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Wait until DarkNo apartamento de Susy (Audrey Hepburn) e Sam Hendrix (Efrem Zimbalist Jr.), reúnem-se Mike Talman (Richard Crenna) e Carlino (Jack Weston), pequenos vigaristas chamados pela sua antiga colega Lisa (Samantha Jones). Mas em vez de Lisa, encontram Roat (Alan Arkin), um psicopata que matou Lisa por esta o trair num negócio de drogas escondidas numa boneca. Agora a boneca está em parte incerta e, sob ameaça de Roat, todos se preparam para enganar a dona da casa, Susy, uma invisual perante a qual se vai desenrolar uma farsa para saber do paradeiro da boneca, nem que Susy tenha que ser morta.

Análise:

Com produção de Mel Ferrer, o marido de Audrey Hepburn, surgiu em 1967 o thriller “Os Olhos da Noite”, realizado pelo inglês Terence Young, que se celebrizara nos anos anteriores com três filmes da série 007. Aquilo que esteve quase para ser uma produção inglesa, acabou por decorrer em Hollywood, sob a égide da Warner Bros., que dava luz verde à passagem para o grande ecrã de uma peça de Frederick Knott, o mesmo que escrevera “Dial M for Murder”, adaptado ao cinema por Alfred Hitchcock, no filme “Chamada para a Morte” de 1954.

Estreada na Broadway em 1966, a peça “Wait Until Dark” teve 374 representações, com Lee Remick, no principal papel, a valer-lhe um Tony de melhor actriz. A encenação foi do também realizador Arthur Penn, resultando numa história de suspense bem ao jeito de Hitchcock, onde a claustrofobia do espaço cénico é factor primordial para desenvolver uma atmosfera de opressão anunciada sobre uma vítima incauta, e indefesa.

Para aumentar o nosso sentimento de empatia para com a protagonista indefesa, Knott fez dela uma mulher cega. Ela é Susy Hendrix (Audrey Hepburn), casada com Sam (Efrem Zimbalist Jr.), um fotógrafo profissional que, por infortúnio, ao voltar de uma viagem de avião, é abordado por uma estranha, Lisa (Samantha Jones), que lhe entrega uma boneca de porcelana, para que ele guarde até ela a recuperar, para supostamente fazer uma surpresa a alguém que a veio esperar ao aeroporto. Sam não sabe, mas sabemos nós que a boneca transporta drogas no seu interior.

Findo este prólogo, a acção começa em casa dos Hendrix, com a chegada de um par de malfeitores, Mike Talman (Richard Crenna) e Carlino (Jack Weston), conhecidos de Lisa. Ao chegar, o par depara com o desconhecido Roat (Alan Arkin), que os informa da boneca que Lisa trouxe para si, mas que não consegue encontrar. Quando eles vasculham o apartamento encontram o corpo de Lisa, e percebem que Roat os chantageia a ajudá-lo a desfazer-se do corpo e montar uma farsa para obter a boneca dos Hendrix, uma vez que as impressões digitais deles estão já por todo o apartamento.

Quando Susy chega, Mike apresenta-se-lhe como um antigo amigo do marido. A partir de então a farsa está montada, com Roat a surgir em dois papéis, como sogro e marido de uma mulher que supostamente tem um caso com Sam, e com Carlino a entrar como polícia que investiga o caso da morte de uma rapariga (Lisa), que mais tarde todos vão associar à suposta amante de Sam. É intenção do trio assustar Susy e convencê-la de que a boneca é a prova que pode ilibar Sam, só que Susy genuinamente não sabe dela.

Com a ajuda da vizinha Gloria (Julie Herrod, que repete o seu papel de palco), Susy vai percebendo que os telefonemas chegam da cabine em frente, e todos os homens estão no mesmo esquema. Assustada, mas decidida, Susy vai quebrar todas as lâmpadas, para em total escuridão ter alguma hipótese contra os malfeitores.

Embora criticado por algumas incoerências de argumento (o modo como Talman e Carlino continuam o esquema, mesmo depois de o corpo de Lisa ter sido tirado do local; a extrema delicadeza deles para com Susy, se eram afinal assassinos; a incapacidade de Roat em derrotar uma rapariga cega na sequência final), a força dos diversos momentos, o engenho de tantas reviravoltas, a minúcia de um esquema que nos vai prendendo cada vez mais, e, acima de tudo a incrível presença de Audrey Hepburn, fazem com que este thriller hitchcokiano prenda a atenção até ao último momento.

Com um início lento, e bastante leve, o filme vai-se ensombrando, ao ritmo que o plano se complica. Confirma-se a máxima de Hitchcock, de que o segredo do suspense é dar sempre ao público algo pelo qual ansiar, tornando-o cúmplice de uma situação que o protagonista não conhece. Em “Os Olhos da Noite” essa ideia é levada ao extremo, com a protagonista a ser literalmente cega, e portanto sempre muitos passos atrás de acontecimentos que se desenrolam à nossa frente. É uma ideia engenhosa que permite que os bandidos possam claramente combinar o seu esquema para nós vermos, pois não temem ser descobertos por uma cega. O filme é assim um jogo de gato e de rato em que, com mãos enluvadas, três bandidos tentam manipular uma mulher que só graças a muita inteligência e à ajuda da jovem vizinha, vai conseguir decifrar pistas e «ver» o que na verdade se passa.

Audrey Hepburn (que só surge na tela com 20 minutos de filme) é a chave, compondo uma mulher que sabe ser forte (na sua tenacidade para ser independente e uma esposa perfeita apesar da cegueira), mas nos transmite com vigor o pânico pelo qual está a passar, sabendo-se em perigo de morte, e sem poder ver o que se passa. Ao seu lado destaque para Alan Arkin que interpreta um psicopata bastante perturbante.

Como não podia deixar de ser, o filme de Terence Young quase não deixa o apartamento dos Smith, exceptuando o prólogo em que vemos a boneca de Lisa a receber o seu conteúdo, e as cenas nos aeroportos, e depois alguns planos da rua em frente à casa dos Hendrix, do corredor, e do quarto de Gloria. Tal confere uma grande unidade à história, e acrescenta uma atmosfera de claustrofobia, como se, tal como Susy, estivéssemos presos ao apartamento, sob ameaça de Roat e seus cúmplices.

Também nesse aspecto, e talvez surpreendendo por um filme tão sóbrio para quem estava habituado a lidar com o universo de James Bond, Terence Young presta homenagem a filmes de Hitchcock onde essa claustrofobia está presente, como o são o citado “Chamada para a Morte”, com Grace Kelly como a vítima indefesa, e também “Janela Indiscreta” (Rear Window, 1956), com James Stewart incapacitado por uma perna partida, e com um final parecido com o de “Os Olhos da Noite”, onde o confronto final se dá às escuras, com lampejos de um flash fotográfico.

“Os Olhos da Noite” tornou-se um sucesso imediato, apreciado pela crítica que repetidamente o vem colocando nas listas de melhores filmes de suspense de sempre. Valeu ainda a Audrey Hepburn mais uma nomeação aos Oscars, que não venceria.

Embora na altura ninguém pudesse adivinhar, este seria o filme da retirada de Audrey Hepburn, que no ano seguinte se divorciaria de Mel Ferrer, e passaria a dedicar-se aos filhos. O seu regresso ao cinema dar-se-ia apenas nove anos mais tarde.

Produção:

Título original: Wait Until Dark; Produção: Warner Bros.; País: EUA; Ano: 1967; Duração: 108 minutos; Distribuição: Warner Bros./Seven Arts; Estreia: 26 de Outubro de 1967 (EUA).

Equipa técnica:

Realização: Terence Young; Produção: Mel Ferrer; Argumento: Robert Carrington, Jane-Howard Carrington [baseado na peça de Frederick Knott]; Música: Henry Mancini; Orquestração: James Harbert; Fotografia: Charles Lang [cor por Technicolor]; Montagem: Gene Milford; Direcção Artística: George Jenkins; Cenários: George James Hopkins; Caracterização: Gordon Bau.

Elenco:

Audrey Hepburn (Susy Hendrix), Alan Arkin (Roat / Roat Jr. / Roat Sr.), Richard Crenna (Mike Talman), Efrem Zimbalist Jr. (Sam Hendrix), Jack Weston (Carlino), Samantha Jones (Lisa), Julie Herrod (Gloria).

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