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Bíblico, Betta St. John, Cinema, Drama, Ernest Thesiger, Filme de época, Filme Histórico, Henry Koster, Império Romano, Jay Robinson, Jean Simmons, Lloyd Douglas, Michael Rennie, Richard Boone, Richard Burton, Victor Mature
Marcelo Gálio (Richard Burton) é um tribuno militar durante o império de Tibério (Ernest Thesiger), mas uma disputa com Calígula (Jay Robinson), em torno da mulher que ambos querem, Diana (Jean Simmons), vale-lhe ser enviado para a Palestina, para onde vai com o seu escravo Demétrio (Victor Mature). Aí é-lhe incumbida a crucificação de Cristo, mas ao tocar o sangue de Cristo, e a túnica que Demétrio (entretanto convertido) guarda para si, Marcelo enlouquece. Essa loucura faz Tibério reenviá-lo à Palestina para que Marcelo compreenda o que se passa com ele. Contactando com os cristãos, Marcelo acaba ele próprio por se converter, e voltar a Roma com Demétrio e Pedro (Michael Rennie). Só que em Roma espera-o um menos benevolente Calígula ávido de vingança, por Diana se manter inamovível ao lado de Marcelo.
Análise:
Depois do sucesso do seu filme “David e Betsabé” (David and Bathsheba, 1951) de Henry King, Darryl F. Zanuck percebeu que havia um filão a explorar nos épicos de fundo bíblico, e a Fox surgiu rapidamente com um novo tomo, com produção de Frank Ross, e realização de Henry Koster, um cineasta de origem alemã e já com longa carreira como argumentista e realizador, cujo maior sucesso até então era o filme “Harvey” de 1950.
A história foi escolhida a partir do livro “The Robe”, de Lloyd Douglas, o qual, segundo o autor, pretendia responder à questão “o que aconteceu ao soldado romano que ganhou a túnica de Cristo aos dados?” Tal resultou no filme “A Túnica”, que ficaria para a história como o primeiro filme a chegar às salas, filmado em ecrã panorâmico no método CinemaScope (2,20:1). De facto, “A Túnica” começou por ser filmado no formato convencional, o chamado Academy (5:4 ou 1,33:1), mas as filmagens foram reiniciadas no novo formato, o qual já fora usado no filme “Como Se Conquista Um Milionário” (How to Marry a Millionaire, 1953) de Jean Negulesco, que foi filmado antes mas só estrearia depois.
Tal como já acontecera em “Quo Vadis” (1951) de Mervyn LeRoy para a MGM, e mais tarde aconteceria noutros filmes, como o celebérrimo “Ben-Hur” (1959) de William Wyler, também para a MGM, a ideia era tocar lateralmente a história de Cristo, com um enredo centrado em personagens fictícios do Império Romano, de preferência mostrando imagens icónicas do Cristianismo em fundo.
Assim, “A Túnica” é quase que uma visita guiada a momentos-chave do Cristianismo, mas vistas de fora, apenas de passagem. Vemos a entrada de Cristo em Jerusalém, ouvimos algumas das suas palavras, assistimos à sua crucificação, mas sempre centrados noutros personagens, como se Cristo fosse apenas um figurante.
O personagem central de “A Túnica” é o tribuno militar Marcelo Gálio (Richard Burton), um jovem honrado, orgulhoso e um pouco arrogante, que crê que os seus valores estão acima de tudo. Por eles, não se coíbe de afrontar Calígula (Jay Robinson), desafiando-o pelo amor de Diana (Jean Simmons), e humilhando-o em público na compra do escravo Demétrio (Victor Mature). Por essa afronta Marcelo é enviado para a Palestina, onde o Demétrio se converte ao Cristianismo. Cedo Marcelo é chamado de volta a Roma, por influência de Diana, mas não sem antes ter de proceder à crucificação de Jesus Cristo, participando com os seus homens num jogo de dados enquanto velam a morte dos executados. O sangue que o toca, e a túnica que ele vence nesse jogo, serão um peso demasiado grande. Marcelo enlouquece, e o imperador Tibério (Ernest Thesiger) envia-o de volta, para que ele compreenda que magia o possui.
Marcelo vai então conviver com os cristãos, conhecer a devota Miriam (Betta St. John) e o apóstolo Pedro (Michael Rennie), e reunir-se ao seu escravo Demétrio. Junto dos cristãos, Marcelo readquire a sua paz, e percebe que há algo mais importante que o Império. Já cristão, Marcelo regressa a Roma com Demétrio e Pedro, em missão secreta de evangelização. Mas Calígula é já imperador, e a sua perseguição será implacável, prendendo primeiro Demétrio, e depois Marcelo, o qual nunca renega a sua nova fé, arrastando consigo a própria Diana, que prefere morrer com ele, que viver com Calígula.
Como seria de esperar, “A Túnica” é essencialmente um filme de propaganda cristã, onde, como dito, se testemunham alguns episódios icónicos do Novo Testamento, mas sobretudo se assiste a conversões fulgurantes (primeiro Demétrio, depois Marcelo, e inspirada por este, a própria Diana), de pessoas que estão dispostas a morrer alegremente por uma fé apenas adquirida. Algo que visto de fora seria chamado simplesmente de fanatismo, é, no contexto do filme, o valor mais alto a que um ser humano pode almejar. Por isso as imagens finais são de Marcelo e Diana caminhando lentamente em direcção ao seu cárcere (e futura execução), caminhada essa que no filme ganha um aspecto metafórico, tornando-se uma subida, sobre um fundo estilizado, como se estivessem alegremente a ganhar o céu.
Apesar da forte componente religiosa, o filme de Henry Koster vale sobre tudo pela sua fotografia. A Fox fez jus à sua intenção de impressionar pela imagem, e construiu um filme de grande beleza cinematográfica. Todos os enquadramentos são estudados, e minuciosamente preparados, com cenários exuberantes que fazem cada imagem de Roma parecer uma pintura do Renascimento, ou cada momento na Palestina parecer uma obra sacra. A sumptuosidade de cenários (sejam naturais, em estúdio, ou compósitos de cenários pintados) é flagrante, bem como o uso de figurantes como modo de encher cada cena de um modo cuidadosamente coreografado.
Frente a esta riqueza cromática e cénica são as interpretações que mais destoam. Se Victor Mature é mais discreto que o habitual, e Jean Simmons é convincente no papel da dedicada, tolerante e fiel apaixonada Diana, já Richard Burton é demasiado irritante como o soldado que grita e grunhe durante quase todo o filme, e tem mudanças de humor (e de fé) que não lembram ao diabo. Ao seu lado, igualmente irritante, está o caricatural Jay Robinson, demasiado preocupado em tornar-se odiável, mas sem a subtileza e criatividade que no ano anterior se vira em Peter Ustinov, no igualmente odiável, mas muito mais emocionalmente rico, Nero de “Quo Vadis”. Consta que nem Richard Burton, nem Victor Mature, nem Jean Simmons terão sido primeiras escolhas, com Tyrone Power, Burt Lancaster e Janet Leigh, respectivamente, a serem considerados para os seus papéis. Richard Burton terá mesmo ficado desagradado com todo o filme o que lhe valeu fortes discussões com Zanuck, e um abandono temporário do cinema, para voltar a Londres e ao teatro do West End.
Apesar de uma pompa exagerada, e de desequilíbrios de argumento e interpretações, “A Túnica” foi um enorme sucesso, e foi um dos filmes dos Oscars do ano seguinte, com cinco nomeações, incluindo a de Melhor Actor, para Richard Burton, Melhor Filme e Melhor Fotografia. Venceria nas categorias de Melhor Direcção Artística e Melhor Guarda-Roupa. O filme arrecadaria ainda o Globo de Ouro de Melhor Filme.
O seu sucesso levou a que a Fox preparasse imediatamente uma sequela, centrada no personagem de Victor Mature. Esta chamar-se-ia “Demétrio, o Gladiador” (Demetrius and the Gladiators, 1952) e seria realizada por Delmer Daves, que usou em parte os mesmos cenários de “A Túnica”, e voltaria a ter Jay Robinson como o imperador Calígula, e Michael Rennie como o apóstolo Pedro.
Produção:
Título original: The Robe; Produção: Twentieth Century-Fox Film Corporation; País: EUA; Ano: 1953; Duração: 128 minutos; Distribuição: Twentieth Century-Fox Film Corporation; Estreia: 16 de Setembro de 1953 (EUA), 15 de Março de 1954 (Portugal).
Equipa técnica:
Realização: Henry Koster; Produção: Frank Ross; Argumento: Albert Matz, Philip Dunne [adaptado por Gina Kaus, a partir do livro homónimo de Lloyd C. Douglas]; Música: Alfred Newman; Orquestração: Edward B. Powell; Fotografia: Leon Shamroy [filmado em CinemaScope, cor por Technicolor]; Montagem: Barbara McLean; Direcção Artística: Lyle R. Wheeler, George W. Davis; Cenários: Walter M. Scott, Paul S. Fox; Figurinos: Emile Santiago [não creditado]; Guarda-roupa: Charles Le Maire; Caracterização: Ben Nye; Efeitos Especiais: James B. Gordon [não creditado]; Efeitos Visuais: Ray Kellogg.
Elenco:
Richard Burton (Marcelo Gálio), Jean Simmons (Diana), Victor Mature (Demétrio), Michael Rennie (Pedro), Jay Robinson (Calígula), Dean Jagger (Justo), Torin Thatcher (Senador Gálio), Richard Boone (Pôncio Pilatos), Betta St. John (Miriam), Jeff Morrow (Paulo), Ernest Thesiger (Imperador Tibério), Dawn Addams (Junia), Leon Askin (Abidor), Michael Ansara (Judas) [não creditado], Jan Arvan (Vendedor de Escravos) [não creditado], Helen Beverly (Rebecca) [não creditada], Sally Corner (Cornelia) [não creditada], Van Des Autels (Camareiro) [não creditado], John Doucette (Imediato do Navio) [não creditado], Sam Gilman (Capitão do Navio) [não creditado], Roy Gordon (Camareiro) [não creditado], Thomas Browne Henry (Médico) [não creditado], Rosalind Ivan (Júlia) [não creditada], Nicolas Koster (Jónatas) [não creditado], David Leonard (Marcipor) [não creditado], Cameron Mitchell (Voz de Jesus) [não creditado].
Este filme foi o que abriu caminho para o tão badalado “cinemascope” (na minha opinião esse formato veio engrandecer muito o cinema, tornando-o ainda mais espetacular visualmente).
Há já muito tempo que não vejo este filme mas o que mais me chamou a atenção foi a imagem do imperador Calígula (Jay Robinson com cara de maluco).
Aproveito apenas para corrigir que “Ben-Hur”, de William Wyler, é de 1959 e não de 1954.
Obrigado pela correcção, já está feita. Às vezes um número passa pelas distracções. 🙂