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Baisers volésAntoine Doinel (Jean-Pierre Léaud) está no exército, mas acaba de ser expulso por insubordinação. De volta à vida civil, visita a família Darbon, já que mantinha com a jovem Christine (Claude Jade), uma relação romântica intermitente. O pai desta (Daniel Ceccaldi) consegue-lhe um emprego de guarda-nocturno num hotel, mas Doinel é despedido em pouco tempo. Vai então trabalhar numa agência de detectives, onde, não só não mostra apetência para ofício, como, quando empregado na sapataria de Georges Tabard (Michael Lonsdale) para investigar porque ninguém gosta dele, Doinel acaba por se apaixonar pela esposa do patrão (Delphine Seyrig).

Análise:

1968 foi um ano importante no cinema francês. Os protestos de Maio trouxeram ao mundo uma nova expressão de confronto de valores, geracionais e políticos, que viriam a originar um cinema mais interventivo fraccionando definitivamente o grupo que se aventurara junto dez anos antes. Culminante neste processo foi a demissão do mítico Henri Langlois como director da Cinemateca Francesa, pelo ministro André Malroux, o que gerou ruidosos e persistentes protestos da parte dos cineastas e outros intelectuais, não só de França, como também do estrangeiro, levando à sua recondução no cargo. Figura de proa nesse movimente, François Truffaut não hesitaria em dedicar este seu filme a Langlois, usando mesmo as cenas iniciais para evocar essa luta.

Política à parte, “Beijos Roubados” foi a terceira vez que Truffaut filmou o seu mais famoso personagem, Antoine Doinel (Jean-Pierre Léaud), cuja infância atribulada nos fora dada a ver no celebérrimo “Os Quatrocentos Golpes” (Les Quatre Cents Coups, 1959), e a adolescência na curta-metragem “Antoine et Colette” (1962) incluída na antologia de cinco realizadores, “L’amour à vingt ans”.

Em “Beijos Roubados” Doinel é agora um jovem adulto, acabado de ser expulso do exército (depois de a ele se ter voluntariado), por repetidos incumprimentos, no que parece a confirmação de um traço de personalidade que víramos antes, a sua incapacidade para cumprir caminhos que lhe são impostos.

Mas Doinel não parece incomodado com isso, procurando imediatamente a família Darbon, já que mantinha com a jovem Christine (Claude Jade), uma relação romântica intermitente. O pai desta (Daniel Ceccaldi) consegue-lhe um emprego como guarda-nocturno num hotel, só que a sua ingenuidade fá-lo perder o emprego em pouco tempo, por obra de um detective privado (Harry-Max) que precisava obter provas de um adultério. Apiedando-se dele, o detective leva Doinel para a sua agência, onde lhe consegue novo emprego. Por entre falhanços e repetidas provas de inadequação à profissão, Doinel é levado a fingir ser empregado de Georges Tabard (Michael Lonsdale), um dono de uma loja de sapatos, que quer saber porque todos o odeiam. No processo, Antoine Doinel conhece a esposa de Tabard (Delphine Seyrig), por quem se apaixona, e com a qual terá uma relação que lhe custará o emprego.

Embora esta descrição não o faça parecer, “Beijos Roubados” é um filme de descoberta do amor, por parte de alguém ainda inocente e desastrado nesse campo. Repare-se como Doinel começa por frequentar prostitutas, para no final conceder a Christine (Claude Jade) a oportunidade que ela demonstra procurar desde sempre. Pelo meio temos uma busca, ou uma tentativa de descoberta, onde os episódios detectivescos podem ser vistos como uma metáfora. Procurando encaixar num emprego estimulante, Doinel acaba por se deixar entusiasmar pela mais madura e experiente patroa, e um breve romance com ela mostra-lhe que há muito mais para além que fugazes relações sexuais. Como se tendo vivido uma última aventura, Doinel se pudesse finalmente concentrar no que tinha de real perto de si, e descobrir finalmente a presença de Christine.

Com uma narrativa linear, Truffaut começa “Beijos Roubados” com um dos seus famosos planos de cima, filmando do cimo de um prédio, para seguir o protagonista num longo plano. O filme torna-se depois bem mais clássico que os seus filmes anteriores, também numa prova de que a Nouvelle Vague talvez já tivesse cumprido o seu papel.

Com uma acção solta e sempre objectiva, Truffaut filma com humor, divertindo-nos, quer com os diversos episódios da agência (o homem que procura desesperadamente o companheiro para descobrir que este é agora heterossexual, como que num truque de magia – ele é ilusionista; ou o vendedor de sapatos que contrata os detectives para descobrir porque o odeiam), quer com as peripécias e comportamento desastrado do próprio Doinel. Não fica de fora a sua paixão pelo cinema, nas várias referências explícitas, como o olhar para as histórias de detectives, ou simplesmente o plano em que duas crianças saem da sapataria com máscaras de Bucha e Estica.

Mais uma vez, Jean-Pierre Léaud domina por completo o filme, espantando-nos com a sua sinceridade. Ele é ingénuo, mesmo bondoso, mas também trapalhão e sem escrúpulos, vivendo numa amoralidade muito sua, que nos remete constantemente para a criança rebelde, mas meiga, que conhecêramos em “Os Quatrocentos Golpes”. Tal como Doinel, “Beijos Roubados” é um filme que procura algo (é uma pergunta que fica na canção de abertura que dá o mote ao filme), na descrição de uma juventude que é feita de lições de vida real, que é empírica, amarga, difícil, mas ainda assim com esperança, ou simplesmente que se deixa levar pela corrente, porque na verdade não há alternativa senão ir vivendo e aprendendo, com o tanto de trapalhão que isso possa ter. É esse existencialismo que se pergunta qual afinal o papel do amor.

No final, prova do crescimento de Doinel é a forma como parece ultrapassar os desencontros e, depois de uma noite com Christine, é capaz de um dos momentos mais bonitos do cinema romântico, usando um abre garrafas como o anel com que se propõe à sua amada.

“Beijos Roubados” receberia uma nomeação aos Oscars na categoria de Melhor Filme Estrangeiro.

Truffaut continuaria a história de Antoine Doinel em “Domicílio Conjugal” (Domicile conjugal, 1970) e “Amor em Fuga” (L’amour en fuite 1979) ambos com Jean-Pierre Léaud e Claude Jade.

Produção:

Título original: Baisers volés; Produção: Les Films du Carrosse / Les Productions Artistes Associés; País: França; Ano: 1968; Duração: 91 minutos; Distribuição: United Artists; Estreia: 4 de Setembro de 1968 (França).

Equipa técnica:

Realização: François Truffaut; Produção: Marcel Berbert [não creditado], François Truffaut [não creditado]; Argumento: François Truffaut, Claude de Givray, Bernard Revon; Música: Antoine Duhamel; Fotografia: Denys Clerval [cor por Eastmancolor]; Montagem: Agnès Guillemot; Design de Produção: Claude Pignot.

Elenco:

Jean-Pierre Léaud (Antoine Doinel), Delphine Seyrig (Fabienne Tabard), Claude Jade (Christine Darbon), Michael Lonsdale (Georges Tabard), Harry-Max (Monsieur Henri), André Falcon (Monsieur Blady), Daniel Ceccaldi (Lucien Darbon), Claire Duhamel (Madame Darbon), Catherine Lutz (Catherine), Martine Ferrière (Caixa da Sapataria), Jacques Rispal (Monsieur Colin), Serge Rousseau (Homem que segue Christine), Paul Pavel (Julien), François Darbon (Chefe-Adjunto Picard), Albert Simono (Albani, Cliente da Agência), Jacques Delord (O Ilusionista).

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