uma obra mais híbrida com tanto do realismo das primeiras obras de Eisenstein, como de metafórico para o que o realizador pretendia chamar “montagem intelectual”.
Ao contrário dos dois filmes citados, “Outubro” não foi tão bem recebido como se esperava. Eisenstein foi então criticado por um excesso de formalismo, que tornava o filme difícil de compreender. Também as cenas que incluíam Leon Trotsky tiveram que ser truncadas, pois nesta altura Trotsky tinha caído em desgraça no Partido Comunista Soviético. Ainda assim, tal é a força da obra final de Eisenstein, que ainda hoje estas imagens são mostradas tão frequentemente, que para muitos elas são tidas como sendo imagens dos verdadeiros acontecimentos.
O filme foi exibido nos Estados Unidos numa versão mais reduzida, e usando o título do livro de John Reed “October: Ten Days That Shook the World”. Em 1966 ganharia uma banda sonora composta por Dimitri Shostakovitch, que seria depois publicada como o poema sinfónico “Outubro” Op.131. “Outubro” seria finalmente restaurado em 2007, para um total de 142 minutos.
Produção:
Título original: Oktyabr / Октябрь; Produção: Sovkino; País: URSS; Ano: 1928; Duração: 102 minutos; Distribuição: Sovkino (URSS), Amkino Corporation (EUA); Estreia: 20 de Janeiro de 1928 (URSS).
Equipa técnica:
Realização: Sergei M. Eisenstein, Grigori Aleksandrov; Argumento: Sergei M. Eisenstein, Grigori Aleksandrov [a partir do livro de John Reed]; Intertítulos: Boris Agapow; Música: Edmund Meisel, Dmitri Shostakovich; Direcção Musical: Frank Strobel; Fotografia: Eduard Tisse [preto e branco]; Montagem: Esfir Tobak; Direcção Artística: A. Alekseev, Vasili Kovrigin.
Elenco:
Nikolay Popov (Kerensky), Vasili Nikandrov (V. I. Lenine), Layaschenko (Konovalov), Chibisov (Skobolev), Boris Livanov (Terestsenko), Mikholyev (Kishkin), Nikolai Padvoisky (Bolchevique), Smelsky (Verderevsky), Eduard Tisse (Soldado Alemão).