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Andrew Keir, Antigo Egipto, Bíblico, Cesare Danova, Cinema, Cleópatra, Drama, Elizabeth Taylor, Filme de época, Filme Histórico, Hume Cronyn, Império Romano, Júlio César, Martin Landau, Rex Harrison, Richard Burton, Roddy McDowall
Com a vitória sobre Pompeu em 48 a.C., Júlio César (Rex Harrison) viaja para pacificar as conquistas romanas, deparando com Cleópatra (Elizabeth Taylor), a carismática rainha do Egipto. Conquistando-a e sendo conquistado por ela, César alimenta o sonho de ser um novo Alexandre, dando-lhe mesmo um filho. Só que em Roma a oposição cresce, e César é assassinado em 44 a.C. Mortos os assassinos, as províncias romanas são divididas, e o Egipto cabe agora a Marco António (Richard Burton), antigo braço direito de César. Mais uma vez, um general romano é conquistado pela beleza e carisma de Celópatra que tenta que António dê seguimento ao sonho de César. Só que isso coloca-o em rota de colisão com as tropas de Roma comandadas por Octávio (Roddy McDowall) o sobrinho-neto e herdeiro de César.
Análise:
“Cleópatra” ficará para sempre na história do cinema como o filme que praticamente levou a Twentieth Century-Fox à falência, ajudando a espetar mais um decisivo prego no caixão do studio system que vinha definhando há uma década. Se era verdade que após o advento da televisão, o público deixava as salas de cinema, e que com o veredicto do caso Paramount (1948), o sistema que dava às grandes produtoras o controlo dos três sectores do mercado (produção, distribuição e exibição) se tornara ilegal, estas lutavam com os meios que tinham para se manterem à tona.
Um dos mais vistosos foi a aposta no grande espectáculo, com super-produções milionárias (de cenários e guarda-roupa faustosos, milhares de figurantes, e cenas de acção mirabolante), histórias épicas de temas universais, o regresso da cor e a adopção do ecrã panorâmico. Se essa fórmula (geralmente usando as maiores estrelas de Hollywood, e recorrendo a locais, estúdios e técnicos de Itália e Espanha pelo seu baixo custo), deu resultados, como filmes dos mais apreciados se sempre no seu tempo, um dia a bolha rebentou. Esse dia foi o dia de estreia de “Cleópatra”.
Embora hoje isto pareça distante, tudo no filme estava votado ao fracasso. Para começar, os cenários foram construídos em Londres, e depois abandonados quando se mudou a produção para Itália. Ao mesmo tempo, o realizador Robert Mamoulian, que já supervisionara várias versões do argumento, e trabalhara com vários argumentistas, abandonou o projecto. Para o seu lugar chegou Joseph L. Mankiewicz, um homem habituado a filmes de outra escala, onde a dinâmica de actores em ambientes minimalistas era a sua imagem de marca. De repente Mankiewicz herdava um projecto já acima do orçamento previsto, e sem elenco, uma vez que os previstos Peter Finch (César) e Stephen Boyd (António) não chegaram a juntar-se à produção.
Foram então contratados Elizabeth Taylor (a contas com uma recuperação a uma traqueostomia, que atrasou a produção mais seis meses) e Richard Burton, os quais iniciariam uma polémica relação amorosa que faria as delícias da imprensa sensacionalista. A equipa continuou a mudar (argumentistas, director de fotografia, direcção artística), nunca se chegando a um argumento definitivo e conciso. Por fim, foi necessário ainda filmar em Espanha. Mankiewicz acabou com um filme de cerca de quatro horas que tentou dividir em dois filmes distintos (“Caesar and Cleopatra” e “Antony and Cleopatra”). Tal não seria aceite, e uma nova montagem levou ao resultado final de 193 minutos que chegou aos cinemas, embora mais tarde fosse editado para VHS numa versão de 248 minutos, e outras intermédias tenham acabado a circular em diferentes países.
Escândalos à parte, “Cleópatra” traz-nos a segunda metade do século I a.C., período da história de Roma em que Júlio César (Rex Harrison) primeiro, e Marco António (Richard Burton) depois, entraram em contacto com a rainha do Egipto (Elizabeth Taylor), se deixaram seduzir por ela, e passaram a ter a sua vida posterior (e com ela a história de Roma) influenciada pelos desígnios e interacção com a bela Cleópatra.
O filme inicia-se com a vitória de César na guerra civil sobre Pompeu (Batalha de Farsalo, em 48 a.C), e a sua chegada a Alexandria, para pôr termo a uma disputa entre os dois irmãos que partilham o trono. Aí, decide que Cleópatra deve reinar sozinha, para o que César aceita lutar contra as tropas do jovem Ptolomeu XIII (Richard O’Sullivan) que representa um Egipto mais tradicional. César permanece algum tempo em Alexandria, vivendo uma relação amorosa com Cleópatra, que o fascina tanto quanto dela desconfia. O resultado é um filho, Cesárion, cujo nascimento causa mal-estar em Roma.
Em Roma, César (entretanto ditador vitalício) vê as suas posições defendidas pelo seu protegido Marco António, quando no senado se teme que César esteja a sucumbir aos modos orientais e queira vir a transformar Roma numa decadente monaquia. A oposição cresce em termina no assassinato de César em Março de 44 a.C., e a consequente guerra para punir os assassinos Bruto (Kenneth Haigh) e Cássio (John Hoyt). Finda a perseguição, forma-se novo triunvirato, com Octávio (Roddy McDowall), sobrinho-neto e filho adoptivo de César, a ficar com Roma e a Europa Ocidental, Lépido com África, e Marco António com o Oriente, incluindo, claro, o Egipto.
Tal como acontecera com César, Marco António vai ser seduzido por Cleópatra que, no entanto, não vê nele a grandeza de César, que era o seu veículo para a construção do sonho de Alexandre o Grande, uma nação, uma língua, num mundo pacificado e sem guerras. Sempre impelido por Cleópatra, Marco António vai desafiar Roma, entrando em colisão com Octávio. O confronto bélico dá-se na derrota monumental da batalha naval de Ácio (31 a.C.), que leva à fuga de Cleópatra e à quase morte de Marco António.
Regressado a Alexandria, Marco António não consegue perdoar Cleópatra, por o ter abandonado, por o ter sempre pressionado, e por não acreditar nele como estando à altura de César e Alexandre. É neste clima de acusações e dor que as tropas romanas chegam, e as de António o abandonam. Tanto a rainha como o triúnviro se suicidam em 30 a.C., para evitar uma última humilhação pública.
Sem dúvida com muita matéria para explorar, o filme de Mankiewicz fica sempre preso numa dúvida. Ser um épico de batalhas grandiosas, ou um drama de diálogos palacianos ao estilo de Shakespeare. Embora, seguramente, a produtora apontasse o primeiro caminho, Mankiewciz, dada a sua carreira de argumentista e criador de elaborados confrontos verbais e sentimentais, puxou sempre para a segunda vertente. É verdade que “Cleópatra” tem um pouco de tudo (como não, num filme tão extenso?), num filme que são quase dois.
Com sequências elaboradas, quer de batalhas, desfiles (como e entrada de Cleópatra em Roma) e cenários inesquecíveis, o filme fica, ainda assim, na memória, pelos extensos confrontos de Elizabeth Taylor, quer com Rex Harrisson, quer, principalmente com Richard Burton.
Se o confronto de César e Cleópatra surge como algo fresco, de duas mentes que se testam e digladiam quase pelo prazer de conquistar e descobrir o outro (a entrada de Cleópatra, embrulhada num tapete é de antologia), já a interacção entre Cleópatra e Marco António aparece como algo decadente, votado ao infortúnio, como o mostram todos os diálogos entre ambos. Cleópatra começa por parecer frágil aos olhos de António, após o assassinato de César. Torna-se depois orgulhosa, no modo como o vai trazendo de volta, com jogos diplomáticos, como a viagem a Tarso, em que o recebe «no Egipto», isto é no seu barco. Vai finalmente manipulá-lo, e com isso conseguir tanto a sua submissão como o seu desprezo, numa relação que parece tanto de amor como de ódio, tanto de respeito como de medo. Já com mais amargura que amor, os últimos dias do casal são pesados, com cada um a ver no outro razões para frustração e desgosto.
Muito do filme é, por isso, feito desses confrontos de personalidades, que, um pouco exageradamente, nos tentam mostrar como foi Cleópatra a peça fundamental dos destinos de Roma naquelas duas décadas (se o foi para Marco António, não o terá sido tanto para César quanto o filme procura convencer-nos). O filme está, aliás cheio de erros históricos. Octávio não foi senador antes da morte de César; Cícero retirou-se da vida política antes de César ser proclamado ditador; um ditador não necessitava de ver as suas leis ratificadas pelo senado; nunca existiu tal entrada triunfal de Cleópatra em Roma; etc.
Não terá sido por nada disto que o filme fracassou, mas sim pela sua incapacidade de se decidir entre filme de aventuras ou drama shakespeariano. O produto final, longo, como já referido, mostra uma história com dificuldade em avançar, e onde, se bem que bem servida por interpretações intensas de Elizabeth Taylor e Richard Burton (principalmente ela, sempre com conta peso e medida entre emoção e manipulação racional, para além de deslumbrar num guarda-roupa impressionante e cenas de semi-nudez), não se mostrou consistente na forma de usar os seus trunfos.
Mesmo sendo frequentemente pisado pelos críticos, e não parecer agradar a ninguém, considerado um erro de ênfase, ritmo e decisões de montagem, o filme foi nomeado para dez Oscars (e quatro Globos de Ouro), tendo ganho quatro (Fotografia, Guarda-roupa, Direcção Artística, e Efeitos Especiais). Tal não evitaria o fracasso comercial, e consequente exposição da política arriscada das grandes produtoras com os seus orçamentos gigantescos, quando o público começava a preferir um outro tipo de cinema. Era o fim anunciado da velha Hollywood.
Produção:
Título original: Cleopatra; Produção: Twentieth Century-Fox Film Corporation / MCL Films S.A. / Walwa Films S.A.; Produtor Executivo: Peter Levathes [não creditado]; País: EUA / Reino Unido / Suíça; Ano: 1963; Duração: 241 minutos; Distribuição: Twentieth Century-Fox Film Corporation; Estreia: 12 de Junho de 1963 (EUA), 22 de Outubro de 1963 (Portugal).
Equipa técnica:
Realização: Joseph L. Mankiewicz, Rouben Mamoulian [não creditado]; Produção: Walter Wanger; Argumento: Joseph L. Mankiewicz, Ranald MacDougall, Sidney Buchman, Ben Hecht [não creditado] [baseado em textos de Plutarco, Suetónio e Apiano, e no livro “The Life and Times of Cleopatra” de Carlo Mario Franzero]; Música: Alex North; Fotografia: Leon Shamroy, Jack Hildyard [não creditado] [cor por DeLuxe]; Montagem: Dorothy Spencer, Elmo Williams [não creditado]; Design de Produção: John DeCuir; Direcção Artística: Jack Martin Smith, Hilyard M. Brown, Herman A. Blumenthal, Elven Webb, Maurice Pelling, Boris Juraga; Cenários: Walter M. Scott, Paul S. Fox, Ray Moyer; Figurinos: Irene Sharaff (Elizabeth Taylor), Vittorio Nino Novarese (homens), Renié (Mulheres); Caracterização: Alberto De Rossi, Robert J. Schiffer [não creditado]; Efeitos Especiais: Johnny Borgese [não creditado]; Efeitos Visuais: L.B. Abbott, Emil Kosa Jr.; Coreografia: Hermes Pan; Director de Produção: Forrest E. Johnston, C.O. Erickson.
Elenco:
Elizabeth Taylor (Cleópatra), Richard Burton (Marco António), Rex Harrison (Júlio César), Pamela Brown (Sacerdotiza), George Cole (Flávio), Hume Cronyn (Sosigenes), Cesare Danova (Apolodoro), Kenneth Haigh (Bruto), Andrew Keir (Agripa), Martin Landau (Rufio), Roddy McDowall (Octávio – Caesar Augustus), Robert Stephens (Germânico), Francesca Annis (Eiras), Grégoire Aslan (Pothinus), Martin Benson (Ramos), Herbert Berghof (Theodotos), John Cairney (Febo), Jacqueline Chan (Lotos), Isabel Cooley (Charmian), John Doucette (Achillas), Andrew Faulds (Canidius), Michael Gwynn (Cimber), Michael Hordern (Cícero), John Hoyt (Cássio), Marne Maitland (Euphranor), Carroll O’Connor (Casca), Richard O’Sullivan (Faraó Ptolomeu XIII), Gwen Watford (Calpúrnia), Douglas Wilmer (Décimo).
Apesar de ainda hoje haver muitas críticas negativas, eu gosto deste filme (embora não seja um dos meus preferidos).
Este filme foi o “canto do cisne” dos grandes épicos sobre Roma. Uma produção nunca antes vista, um orçamento brutal (que ainda hoje é um dos filmes mais caros da História do cinema) e que despoletou uma grave crise na indústria cinematográfica em Itália.
Curiosamente, essa mesma crise foi ultrapassada em 1964 quando Sergio Leone decidiu fazer um western chamado “Por um punhado de dólares”, que deu origem a uma nova lufada de ar fresco ao cinema italiano.
Quero salientar também um bom filme “shakesperiano” de 1972 com Charlton Heston chamado “Antony and Cleopatra”, que relata os amores e desamores de António e Cleópatra.
Só ver a Elizabeth Taylor já vale a pena. 🙂 O de 72 ficará para futuras núpcias, uma vez que é já de uma diferente casta. Este ciclo ainda terá dois filmes muito interessantes, que, embora já na curva descendente do género, trazem algumas mais valias. 🙂