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Werckmeister HarmóniákUma aldeia do interior da Hungria, durante a ocupação soviética após a Segunda Guerra Mundial, parece isolada do mundo, cercada por uma fria neblina permanente. A única atracção é a chegada de um circo que tem como principal interesse uma baleia verdadeira, embalsamada, que atrai até forasteiros. Nessa aldeia move-se János Valuska (Lars Rudolph) e o seu tio György Eszter (Peter Fitz), um compositor fascinado com as implicações estéticas do trabalho de Andreas Werckmeister, e a ex-mulher de György, Tünde Eszter (Hanna Schygulla), que chantageia György a usar a sua influência para recrutar para o lado dela algumas pessoas importantes da cidade.

Análise:

Depois do aclamado “Sátántangó” (1994), Béla Tarr voltou a realizar um filme baseado numa obra de László Krasznahorkai, no qual voltava a olhar para uma aldeia remota da Hungria, aparentemente isolada do mundo, numa atmosfera quase onírica, como alegoria da vida e história do seu país. Desta vez co-adjuvado na realização por Ágnes Hranitzky, o tema foi a Hungria do pós-guerra, sob ocupação soviética.

Usando seis fotógrafos diferentes, Béla Tarr voltava a filmar a preto e branco, no seu registo habitual de planos-sequência extremamente longos (neste caso apenas 39, para quase duas horas e meia de filme), com um câmara contemplativa, que se demora em cada enquadramento, mesmo que as personagens entrem ou saiam de campo sem relação com ele.

Tudo se passa numa aldeia que parece isolada do mundo, rodeada de uma neblina cerrada e permanente, que torna tudo frio e esbranquiçado e não deixa ver para lá dela. O mote é dado por János Valuska (Lars Rudolph), que na sequência inicial, através de uma dança improvisada que encena no bar, explica o que é um eclipse solar. A partir de então todas as cenas são dominadas por essa dicotomia de claridade e escuridão, das quais saem as transições na história.

No centro estão János, um jovem idealista, o seu tio György Eszter (Peter Fitz), um compositor obcecado com teoria musical, e a sua ex-mulher, Tünde Eszter (Hanna Schygulla), que procura a influência de György para conseguir o apoio de pessoas importantes da aldeia, nas suas posições políticas. Ao mesmo tempo, a chegada de um circo, a presença da carcaça de uma baleia enorme, as lutas internas entre a nunca vista atracção chamada “Príncipe” e o director, dominam as atenções. Cresce a consternação acerca da chegada do circo e da suposta nuvem que o segue.

Despedido, o Príncipe vai incitar a multidão à revolta, seguindo-se a destruição, onde János encontra o tio sapateiro morto, e um diário que explica que a revolta foi por ninguém saber contra o que se revoltava. György acaba expulso da sua casa, para onde a ex-mulher vai viver com o chefe de polícia. Quanto a János, é preso, drogado, e internado num hospital, onde recebe a visita do tio.

Filmando do modo contemplativo e poético, Béla Tarr dá-nos onde cada momento enquadramentos para divagações filosóficas, patentes nos pensamentos que ouvimos aos personagens, muitas vezes em longos monólogos. Por entre uma série de episódios, por vezes algo surrealistas, o filme decorre como um conjunto de metáforas. Temos, por exemplo, a reconstituição do eclipse por János, que mais tarde dissertará sobre Deus. Temos as ideias de György Eszter, que teoriza acerca das falhas nas harmonias da teoria musical de Andreas Werckmeister, como metáfora para aquilo que nunca será perfeito, príncipios que abandonará no fim, quando confessa ao sobrinho ter voltado a afinar o piano de modo normal. Temos a sombra do circo que segue de cidade em cidade. Temos a postura dogmática e violenta do Príncipe, o tráfico de influências e oportunismo político de Tünde Eszter, e tantas outras situações que podiam ser enumeradas.

Entre estética, metafísica e política, “Werckmeister harmóniák” fala da incapacidade humana para a harmonia, e do peso do dogma e do oportunismo, como o vivido na ocupação soviética da Hungria. Pela sua forma metafórica, pela beleza dos planos, pela frieza na descrição de um mundo cinzento e austero, Béla Tarr foi elogiado internacionalmente por este seu filme, muitas vezes colocado entre os melhores do novo século.

Produção:

Título original: Werckmeister harmóniák [Título inglês: Werckmeister Harmonies]; Produção: 13 Productions / Arte / Fondazione Montecinemaverita / Goëss Film / Magyar Mozgókép Alapítvány / Magyar Televízió Müvelödési Föszerkesztöség (MTV) (I) / Nemzeti Kultúrális Alapprogram / Országos Rádió és Televízió Testület (ORTT) / Rai 3 / Studio Babelsberg / Von Vietinghoff Filmproduktion (VVF) / Zweites Deutsches Fernsehen (ZDF); País: Hungria / Itália / Alemanha / França; Ano: 2000; Duração: 140 minutos; Estreia: 1 de Fevereiro de 2001 (Hungria).

Equipa técnica:

Realização: Béla Tarr, Ágnes Hranitzky; Produção: Franz Goëss, Paul Saadoun, Miklós Szita, Joachim von Vietinghoff; Produtores Associados: Ralph E. Cotta, Béla Tarr; Argumento: László Krasznahorkai, Béla Tarr [baseado no livro homónimo de László Krasznahorkai]; Diálogos Adicionais: Péter Dobai, Gyuri Dósa Kiss, György Fehér; Música: Mihály Vig; Fotografia: Patrick de Ranter, Miklós Gurbán, Erwin Lanzensberger, Gábor Medvigy, Emil Novák, Rob Tregenza [preto e branco]; Montagem: Ágnes Hranitzky; Cenários: Sándor Katona, Zsuzsa Mihalek, Béla Zsolt Tóth; Figurinos: János Breckl; Caracterização: Erzsébet Rácz; Direcção de Produção: Lajos Gerhardt, Gábor Téni.

Elenco:

Lars Rudolph (János Valuska), Peter Fitz (György Eszter), Hanna Schygulla (Tünde Eszter), János Derzsi (Homem do Casaco Largo), Djoko Rosic (Homem das Botas Ocidentais), Tamás Wichmann (Homem do Chapéu de Marinheiro), Ferenc Kállai (Director), Mihály Kormos (Factotum), Putyi Horváth (Porteiro), Enikö Börcsök, Éva Almássy Albert (Tia Piri), Irén Szajki (Sra. Harrer), Alfréd Járai (Lajos Harrer), György Barkó (Sr. Nadabán), Lajos Dobák (Sr. Volent).

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