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Bibi Andersson, Cinema, Cinema sueco, Drama, Erik Hell, Erland Josephson, Ingmar Bergman, Liv Ullman, Max Von Sydow
Andreas Winkelman (Max von Sydow) é um homem que vive isolado numa casa de campo, depois de um doloroso divórcio. Um encontro com Anna (Liv Ullman), uma mulher em desespero com a morte do marido e do filho, desperta nele a curiosidade. Tendo como amigos comuns o casal em conflito Eva (Bibi Andersson) e Elis Vergérus (Erland Josephson), Andreas e Anna acabam por se apaixonar e decidem viver juntos, mas cedo percebem não estão em condições de se darem um ao outro. Enquanto isso uma figura misteriosa vai assassinando barbaramente os animais das redondezas.
Análise:
Novamente através da sua Cinematograph AB, inteiramente na sua propriedade na ilha Fårö, junto a Gotland, mas desta vez a cores (apenas o seu segundo filme colorido até então), Ingmar Bergman filmou “Paixão”, mais uma história de desencanto, como ensaio de desilusão e incapacidade de encontro de seres humanos, que o realizador levou a cabo na sequência da sua separação da protagonista, Liv Ullman, de quem fora amante por breves anos.
Com um pequeno número de actores, o filme centra-se na figura de Andreas Winkelman (Max von Sydow), um homem desiludido com a sociedade, depois de um doloroso divórcio, que o faz viver isolado, sem querer amarras com o mundo exterior. Um encontro fortuito com Anna (Liv Ullman), uma mulher em desespero com uma relação anterior, que culminou na morte, por acidente do marido (também chamado Andreas) e do filho, desperta nele a curiosidade. Essa curiosidade leva-o a ceder aos convites do casal Eva (Bibi Andersson) e Elis Vergérus (Erland Josephson), para que passe tempo com eles, para fazer companhia à convidada Anna. Depois de Andreas se deixar seduzir pela anfitriã Eva, e dtestemunhar o mau estar entre esta e o marido, acaba por se apaixonar por Anna e os dois decidem viver juntos. Mas cedo percebem que as amarguras que carregam não os deixam transpor as barreiras que criaram para se defenderem. A incapacidade de comunicação e falta de vontade de se darem vai afastá-los pouco a pouco.
Partindo do casal Max von Sydow/Liv Ullman, juntos pela terceira vez, depois de “A Hora do Lobo” (Vargtimmen, 1968) e de “A Vergonha” (Skammen, 1968), filmes com os quais “A Paixão” tem nítidos pontos de contacto, Bergman dá-nos mais uma visão de seres que se desligam da sua realidade, para viverem uma vida de alienação, que aos poucos os faz esquecer quem são (note-se por exemplo como Andreas tem o mesmo nome do primeiro marido de Anna, sendo, nos diálogos, por vezes confundido com ele). Nesse aspecto, “Paixão” deriva também de “A Máscara” (Persona, 1966), onde a identidade e a alienação são temas base.
Filmando de novo em Fårö, Bergman usa a paisagem rural como sinónimo de distância e isolamento, que são tanto geográficos como emocionais. Com um Max von Sydow a lutar para não ter expressão, e uma Liv Ullman poço de fragilidade terna, com força de um vulcão à beira de erupção, se não atentarmos nos detalhes biográficos dos protagonistas, quase acreditamos estarmos a ver de novo “A Vergonha”. Andreas e Anna podiam bem ser o casal desse filme, parecem viver no mesmo local, ter o mesmo tipo de relacionamento e personalidades e, para que a ligação seja mais clara, o sonho de Anna (a preto e branco) começa exactamente onde “A Vergonha” terminava (no barco à deriva), e onde, lembremo-nos, a personagem de Liv Ullman dizia acreditar que tudo aquilo fosse o sonho de outra pessoa. Tal como em “A Hora do Lobo”, há sempre algo de irreal, onde os outros são vistos como predadores intrusivos (Elis, o cínico, que colecciona fotos como troféus de caça, parece uma repetição do seu papel nesse filme. Eva, a pretensa frágil que usa a sua sensualidade como arma de conquista, traindo o marido com Andreas, lembra o que a personagem de Ingrid Thulin fizera naquele filme com os mesmos Erland Josephson e Max von Sydow).
Esse irrealismo é-nos quase atirado à cara em quatro curtas entrevistas em que os actores falam dos seus personagens, quebrando propositadamente a suspension of desbelief. Se para Bergman filme é sonho, ao fazer esta osmose de actores e personagens, ligando filmes e personalidades, Bergman diz-nos que cada filme é um pedaço de outro filme, e cada personagem percorre mais que um filme, como se nos apresentasse figuras perenes, que vão surgindo em diferentes obras, as quais se explicam umas às outras.
Mas “Paixão” é sobretudo mais um ensaio sobre a incapacidade de comunicar, de vencer barreiras internas e de duas pessoas se tocarem verdadeiramente. Se o tema já fora várias vezes abordado por Bergman, o que talvez mais destaque o filme e 1969 é a candura que sentimos nos dois protagonistas, cujas fragilidades e sinceridade nos comovem mais que o habitual com os personagens bergmanianos.
Usando uma grande dose de improvisação nos diálogos, e dando-nos a sentir uma forte presença de um existencialismo bastante pessimista, Bergman usa a narração em off para criar mais distância, como se olhássemos os seres humanos em causa como ratos de laboratório. Com dores passadas, de desilusão, vergonha, humilhação, e incapacidade de olhar de frente os seus males, Andreas e Anna estão condenados ao fracasso, como figuras masoquistas num destino que é sadicamente traçado pelo seu autor (não o Deus em que Eva crê, inspirado num livro de infância, mas o próprio Bergman, amargurado e desiludido).
Como forma de nos perturbar ainda mais os sentidos, Bergman termina o enredo com violentos crimes contra animais, o relato de um espancamento e um misterioso incêndio. Se noutras ocasiões as adversidades juntariam um casal, em “A Paixão” tal é perfeitamente secundário, não evitando o corte final, com o carro de Anna a afastar-se e Andreas, deambulando como tigre enjaulado, no meio do vazio. O carácter frio e existencialista da obra fica bem vincado na última frase do narrador-Bergman «desta vez o nome dele era Andreas Winkelman».
Como curiosidade note-se que quando Andreas pede para ver uma foto do primeiro marido de Anna, o rosto na foto é o de Birger Malmsteen, o actor por excelência da primeira fase da carreira de Bergman.
O filme valeu a Bergman o prémio de Melhor Realizador da National Society of Film Critics.
Produção:
Título original: En Passion [Título inglês: The Passion of Anna]; Produção: Svensk Filmindustri (SF) / Cinematograph AB; País: Suécia; Ano: 1969; Duração: 97 minutos; Distribuição: United Artists (EUA); Estreia: 10 de Novembro de 1969 (Suécia), 13 de Maio de 1971 (Portugal).
Equipa técnica:
Realização: Ingmar Bergman; Produção: Lars-Owe Carlberg; Argumento: Ingmar Bergman; Fotografia: Sven Nykvist [cor por Eastmancolor, e preto e branco]; Montagem: Siv Lundgren; Design de Produção: P. A. Lundgren; Figurinos: Mago; Caracterização: Cecilia Drott, Börje Lundh; Direcção de Produção: Lars-Owe Carlberg.
Elenco:
Max von Sydow (Andreas Winkelman), Liv Ullmann (Anna Fromm), Bibi Andersson (Eva Vergérus), Erland Josephson (Elis Vergérus), Erik Hell (Johan Andersson), Sigge Fürst (Verner), Ingmar Bergman (Narrador, voz) [não creditado].