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Anders Ek, Cinema, Cinema sueco, Drama, Erland Josephson, Georg Årlin, Harriet Andersson, Henning Moritzen, Inga Gill, Ingmar Bergman, Ingrid Thulin, Kari Sylwan, Liv Ullmann
No final do século XIX, numa bonita mansão no campo, Agnes (Harriet Andersson) é uma mulher às portas da morta, em extremo sofrimento. É velada pela empregada Anna (Kari Sylwan ), e pelas irmãs Karin (Ingrid Thulin) e Maria (Liv Ullman), que esperam a sua morte. Nesse tempo juntas, as quatro mulheres entregam-se a memórias e confrontos que vão mostrando as tensões existentesentre elas, feitas de remorso, culpa, vergonha, solidão, incapacidade de comunicarem, e desejos inconfessados, presas a vidas que não as deixam viver e lhes trazem apenas frustração e dor.
Análise:
Depois do relativo fracasso de “O Amante” (Beröringen/The Touch, 1971), Ingmar Bergman voltava a filmar em sueco, mesmo continuando a ter em conta o mercado internacional. Desta vez via-se quase sozinho a financiar o seu novo filme, contando apenas com o apoio do Svenska Filminstitutet. Sem contrato para distribuição nos Estado Unidos, Bergman encontrou um improvável parceiro em Roger Corman, que havia deixado a AIP, e procurava filmes que trouxessem prestígio à sua nova companhia, New World Pictures.
Filmando novamente a cores, quase integralmente numa antiga mansão e seus jardins, Bergman leva-nos ao final do século XIX para nos mostrar a história de três irmãs, uma das quais está à beira da morte, por cancro. Esta é Agnes (Harriet Andersson), cujo sofrimento extremamente doloroso traz as visitas das irmãs Karin (Ingrid Thulin) e Maria (Liv Ullmann), que se juntam à fiel empregada Anna (Kari Sylwan) no velar dos últimos dias de Agnes. Por entre algumas confissões, revisitar de memórias, e o revelar de tensões entre todas, Agnes vai definhando, cada vez em maior sofrimento, fazendo com que as restantes mulheres se compadeçam dela, ao mesmo tempo que quase desejam a sua morte para que aquele pesadelo termine de vez.
É o regresso de Bergman a um drama psicológico que tem as mulheres no centro, um pouco a espelho do que fizera em “A Máscara” (Persona, 1966) de que “Lágrimas e Suspiros” é quase um sucessor. Como temas principais, a morte, a busca de contacto humano (seja ele presencial, ou apenas através de memórias), a vergonha e necessidade de perdão voltam a conferir a um filme de Bergman um caminho de busca religiosa, mas essa religião que não é instituicionalizada por nenhuma Igreja, sendo puramente bergmaniana, lidando com a nossa solidão universal, e buscas de sentido e redenção para com quem nos rodeia.
Tudo isto acontece num drama fortemente emocional, onde um sofrimento extremamente realista (Harriet Andersson num papel impressionante) é verdadeiramente chocante e perturbador. É com ele como pano de fundo (e com o vermelho que preenche todos os planos interiores, numa cor saturada que Bergman confessou ser para ele a cor da alma), que evoluem as tensões entre as diferentes mulheres.
Com momentos de flashback protagonizados por cada uma (sempre vestidas de branco, excepto no luto final), vemos Agnes lamentar a distância que em criança sentia em relação à mãe (também ela protagonizada por Liv Ullman); vemos Maria a recordar como traiu o marido (Henning Moritzen) com o médico da irmã (Erland Josephson), levando aquele quase ao suicídio; vemos Karin descrever-nos a sua fria vida matrimonial, onde o devaneio de se masturbar mutilando os órgãos genitais é um escape e uma repudia ao marido (Georg Årlin); vemos por fim Anna (que ainda sofre pela morte da filha, em criança) recordar a imcapacidade de as irmãs se darem umas às outras, do ódio velado de Karin e Maria à repulsa pelo toque mais próximo da moribunda Agnes, cuja dor só Anna conseguia mitigar, embalando-a contra o seu corpo nu, dando-se o seio como a uma criança, qual pietà.
Cada um destes flashbacks é-nos anunciado pelo dissolver em vermelho do rosto de uma das mulheres, como uma passagem para o interior da sua alma (note-se a este propósito a sequência em que Karin suja o seu rosto com o seu sangue). Em todas elas é o rosto que nos contempla (Bergman insiste nos planos ao espelho, onde este somos nós, e ele pretexto para sermos encarados pelas suas actrizes), em sequências longas, de monólogos ao jeito do teatro, e onde uma descrição visual dos rostos surge como mais uma tentativa de captar a alma. Estas são avanços e recuos, que nos mostram tanto a dor da solidão e afastamento, como a incapacidade de os ultrapassar em relações de desconfiança, dor, ódio e vergonha.
Apesar de simples, e quase minimalista, “Lágrimas e Suspiros” espanta pela intensidade que quase nos magoa, tal a força das interpretações das actrizes de Bergman. Fica sempre a ideia de que há muito mais em cada imagem que aquilo que nos é mostrado explicitamente, onde cada plano e olhar (m enquadramentos perfeitos e uma coreografia de câmara admirável) revelam mais sobre o interior que o exterior dos personagens, num filme que é de grandes planos, planos contemplativos, cheios de tempo e de subtileza.
No final, com as duas irmãs e maridos a deixarem a casa, depois de mais provas da frieza das suas emoções, que as faz parecer mais mortas que vivas, Bergman diz-nos “Assim terminaram as lágrimas e os suspiros”. Mas fica a ideia de que elas vieram para ficar, tendo apenas terminado a vida de Agnes, que Anna, num último momento ainda lê, descobrindo como ela confessa que este tempo passado com as irmãs, apesar da doença, foi o melhor da sua vida.
Muito apreciado, quer pela crítica, quer pelo público, “Lágrimas e Suspiros” receberia cinco nomeações aos Oscars, incluindo a de Melhor Filme, tendo ganho o Oscar de Melhor Fotografia (Sven Nykvist). Recebeu ainda inúmeras outras nomeações e prémios como nos Globos de Ouro, nos David di Donatello da Academia Italiana ou nos suecos Guldbagge.
Como curiosidade acrescente-se que a mazurka de Chopin que se ouve repetidamente, é interpretada por Käbi Laretei, esposa de Bergman. E o filme foi dedicado à mãe do realizador, também ela chamada Karin, como a personagem de Ingrid Thulin.
Produção:
Título original: Viskningar och rop [Título inglês: Cries and Whispers]; Produção: Cinematograph AB / Svenska Filminstitutet (SFI); País: Suécia; Ano: 1972; Duração: 91 minutos; Distribuição: New World Pictures (EUA), Svensk Filmindustri (SF) (Suécia); Estreia: 21 de Dezembro de 1972 (EUA), 5 de Março de 1973 (Suécia), 18 de Dezembro de 1973 (Cinemas Apolo 70 e Pathé, Portugal).
Equipa técnica:
Realização: Ingmar Bergman; Produção: Ingmar Bergman, Lars-Owe Carlberg; Argumento: Ingmar Bergman; Música: Johan Sebastian Bach, Frédéric Chopin; Fotografia: Sven Nykvist [cor por Eastmancolor]; Montagem: Siv Lundgren; Design de Produção: Marik Vos-Lundh; Figurinos: Marik Vos-Lundh; Caracterização: Cecilia Drott, Britt Falkemo, Börje Lundh.
Elenco:
Harriet Andersson (Agnes), Kari Sylwan (Anna), Ingrid Thulin (Karin), Liv Ullmann (Maria / Mãe), Anders Ek (Isak, o Padre), Inga Gill (Narração), Erland Josephson (David, o Médico), Henning Moritzen (Joakim, Marido de Maria), Georg Årlin (Fredrik, Marido de Karin).