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Agnès Varda, Antoine Bourseiller, Cinema, Cinema Francês, Corinne Marchand, Drama, Nouvelle Vague
Durante hora e meia acompanhamos os passos de Cléo (Corinne Marchand), uma famosa cantora, que espera ansiosamente o resultado de testes médicos. Cléo acredita ter cancro, convicção que é reforçada após uma visita a uma cartomante. Tenta então combater a depressão em que cai, primeiro indo Às compras, depois trabalhando um pouco em casa com os seus compositores, e por fim saindo para deambular por Paris, enquanto não são horas de ir ver o seu médico. Esta visita dá-se depois de conhecer Antoine (Antoine Bourseiller), um soldado de partida para a Argélia, que a distrai a caminho do hospital.
Análise:
Tendo-se estreado em 1955, com “La Pointe-Courte”, Agnès Varda era já uma realizadora com alguma experiência (sobretudo em curtas-metragens documentais) quando a Nouvelle Vague se tornou uma realidade. Tal concorreu para o seu estilo de contar histórias de forte componente realista e cariz feminino, como a que expressa na sua segunda longa-metragem de ficção, “Duas Horas na Vida de Uma Mulher”, estreada em 1962.
Com uma história passada em tempo real, que abarca hora e meia da vida de uma mulher (e não duas, como o título dá a entender), Varda, que também escreveu o argumento original, mostra-nos Cléo (Corinne Marchand) diminutivo de Cléopatre, o nome artístico de Florence, uma cantora pop de sucesso, que se vê ansiosamente à espera de um exame médico que pode decretar se sofre de alguma doença fatal.
No seu pessimismo, Cléo está convencida de que vai morrer, ideia que reforça na visita a uma cartomante (nas únicas imagens a cores do filme, que são as das cartas dispostas e voltadas sobre uma mesa). Daí Cléo segue com a secretária Angèle (Dominique Davray) para casa, depois de um ataque de choro num café, encontra o amante, recebe os seus compositores (Michel Legrand, o verdadeiro compositor do filme, e Serge Korber), sai de táxi, encontra a amiga Dorothée (Dorothée Blanck), visita um cinema, vagueia por Paris, e entra num parque, onde conhece Antoine (Antoine Bourseiller). Este, um soldado de partida para a Argélia, mete conversa com ela, e aos poucos Cléo vai-se sentindo bem com ele, confessando-lhe o seu medo, no que lhe vale a companhia de Antoine até ao hospital.
Quase como um documentário, Agnès Varda filma os movimentos de Cléo, seja em longos planos-sequência, seja em breves close-ups. Como habitual na Nouvelle Vague, os movimentos parecem improvisados (marcados por alguns jump-cuts), principalmente no que acontece nas ruas de Paris, onde se pode notar como nada foi planeado, e os figurantes são os transeuntes normais, que por vezes ficam a olhar a câmara, no que parece um documentário sobre a cidade.
Com uma interpretação sincera da bonita Corinne Marchand, “Duas Horas na Vida de Uma Mulher” vale sobretudo pelo modo como esta dá a transparecer a dor que sente e o quanto se sente perdida numa vida, que face à perspectiva de uma doença mortal, poderá não significar coisa nenhuma. Cléo é uma mulher famosa e bela, que o sabe e tenta capitalizar (na forma como fala de si, como constantemente examina a sua imagem, como mantém uma relação superficial com um amante que parece apenas um patrono), o que vem contrastar com a quase auto-descoberta que decorre no tempo do filme, em que tem de analisar o que significa a vida e a morte para si, passando dessa superficialidade inicial ao seu lado mais humano, nas conversas com o desconhecido Antoine. Os próprios diálogos decorrem a ritmo natural, como o pensar de alguém perturbado, vão-se sucedendo e atropelando. Abarcam temas como a mortalidade, a existência, o desespero, no que se aproximam das temáticas existencialistas que marcavam a Paris do seu tempo.
Tal como o título demonstra, há todo um sentido de insignificância como elemento central. São duas horas apenas na vida de uma mulher, como é apenas uma história humana na história da humanidade, e no entanto, nesse breve momento encapsula-se tanto do que significa essa mesma condição humana.
Destaque final para os cameos de alguns nomes importantes da Nouvelle Vague, como o realizador Jean-Luc Godard e os actores Anna Karina e Jean-Claude Brialy, todos no filme mudo surreal que é projectado dentro do filme principal para as personagens de Cléo e Dorothée.
Produção:
Título original: Cléo de 5 à 7; Produção: Ciné Tamaris / Rome Paris Films; País: França / Itália; Ano: 1962; Duração: 90 minutos; Distribuição: Compagnie Commerciale Française Cinématographique (CCFC); Estreia: 11 de Abril de 1962 (França).
Equipa técnica:
Realização: Agnès Varda; Produção: Georges de Beauregard, Carlo Ponti; Argumento: Agnès Varda; Música: Michel Legrand; Fotografia: Jean Rabier, Alain Levent, Paul Bonis [preto e branco e cor]; Montagem: Janine Verneau, Pascale Laverrière; Direcção Artística: Bernard Evein; Figurinos: Alyette Samazeuilh; Caracterização: Aïda Carange; Direcção de Produção: Bruna Drigo.
Elenco:
Corinne Marchand (Florence, ‘Cléo Victoire’), Antoine Bourseiller (Antoine), Dominique Davray (Angèle), Dorothée Blanck (Dorothée), Michel Legrand (Bob, o Pianista), José Luis de Vilallonga (Amante), Loye Payen (Irma, a Cartomante), Renée Duchateau (Vendedora de Chapéus), Raymond Cauchetier (Raoul, o Projeccionista), Lucienne Marchand (Taxista), Serge Korber (Maurice, o Letrista), Robert Postec (Doutor Valineau), Jean Champion (Dono do Café) [não creditado], Jean-Pierre Taste (Empregado do Café) [não creditado].