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Cinema, Claire Bloom, Cyril Cusack, Espionagem, Guerra Fria, John Le Carré, Martin Ritt, Oskar Werner, Peter van Eyck, Richard Burton, Rupert Davies, Thriller
Alec Leamas (Richard Burton), chefe dos serviços secretos britânicos de Berlim Ocidental, tem vindo a perder alguns dos seus operacionais, às mãos do agente de Berlim Oriental, Mundt. Por tal, Leamas é chamado a Londres, onde Control (Cyril Cusack) lhe dá uma nova missão. Leamas, aparentemente desempregado e entregue à bebida, consegue emprego numa pequena biblioteca, onde ganha o interesse romântico de Nan (Claire Bloom), acabando preso após um desacato local. À sua espera, fora da prisão estão agentes da Alemanha Oriental que lhe propõem que os acompanhe e lhe passe informações sobre os agentes britânicos na Alemanha. Mas tudo é orquestrado por Control que espera assim criar uma rede de suspeitas que coloque Mundt (Peter van Eyck) e o seu número dois, Fiedler (Oskar Werner) em campos opostos.
Análise:
Em 1963, John le Carré, escritor e antigo operacional dos serviços secretos ingleses, MI5 e MI6 (para os quais trabalhou nos anos 50 e 60), publicava o seu romance ‘The Spy Who Came in from the Cold’. Bastaram apenas dois anos, para que ele fosse adaptado ao cinema, no que seria a primeira de muitas adaptações ao cinema e televisão da obra do mais consagrado dos escritores de espionagem.
Tendo ele próprio sido agente em Berlim, não surpreende que seja na sua experiência pessoal que le Carré tenha encontrado inspiração para o seu famoso livro, nem que, para lá da história de espionagem esteja ainda o drama humano ligado com a desumanização necessária para se desempenhar tal trabalho.
Com produção britânica, liderada por Martin Ritt, o filme “O Espião Que Saiu do Frio”, começou a ganhar forma com a contratação de Richard Burton para o papel principal, ele que, apesar de britânico, era na altura já uma estrela de Hollywood. Com a sua influência, Burton terá mesmo imposto amigos seus da cena teatral inglesa como parte do elenco. Adaptações de elenco não assustaram os produtores que aceitaram Burton (de 39 anos) para interpretar Alec Leamas, que no livro tem 50, e Claire Bloom (então com 34 anos) no papel da adolescente Nan Perry. Esta teria aliás o nome mudado, já que no livro de le Carré, o seu nome é Liz Gold, supostamente porque se poderia confundir com Liz Taylor, então esposa de Burton.
“O Espião Que Saiu do Frio” tem o seu nome explicado quase no início do filme, numa analogia de Control (Cyril Cusack) que explica o sair do frio como o deixar o mundo desumano e sem sentimentos da vida dos operacionais dos serviços secretos. É isso que num primeiro momento ele aconselha a Alec Leamas (Richard Burton), que lidera a secção de Berlim Ocidental, a qual vem perdendo agentes às mãos do alemão Mundt (Peter van Eyck).
Mas Leamas quer continuar, e passa por uma espécie de descida aos infernos, em que tem de procurar trabalho, empregando-se numa biblioteca, vivendo quase sem dinheiro, e acabando preso por esmurrar um merceeiro. Pelo meio o seu único sinal de humanização é a ligação à colega da biblioteca, Nan Perry (Claire Bloom), uma jovem idealista, e militante comunista.
Ao sair da prisão, Leamas começa a ser contactado por pessoas que não conhece, mas que se confirmam agentes de Leste, que lhe propõem que mude de lado. É então que descobrimos ser este o plano de Control e do seu braço direito, George Smiley (aqui Rupert Davies, num papel muito discreto, naquele que se tornaria o mais famoso personagem de le Carré). A ideia é que os alemães acolham Leamas, que nos interrogatórios vá lançando a suspeita de Mundt ser de facto um agente inglês, para que o seu número dois, Fiedler (Oskar Werner) o elimine.
O interrogatório é bem sucedido, e Fielder prepara um tribunal para julgar Mundt, mas neste, nem todas as provas parecem consistentes, e a teoria vem por água abaixo, quando Nan é apresentada como testemunha, para desmentir Leamas, cuja ligação a Smiley é entretanto confirmada. Só então Leamas compreende que o objectivo nunca fora a morte de Mundt, pois este era mesmo agente britânico, mas sim a de Fiedler. Para a tal Leamas foi apenas um peão, sacrificado para desacreditar Mundt só para que Nan o pudesse depois (inocentemente) desacreditar a ele.
Com a fuga do casal arranjada por Mundt, Nan é alvejada ao saltar o muro, e Leamas, num último momento, escolhe ficar com ela, sendo também alvejado. É, no fundo, a sua forma final de “sair do frio” procurando a humanização que voltara a sentir junto a Nan.
Com um argumento elaboradíssimo, de golpes e contra-golpes, diálogos argutos, e uma grande densidade psicológica, “O Espião Que Saiu do Frio” tornou-se desde então um símbolo do filme inteligente, onde mais que as acrobacias, cenas de acção, ou suspense gerado por volte-faces, é na psicologia dos personagens, e sua acção interior que residem os seus trunfos.
Nesse sentido, e mercê de uma interpretação densa de Richard Burton, bem acompanhado pela espontânea Claire Bloom e pelo sufocante Oskar Werner, o filme de Martin Ritt não necessita de uma cinematografia arrojada (filmado a preto e branco para acrescentar um cinzentismo de amoralidade), permitindo-se repousar de um modo quase contemplativo (seja em planos fixos ou em longos travellings), onde são os actores, mais que a câmara, a conduzir a emoção.
Apreciado pela lufada de ar fresco que trouxe ao género dos filmes de espiões, “O Espião Que Saiu do Frio” foi um sucesso de bilheteira, e de crítica, recebendo variadíssimos prémios, entre os quais quatro BAFTA de seis nomeações, incluindo o de Melhor Filme e Melhor Actor (Richard Burton), para além do David di Donatello do Festival de Veneza para Burton e do Globo de Ouro de Melhor Actor Secundário para Oskar Werner. Juntaram-se-lhe duas nomeações para os Oscars.
Produção:
Título original: The Spy Who Came in from the Cold; Produção: Salem Films Limited; País: Reino Unido; Ano: 1965; Duração: 107 minutos; Distribuição: Paramount British Pictures (Reino Unido), Paramount Pictures (EUA); Estreia: 16 de Dezembro de 1965 (EUA).
Equipa técnica:
Realização: Martin Ritt; Produção: Martin Ritt; Argumento: Paul Dehn, Guy Trosper [a partir do livro homónimo de John le Carré]; Música: Sol Kaplan; Orquestração: David Lindup; Fotografia: Oswald Morris [preto e branco]; Montagem: Anthony Harvey; Design de Produção: Tambi Larsen, Hal Pereira [não creditado]; Direcção Artística: Ted Marshall; Cenários: Josie MacAvin [não creditada]; Figurinos: Sophie Devine [como Motley]; Caracterização: George Frost; Direcção de Produção: James Ware.
Elenco:
Richard Burton (Alec Leamas), Claire Bloom (Nan Perry), Oskar Werner (Fiedler), Sam Wanamaker (Peters), George Voskovec (Advogado de Defesa da Alemanha Oriental), Rupert Davies (George Smiley), Cyril Cusack (Control), Peter van Eyck (Hans-Dieter Mundt), Michael Hordern (Ashe), Robert Hardy (Dick Carlton), Bernard Lee (Patmore), Beatrix Lehmann (Presidente do Tribunal), Esmond Knight (Velho Juiz), Tom Stern (Agente da CIA), Niall MacGinnis (Guarda Alemão no Posto Fronteiriço), Scott Finch (Guia Alemão), Anne Blake (Miss Crail), George Mikell (Guarda Alemão no Posto Fronteiriço), Richard Marner (Capitão da Vopo), Warren Mitchell (Mr. Zanfrello), Steve Plytas (Juiz da Alemanha Oriental).