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Viskningar och ropNo final do século XIX, numa bonita mansão no campo, Agnes (Harriet Andersson) é uma mulher às portas da morta, em extremo sofrimento. É velada pela empregada Anna (Kari Sylwan ), e pelas irmãs Karin (Ingrid Thulin) e Maria (Liv Ullman), que esperam a sua morte. Nesse tempo juntas, as quatro mulheres entregam-se a memórias e confrontos que vão mostrando as tensões existentesentre elas, feitas de remorso, culpa, vergonha, solidão, incapacidade de comunicarem, e desejos inconfessados, presas a vidas que não as deixam viver e lhes trazem apenas frustração e dor.

Análise:

Depois do relativo fracasso de “O Amante” (Beröringen/The Touch, 1971), Ingmar Bergman voltava a filmar em sueco, mesmo continuando a ter em conta o mercado internacional. Desta vez via-se quase sozinho a financiar o seu novo filme, contando apenas com o apoio do Svenska Filminstitutet. Sem contrato para distribuição nos Estado Unidos, Bergman encontrou um improvável parceiro em Roger Corman, que havia deixado a AIP, e procurava filmes que trouxessem prestígio à sua nova companhia, New World Pictures.

Filmando novamente a cores, quase integralmente numa antiga mansão e seus jardins, Bergman leva-nos ao final do século XIX para nos mostrar a história de três irmãs, uma das quais está à beira da morte, por cancro. Esta é Agnes (Harriet Andersson), cujo sofrimento extremamente doloroso traz as visitas das irmãs Karin (Ingrid Thulin) e Maria (Liv Ullmann), que se juntam à fiel empregada Anna (Kari Sylwan) no velar dos últimos dias de Agnes. Por entre algumas confissões, revisitar de memórias, e o revelar de tensões entre todas, Agnes vai definhando, cada vez em maior sofrimento, fazendo com que as restantes mulheres se compadeçam dela, ao mesmo tempo que quase desejam a sua morte para que aquele pesadelo termine de vez.

É o regresso de Bergman a um drama psicológico que tem as mulheres no centro, um pouco a espelho do que fizera em “A Máscara” (Persona, 1966) de que “Lágrimas e Suspiros” é quase um sucessor. Como temas principais, a morte, a busca de contacto humano (seja ele presencial, ou apenas através de memórias), a vergonha e necessidade de perdão voltam a conferir a um filme de Bergman um caminho de busca religiosa, mas essa religião que não é instituicionalizada por nenhuma Igreja, sendo puramente bergmaniana, lidando com a nossa solidão universal, e buscas de sentido e redenção para com quem nos rodeia.

Tudo isto acontece num drama fortemente emocional, onde um sofrimento extremamente realista (Harriet Andersson num papel impressionante) é verdadeiramente chocante e perturbador. É com ele como pano de fundo (e com o vermelho que preenche todos os planos interiores, numa cor saturada que Bergman confessou ser para ele a cor da alma), que evoluem as tensões entre as diferentes mulheres.

Com momentos de flashback protagonizados por cada uma (sempre vestidas de branco, excepto no luto final), vemos Agnes lamentar a distância que em criança sentia em relação à mãe (também ela protagonizada por Liv Ullman); vemos Maria a recordar como traiu o marido (Henning Moritzen) com o médico da irmã (Erland Josephson), levando aquele quase ao suicídio; vemos Karin descrever-nos a sua fria vida matrimonial, onde o devaneio de se masturbar mutilando os órgãos genitais é um escape e uma repudia ao marido (Georg Årlin); vemos por fim Anna (que ainda sofre pela morte da filha, em criança) recordar a imcapacidade de as irmãs se darem umas às outras, do ódio velado de Karin e Maria à repulsa pelo toque mais próximo da moribunda Agnes, cuja dor só Anna conseguia mitigar, embalando-a contra o seu corpo nu, dando-se o seio como a uma criança, qual pietà.

Cada um destes flashbacks é-nos anunciado pelo dissolver em vermelho do rosto de uma das mulheres, como uma passagem para o interior da sua alma (note-se a este propósito a sequência em que Karin suja o seu rosto com o seu sangue). Em todas elas é o rosto que nos contempla (Bergman insiste nos planos ao espelho, onde este somos nós, e ele pretexto para sermos encarados pelas suas actrizes), em sequências longas, de monólogos ao jeito do teatro, e onde uma descrição visual dos rostos surge como mais uma tentativa de captar a alma. Estas são avanços e recuos, que nos mostram tanto a dor da solidão e afastamento, como a incapacidade de os ultrapassar em relações de desconfiança, dor, ódio e vergonha.

Apesar de simples, e quase minimalista, “Lágrimas e Suspiros” espanta pela intensidade que quase nos magoa, tal a força das interpretações das actrizes de Bergman. Fica sempre a ideia de que há muito mais em cada imagem que aquilo que nos é mostrado explicitamente, onde cada plano e olhar (m enquadramentos perfeitos e uma coreografia de câmara admirável) revelam mais sobre o interior que o exterior dos personagens, num filme que é de grandes planos, planos contemplativos, cheios de tempo e de subtileza.

No final, com as duas irmãs e maridos a deixarem a casa, depois de mais provas da frieza das suas emoções, que as faz parecer mais mortas que vivas, Bergman diz-nos “Assim terminaram as lágrimas e os suspiros”. Mas fica a ideia de que elas vieram para ficar, tendo apenas terminado a vida de Agnes, que Anna, num último momento ainda lê, descobrindo como ela confessa que este tempo passado com as irmãs, apesar da doença, foi o melhor da sua vida.

Muito apreciado, quer pela crítica, quer pelo público, “Lágrimas e Suspiros” receberia cinco nomeações aos Oscars, incluindo a de Melhor Filme, tendo ganho o Oscar de Melhor Fotografia (Sven Nykvist). Recebeu ainda inúmeras outras nomeações e prémios como nos Globos de Ouro, nos David di Donatello da Academia Italiana ou nos suecos Guldbagge.

Como curiosidade acrescente-se que a mazurka de Chopin que se ouve repetidamente, é interpretada por Käbi Laretei, esposa de Bergman. E o filme foi dedicado à mãe do realizador, também ela chamada Karin, como a personagem de Ingrid Thulin.

Liv Ullman e Ingrid Thulin em "Lágrimas e Suspiros" (Viskningar och rop, 1972) de Ingmar Bergman

Produção:

Título original: Viskningar och rop [Título inglês: Cries and Whispers]; Produção: Cinematograph AB / Svenska Filminstitutet (SFI); País: Suécia; Ano: 1972; Duração: 91 minutos; Distribuição: New World Pictures (EUA), Svensk Filmindustri (SF) (Suécia); Estreia: 21 de Dezembro de 1972 (EUA), 5 de Março de 1973 (Suécia), 18 de Dezembro de 1973 (Cinemas Apolo 70 e Pathé, Portugal).

Equipa técnica:

Realização: Ingmar Bergman; Produção: Ingmar Bergman, Lars-Owe Carlberg; Argumento: Ingmar Bergman; Música: Johan Sebastian Bach, Frédéric Chopin; Fotografia: Sven Nykvist [cor por Eastmancolor]; Montagem: Siv Lundgren; Design de Produção: Marik Vos-Lundh; Figurinos: Marik Vos-Lundh; Caracterização: Cecilia Drott, Britt Falkemo, Börje Lundh.

Elenco:

Harriet Andersson (Agnes), Kari Sylwan (Anna), Ingrid Thulin (Karin), Liv Ullmann (Maria / Mãe), Anders Ek (Isak, o Padre), Inga Gill (Narração), Erland Josephson (David, o Médico), Henning Moritzen (Joakim, Marido de Maria), Georg Årlin (Fredrik, Marido de Karin).

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