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Alexander Sokurov, Biopic, Cinema, Cinema russo, Drama, Hirohito, Issei Ogata, Kaori Momoi, Robert Dawson, Segunda Guerra Mundial, Shinmei Tsuji, Shirô Sano
1945, final da Segunda Guerra Mundial. Depois das bombas atómicas de Hiroxima e Nagasaki, os EUA entram no Japão para negociar a capitulação incondicional do Império do Sol Nascente. No bunker do seu palácio, o imperador Hirohito (Issey Ogata) espera ser chamado, mantendo uma rotina e dignidade imperturbável, dedicado aos seus afazeres quotidianos, tratado por um staff que o vê como uma divindade. Mas Hirohito sabe que tudo está a ruir, do se estatuto pessoal ao destino da sua nação.
Análise:
Depois dos seus filmes “Moloch” (Molokh 1999), sobre Adolf Hitler, e “Taurus” (Telets, 2001), sobre Lenine, Alexander Sokurov continuava a sua tetralogia do poder com o tomo sobre o imperador japonês Hirohito, “O Sol”. Foi um filme falado maioritariamente em japonês, com actores japoneses, e partindo de uma co-produção de vários países, que não envolveu o Japão, pois a ideia de representar um imperador japonês no cinema é uma espécie de tabu, já que ele é visto, por alguns sectores mais conservadores, como uma divindade.
Através de um retrato muito contemplativo, assistimos ao dia a dia de Hirohito (Issey Ogata), após a capitulação japonesa na Segunda Guerra Mundial, esperando a chegada das tropas norte-americanas, e o destino que lhe está reservado. Hirohito vive num bunker abaixo do seu palácio, sozinho com os serviçais mais próximos, tendo enviado a família imperial para longe de Tóquio. No palácio, Hirohito preside a reuniões do seu governo, mas dedica-se, principalmente aos seus hobbies, como o estudo de biologia, ou a colecção de fotos antigas. Com a chegada dos americanos, Hirohito é chamado pelo General MacArthur (Robert Dawson), e acede a ser fotografado pela imprensa americana, para que o vejam como uma pessoa normal, não demonizada.
Desde os protocolos extremos que levam a que todos o tratem como o Deus que crêem ser, Hirohito, com todas as suas idiossincrasias e vícios de educação, mostra uma grande sensibilidade na forma como trata os outros. Denota-se, talvez, alguma admiração de Sokurov que, embora parecendo mostrar um homem completamente alheado da realidade, o coloca, contudo, a ter um papel importante e sábio na pacificação do seu país. Isso vê-se no modo como se deixa fotografar (quase humilhar, por uma multidão que o compara a Charlie Chaplin), como conversa com MacArthur (a quem assegura que nunca conheceu Hitler), como renuncia ao estatuto divino, para descansar os aliados, como critica a arrogância japonesa que levou à derrota, e como se foca em assuntos banais, para dar a sensação de que tudo está resolvido e interessa agora olhar o futuro.
Sokurov disse que era a personalidade, e não o contexto político, que lhe interessava, por isso o seu filme não procura explicar nada, nem muito menos julgar o papel do imperador na guerra. Apenas se tenta mostrar quem era o homem que uma nação seguia, como vivia os seus dias, e como funcionava o seu círculo mais próximo. O resultado pode espantar pela estranheza e simplicidade, mas ao mesmo tempo cativa pela elegância e detalhe das imagens, nos habituais longos planos-sequência do realizador, e detalhe clássico do cenário.
De lado ficam os julgamentos, os tratados, as conversações, os avanços pela paz, o comportamento do seu gabinete. Temos ecos de um suicídio de honra, e vemos os americanos como donos e senhores de uma situação já resolvida. Tudo o resto fica nas entrelinhas. O que vemos é um homem de leitura difícil, dado a rituais rígidos, e habituado a ser venerado, que tentamos conhecer pelos gestos e do qual temos apenas palavras enigmáticas. Vêmo-lo em rotinas fixas, dado à poesia, biologia, história familiar, crente no progresso e com vontade de aprender com os grandes nomes internacionais (veja-se a sua admiração por Darwin).
É talvez um retrato demasiado benévolo, branqueando o papel activo de Hirohito na mobilização do seu povo, e conivência com os métodos usados na guerra, mas que, afinal, pretende apenas chamar a atenção para a existência de um homem, com tudo o que este carrega de tradição, cultura e expectativa do seu povo. Nesse sentido, “O Sol” é um retrato de solidão, de um homem que, por se pretender acima dos restantes, tinha agora que descer sozinho, e incompreendido, para assim os salvar.
O filme é sobretudo a interpretação forte de Issey Ogata, que com os seus maneirismos, pausas e tom de voz, domina cada momento, fazendo-nos sentir uma reverência que espelha a dos súbditos do imperador. Ogata só teve o seu nome revelado quando o filme estava pronto, com medo de represálias da parte de extremistas japoneses, pela afronta que era colocar o imperador no cinema. Por essa razão, o filme nunca teve distribuição comercial no Japão.
Produção:
Título original: Solntse / Солнце; Produção: Nikola Film / Proline Film / Downtown Pictures / MACT Productions / Riforma Films; Produtor Executivo: Evgeniy Grigorev; País: Rússia / Itália, Suíça / França; Ano: 2005; Duração: 111 minutos; Distribuição: Istituto Luce (Itália) / Artificial Eye (Reino Unido) / Océan Films (França); Estreia: 17 de Fevereiro de 2005 (Festival Internacional de Berlim, Alemanha).
Equipa técnica:
Realização: Alexander Sokurov; Produção: Igor Kalyonov, Marco Mueller, Andrey Sigle, Alfonso Cucci (Itália); Co-Produção: Alexander Rodnyansky, Antoine de Clermont-Tonnerre, Andrei Zertsalov; Produtor Associado: Viviana Queirolo-Bertoglio; Argumento: Yuriy Arabov, Jeremy Noble; Música: Andrey Sigle; Fotografia: Alexander Sokurov; Montagem: Sergey Ivanov; Design de Produção: Elena Zhukova; Figurinos: Lidiya Kryukova, Rossella Procaccini (Itália); Caracterização: Zhanna Rodionova; Efeitos Visuais: Alexey Gusev.
Elenco:
Issei Ogata (Imperador Shouwa-Tennou Hirohito), Robert Dawson (General Douglas MacArthur), Kaori Momoi (Imperatriz Kojun), Shirô Sano (Camareiro), Shinmei Tsuji (Velho Criado), Taijirô Tamura (Cientista), Georgiy Pitskhelauri (Oficial de McArthur), Hiroya Morita (Suzuki, Primeiro-ministro), Toshiaki Nishizawa (Yonai, Ministro da Marinha), Naomasa Musaka (Anami – Ministro da Guerra), Yusuke Tozawa (Kido), Kôjirô Kusanagi (Togo, Ministro dos Negócios Estrangeiros), Tetsuro Tsuno (General Umezu), Rokuro Abe (General Toyoda), Jun Haichi (Abe, Ministro do Interior).