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StachkaEm 1903, na Rússia czarista, os trabalhadores vivem sob a opressão das forças da ordem, em condições deploráveis de exploração. Por isso começam a organizar-se para reivindicar direitos e formar uma greve. Tudo se precipita quando um dos trabalhadores se suicida por ter sido acusado de ser ladrão pelos directores. A greve arrasta-se, com o activismo militante a encontrar eco por todo o lado, enquanto os patrões se recusam ceder. Entretanto os espiões fazem o seu trabalho sujo, enquanto ladrões são recrutados para infiltrar as zonas proletárias e lançar o caos, o qual será parado pela intervenção violenta do exército.

Análise:

“A Greve”, inicialmente concebido como uma série de sete episódios, acabou por se tornar a primeira longa-metragem de Sergei M. Eisenstein, ele que se tornaria figura de proa do cinema revolucionário da então jovem União Soviética. Não espanta por isso que o filme se inicie com uma citação de Lenine, o qual morrera no ano anterior: «A força da classe operária é a sua organização. Sem organização das massas, o proletário não é nada. Organizado é tudo. Ser organizado significa unidade na acção, unidade na actividade prática». É ainda de Lenine a famosa citação sobre o cinema «De todas as artes, para nós a mais importante é o cinema» que demonstra a importância dada pelo regime soviético à arte de narrar por imagens.

É imbuído desse espírito revolucionário (tanto ideológico como técnico) que Eisenstein se propõe a fazer “A Greve”, um filme que vai pegar nos últimos anos do czarismo, para confrontar as condições do povo de então, numa justificação para a citada organização do povo, no caminho para a ditadura to proletariado.

Como dito, trata-se também de uma revolução estética, onde Eisenstein nos brinda já com as imagens de marca da sua carreira. Por um lado temos o corte radical com o cinema ocidental, que é um cinema de personagens e heróis. Em Eisenstein o herói são as massas populares, a sua acção é sempre colectiva, e tende para uma transformação colectiva, nunca individual. Aliás, em “A Greve” a massa proletária funciona sempre como um corpo colectivo, e são os vilões da história (os proprietários a sua polícia e espiões) que nos surgem como personagens individuais.

Por outro lado destaca-se desde logo o poder da montagem, que Eisenstein domina com brilho, como discípulo de Lev Kuleshov. Como ele, Eisenstein valoriza a montagem como principal método de contar uma história (note-se como os intertítulos em “A Greve” surgem principalmente como legendas a introduzir algumas sequências, ou pequenas linhas de comentário, e raramente como diálogo elaborado). Com a montagem, num corte rápido que faz que os planos sejam em geral curtíssimos, Eisenstein conduz a narrativa guiando as nossas emoções através da combinação de imagens, expressões faciais, paralelismos às vezes simbólicos (o gado que é abatido enquanto os soldados carregam sobre os proletários; os administradores que espremem limões para a sua bebida, como quem espreme o povo), e uma forte noção de acção, proveniente dessa rápida sucessão de planos.

Usando os actores do Teatro dos Trabalhadores do Proletcult, “A Greve” divide-se em seis actos. O primeiro “Na fábrica está tudo sossegado”, mostra-se como espiões são recrutados para saber o que se passa entre os trabalhadores, os quais reúnem, num subir de tensões. O segundo “Razão para a greve” mostra como o roubo de um micrómetro leva a que um funcionário seja injustamente acusado, levando ao seu suicídio por enforcamento. A fábrica pára, os trabalhadores reúnem e atacam a fábrica com pedras, violentando mesmo um dos seus capatazes. No acto três, “A fábrica morre”, vemos animais, uma criança que acorda o pai, agora sem trabalho, e as instalações vazias. Crianças brincam às greves, imitando os adultos. Enquanto isso os administradores discutem as reivindicações e consideram-nas impossíveis, e a polícia carrega sobre os manifestantes. O acto quatro intitula-se “A greve arrasta-se” e mostra as dificuldades quando a comida falta, as discussões caseiras, e a venda de objectos caseiros. Enquanto isso um grevista é apanhado a roubar a declaração dos patrões a rejeitar as reivindicações, sendo preso e interrogado. Segue-se “Provocação e fracasso”, o quinto acto, no qual uma comunidade de foras-da-lei, liderados por um personagem intitulado “Rei”, que vive por entre ferro velho, é recrutada pela polícia para incendiar uma loja de bebidas, o que provoca o aparecimento dos bombeiros, que atacam a população com a pressão das suas mangueiras. Finalmente, no acto final, “Extermínio”, chegam os soldados que carregam sobre a população, escorraçando-os e matando-os barbaramente.

Logo na sua obra de estreia, Eisenstein conseguia um filme fortíssimo, de imagens marcantes e inesquecíveis, fazendo uso de todo o seu conhecimento da técnica de filmagem e montagem. Há o recurso a diversos detalhes técnicos, como os efeitos da montagem anteriormente descritos, com uso imaginativo do cross-cutting, uma enorme variedade de planos, os ângulos pouco convencionais, o travelling, e detalhes como a animação dos intertítulos para dramatizar uma palavra.

O resultado é uma obra de enorme intensidade, ritmo avassalador, e uma grande variedade de sentimentos (note-se que até bebés vemos serem atirados de varandas), no que se pretende narrar como a viagem de um proletariado oprimido, explorado, desprezado e por fim dizimado pelas forças czaristas a soldo dos grandes empresários.

É obviamente uma obra de forte teor propagandístico, mas nem por isso menos interessante, graças à força com que Eisenstein trata o seu material, com enorme realismo, e pelas soluções bastante inovadoras com que o apresenta, por contraste com o cinema polido e romantizado vindo do Ocidente.

Imagem de "A Greve" (Stachka / Стачка, 1925) de Sergei M. Eisenstein

Produção:

Título original: Stachka / Стачка [Título em inglês: Strike]; Produção: Goskino / Proletkult; País: URSS; Ano: 1925; Duração: 88 minutos; Estreia: 28 de Abril de 1925 (URSS).

Equipa técnica:

Realização: Sergei M. Eisenstein; Produção: Boris Mikhin; Argumento: Grigori Aleksandrov, Sergei M. Eisenstein, Ilya Kravchunovsky, Valerian Pletnev; Fotografia: Eduard Tisse [preto e branco]; Direcção Artística: Vasili Rakhals.

Elenco:

Maksim Shtraukh (Espião da Polícia), Grigori Aleksandrov (Capataz da Fábrica), Mikhail Gomorov (Operário), I. Ivanov (Chefe da Polícia), Ivan Klyukvin (Revolucionário), Aleksandr Antonov (Membro do Comité de Greve), Yudif Glizer (Rainha dos Ladrões), Anatoliy Kuznetsov, Vera Yanukova, Vladimir Uralsky, M. Mamin.

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