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Anna Karina, Cinema, Cinema Francês, Drama, Drama Criminal, Jean-Luc Godard, Jean-Paul Belmondo, Lionel White, Nouvelle Vague, Road Movie, Surrealismo
Ferdinand (Jean-Paul Belmondo) é um pai de família, num casamento sem emoção. Foi recentemente despedido, e vive preso às convenções da sociedade que não suporta. Quando conhece Marianne (Anna Karina), os dois fogem sem rumo, ela perseguida por gangsters, aparentemente envolvida em homicídios e tráfico de armas. É para Ferdinand, que Marianne insiste em chamar de Pierrot, a oportunidade para extravasar a sua loucura e liberdade, numa constante corrida pelo sul de França, sem que o par tenha para onde ir.
Análise:
A partir do romance “Obsession” de Lionel White, Jean-Luc Godard realizava a sua décima longa-metragem, na forma de “Pedro o Louco”. Continuando a traçar um caminho único na Nouvelle Vague francesa, Godard filmava uma espécie de «road movie», com elementos surreais, na linguagem desconcertante e irreverente a que vinha habituando o seu público.
A história segue as desventuras de Ferdinand Griffon (Jean-Paul Belmondo), que vemos inicialmente em casa, onde é casado pai de filhos, preparando-se para ir a uma festa. Na festa Ferdinand deprime-se com o carácter oco de todos os presentes pseudo-intelectuais. Ferdinand abandona a festa e volta a casa, onde o espera Marianne (Anna Karina), a baby-sitter dessa noite, que aparentemente é uma sua antiga namorada. Marianne convence Ferdinand, que ela insiste em chamar de Pierrot, em abandonar a sua vida sem emoção, e este passa a noite com ela. No dia seguinte, encontrando um corpo assassinado, num apartamento repleto de armas, o casal foge, sendo perseguido por terroristas.
A partir de então Ferdinand e Madeleine vivem em constante fuga, desfazendo-se de carros, e voltando a roubar outros, sem dinheiro nem rumo, vagueando pelo sul de França, com Ferdinand perdido entre livros, poesia e o seu diário, e Madeleine falando em reencontrar o seu irmão Fred.
Sem uma narrativa propriamente dita, “Pedro o Louco” é uma colagem de cenas que nem sempre parecem suceder-se por ordem cronológica. Se é claro que Godard nos dá, através das interpretações e situações surreais dos dois protagonistas, um exemplo de um extravasar de loucura, como antítese de uma vida presa a convenções ocas, pouco mais no seu filme é claro.
Na sua clássica deambulação pela cultura, Godard ao fim de 2 ou 3 minutos já nos falou de Velasquez, de Johnny Guitar, de Balzac e da quinta sinfornia de Beethoven. Mas as referências culturais são-nos atiradas de um modo artificial e tão desprovido de sentido como um pai (Ferdinand) estar a ler filosofia a uma filha de quatro anos. Este pavonear oco de pesudo-intelectualidade é-nos explicitado na sequência da festa, nas conversas pedantes que Ferdinand não suporta, e vê em imagens de cor única (as cores primárias), como desconstrução da artificialidade, e ao mesmo tempo referência à pop-art, e ao cenário (e lógica) de banda desenhada que parece percorrer todo o filme (como vermos Ferdinand permanentemente de cigarro na boca, seja qual for a circunstância).
Finda essa primeira parte, Ferdinand e Madeleine encontram-se sós contra o mundo. Fogem, conduzem, correm, param para meter gasolina, batendo nos empregados, afundam e queimam carros, saltam para barcos, são confrontados com gângsters, combatem-nos, e escondem-se pelos campos, declamam, cantam. Tudo num ritmo louco, e sem muito sentido, que equipara, no entanto, os acontecimentos ao evoluir de uma relação amorosa, e aos estados e essências dos dois personagens.
Godard dá-nos as várias cenas sem que possamos ter exacta certeza do que se passa quando (Ferdinand já conhecia Madeleine? As sequências com mortos em apartamentos surgem em que pontos da narrativa?), a sua montagem é no mínimo desafiante, há personagens de fora da narrativa a falar-nos, os personagens quebram a quarta parede dirigindo-se variadas vezes à câmara, e tudo isto parece concorrer para o desmistificar do famoso «suspension of desbelief», como se Godard nos quisesse permanentemente pôr em cheque, lembrando-nos de que estamos a ver algo artificial: um filme. É, afinal, a sua velha questão sobre o papel da arte, transversal a tantos dos seus filmes.
Sem argumento propriamente dito (Godard ia escrevendo à medida que filmava), muito do trabalho de actores é improvisado, quer ao nível dos diálogos quer dos gestos e comportamentos. Curiosamente as idiossincrasias deste par em fuga tornar-se-iam clássicas e imitadas um pouco por todo o lado.
Como curiosidades destaque para o cameo do realizador Samuel Fuller (o realizador americano na festa inicial) e a presença de um Lazlo Kovaks, nome do personagem de Belmondo no filme de Godard “O Acossado” (À bout de souffle, 1960).
Produção:
Título original: Pierrot le Fou; Produção: Films Georges de Beauregard / Rome Paris Films / Société Nouvelle de Cinématographie (SNC) / Dino de Laurentiis Cinematografica; País: França; Ano: 1965; Duração: 110 minutos; Distribuição: Société Nouvelle de Cinématographie (SNC) (França), Pallas Filmverleih (República Federal Alemã), Gala Film Distributors (Reino Unido); Estreia: 29 de Agosto de 1965 (Festival Internacional de Veneza, Itália), 5 de Novembro de 1965 (França), 29 de Dezembro de 1966 (Portugal).
Equipa técnica:
Realização: Jean-Luc Godard; Produção: Georges de Beauregard [não creditado] [baseado no livro “Obsession” de Lionel White]; Argumento: Jean-Luc Godard; Música: Antoine Duhamel; Fotografia: Raoul Coutard [cor por Eastmancolor]; Montagem: Françoise Collin; Design de Produção: Pierre Guffroy [não creditado]; Direcção de Produção: René Demoulin [não creditado].
Elenco:
Jean-Paul Belmondo (Ferdinand Griffon, ‘Pierrot’), Anna Karina (Marianne Renoir), Graziella Galvani (Maria Griffon), Dirk Sanders (Fred) [não creditado], Jimmy Karoubi (Anão) [não creditado], Roger Dutoit (Gangster) [não creditado], Hans Meyer (Gangster) [não creditado], Samuel Fuller (O Próprio) [não creditado], Princesa Aicha Abadir (A Própria) [não creditada], Alexis Poliakoff (Marinheiro) [não creditado], Raymond Devos (Homem do Porto) [não creditado], László Szabó (Lazlo Kovacs, Exilado Político) [não creditado], Jean-Pierre Léaud (Jovem no Cinema) [não creditado], Georges Staquet (Franck) [não creditado], Henri Attal (Empregado na Estação de Serviço) [não creditado], Dominique Zardi (Empregado na Estação de Serviço) [não creditado].