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Cinema, Cinema turco, Drama, Emin Toprak, Muzaffer Özdemir, Nazan Kesal, Nuri Bilge Ceylan, Zuhal Gencer
Mahmut (Muzaffer Özdemir) é um fotógrafo em Istambul, às vezes realizador, mas com uma carreira interrompida por não ceder ao cinema comercial, ele que tem como ídolo Andrei Tarkovsky. Vivendo sozinho, numa vida mecânica feita de solidões, após o divórcio de Nazan (Zuhal Gencer), Mahmut recebe a visita de Yusuf (Emin Toprak), um primo distante, da mesma aldeia natal na província. Tal como Mahmut fez muitos anos antes, Yusuf vem para Istambul procurar emprego, com sonhos de conseguir dinheiro. Mas onde Mahmut é um homem integrado na frieza da grande cidade onde fez um nome, e ganhou uma certa sofisticação, Yusuf é grosseiro, sem perspectivas ou capacidade de se integrar, o que leva a uma certa tensão entre os dois. A doença da mãe de Yusuf, e a notícia de que Nazan vai partir para o Canadá com o seu novo marido apenas vêm acentuar ainda mais a solidão e afastamento de Mahmut.
Análise:
“Uzak – Longínquo” é a terceira longa-metragem de Nuri Bilge Ceylan, um realizador turco, que começou na fotografia, algo que tem marcado desde sempre os seus filmes. Filmado integralmente em Istambul, o filme conta-nos um conto da Turquia actual, de frieza, afastamento e crise económica, com extremo realismo, na pessoa do seu protagonista, também ele um fotógrafo, com algo do próprio realizador (que produziu, escreveu, fotografou e montou o filme).
O protagonista é Mahmut (Muzaffer Özdemir, actor não profissional), um homem só, fotógrafo, com aspirações a uma carreira de realizador, mas rejeitando filmes comerciais, já que o seu ídolo é Andrei Tarkovsky. Mahmut recebe a visita de Yusuf (Emin Toprak, primo de Ceylan), um primo da sua aldeia natal na província, que vem para Istambul procurar emprego, depois de a crise ter votado muita gente da aldeia ao desemprego. Perante a dificuldade de Yusuf em encontrar quem lhe dê trabalho, que Mahmut desconfia ser resultado de menor esforço, junta-se o seu próprio momento. Este caracteriza-se por um trabalho quase mecânico, e sem estímulo; uma solidão aumentada com a partida para o Canadá de Nazan (Zuhal Gencer), a sua ex-mulher; a doença da mãe; e o desconforto de ter de partilhar o apartamento com alguém tão diferente, um jovem sem qualquer sofisticação.
Filmando com enorme realismo, Ceylan optou por deixar que o tempo de Istambul ditasse alguns dos cenários (por exemplo a caminhada de Yusuf na neve foi um completo improviso), indo ao extremo de usar a sua própria casa como cenário principal (a casa de Mahmut) e o seu carro como o carro do protagonista. Destaca-se depois o tal gosto pela fotografia, que faz, não só com que esta seja tema das saídas de Mahmut, como com que cada plano, lânguido, composto e extremamente contemplativo, nos surja como se de uma fotografia se tratasse, feita de olhares, gestos, e momentos de uma impassividade tocante. Isto nota-se nos lentos travellings de exteriores, onde a cidade parece falar-nos mais que os personagens, e nos planos fixos dos interiores. Não é por acaso que o filme começa com mais de 10 minutos sem uma palavra e termina também com cerca de 15 minutos sem palavras.
Através dessas sequências assistimos ao ritmo lento de duas vidas sem rumo, que são também um retrato da Turquia actual, em tudo o que a solidão tem para nos mostrar, mesmo quando esta ocorre entre pessoas. É também um retrato de uma tentativa de mudança, nas formas de reintegração de quem vem para a grande cidade. Nesse sentido, “Uzak – Longínquo” tem, no tema, semelhanças com o português “Verdes Anos” (1963) de Paulo Rocha, também ele confrontando duas gerações de personagens, vindos da província para a grande cidade, e feitos do choque entre essas realidades, o homem mais velho perfeitamente integrado, e por isso julgando o segundo, na sua desadequação.
“Uzak – Longínquo”, pela sua languidez de movimento, pelo realismo de cada cena (onde não se deixa de mostrar o caçar de um rato no apartamento, ou a fuga de Mahmut para a pornografia), pelo lado contemplativo dos seus longos planos, pela frieza que perpassa da caracterização da cidade para o interior dos personagens, e pela expressividade que se consegue com olhares honestos, foi desde logo considerado um filme essencial, muito valorizado pela crítica.
Nuri Bilge Ceylan conseguia assim, em 2003 o Grande Prémio do Juri de Cannes, festival que atribuiria ainda o prémio de melhor actor, tanto a Muzaffer Özdemir como a Emin Toprak (o qual, infelizmente já tinha morrido, vítima de um acidente de viação). Para além de inúmeros prémios na Turquia, o filme seria ainda premiado em Chicago e San Sebastian, mostrando Nuri Bilge Ceylan como um dos realizadores a ter em conta no início do século XXI.
Produção:
Título original: Uzak; Produção: NBC Ajans / NBC Film; País: Turquia; Ano: 2002; Duração: 105 minutos; Estreia: 20 de Dezembro de 2002 (Turquia), 26 de Fevereiro de 2004 (Portugal).
Equipa técnica:
Realização: Nuri Bilge Ceylan; Produção: Nuri Bilge Ceylan; Argumento: Nuri Bilge Ceylan, Cemil Kavukçu [material adicional]; Fotografia: Nuri Bilge Ceylan; Montagem: Nuri Bilge Ceylan, Ayhan Ergürsel; Direcção Artística: Ebru Ceylan [como Ebru Yapıcı]; Cenários: Zafer Saka; Direcção de Produção: Feridun Koç.
Elenco:
Muzaffer Özdemir (Mahmut), Emin Toprak [como Mehmet Emin Toprak] (Yusuf), Zuhal Gencer [como Zuhal Gencer Erkaya] (Nazan), Nazan Kesal [como Nazan Kırılmış] (Amante), Feridun Koç (Porteiro), Fatma Ceylan (Mãe), Ebru Ceylan [como Ebru Yapıcı], Bahaltin Surler [como Bahattin Serter], Nazlı Aydin, Engin Hepsev, Ercan Kesal, Aslı Orhun, Ahmet Bugay, Arif Aşçı, Cemal Gülas, Ahmet Özyurt, Erhan Ersoy, Hakan Kuldan, Ayhan Ergürsel.