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La JetéeUm homem (Davos Hanich, voz de Jean Négroni) narra a sua última memória de infância, a ver os aviões em Orly, sentido-se tocado pela imagem de uma jovem mulher (Hélène Chatelain), e pela morte de um homem à sua frente. Dias depois dá-se a Terceira Guerra Mundial, e uma vida de sobrevivência a custo para os poucos seres humanos que vivem num mundo subterrâneo para escapar à devastação da superfície, e onde o próprio é prisioneiro usado em experiências científicas. Estas levam-no a viajar para o passado, em busca de uma cura para salvar o presente. As suas memórias levam-no a conhecer a mulher que vira em criança, acabando por acompanhá-la ao aeroporto, onde vai ver-se como criança e descobrir que o adulto morto seria ele próprio.

Análise:

Chris Marker era na viragem da década de 50 para a de 60 um realizador de curtos documentários, numa estética que o colocava intimamente ligado à chamada Nouvelle Vague. Realizador da Margem Esquerda (por relação ao Sena, e por fazer parte de um grupo que incluía Alain Resnais e Agnès Varda, nada tinha a ver com os Cahiers do Cinema), Marker filmou em 1962 a sua primeira obra de ficção, “La Jetée”.

Com “La Jetée” (referência à plataforma de onde se observam as partidas e chegadas de aviões num aeroporto) Chris Marker conta a história de um homem (Davos Hanich) que narra (voz de Jean Négroni) como a sua memória de infância mais preciosa é a de um dia em que, com os pais, observava os aviões. Algo que o marcou foi o rosto de uma mulher (Hélène Chatelain), memória essa que ele agora sabe ter por muito tempo bloqueado outra mais dura, a do assassinato de um homem à sua frente.

Pouco tempo depois deu-se a Terceira Guerra Mundial, e o mundo ficou inabitável, com os poucos sobreviventes a viverem escondidos no subterrâneo, e muitos a entregarem-se ao crime. Ele próprio prisioneiro, assistiu a como outros como ele eram usados em experiências científicas que tentavam ligar o sujeito ao seu passado. Pela sua grande afinidade com memórias de infância, o homem tornou-se um sujeito especial nestas experiências, conseguindo ser transportado (como adulto) para os momentos que recordava como criança. O seu objectivo era recolher informação que pudesse ajudar no combate às doenças, mas acabou simplesmente por procurar a mulher das suas memórias e passar tempo e desenvolver uma relação amorosa com ela. Mais viagens para o passado e futuro possibilitam que cumpra a missão, mas ao fugir para o passado de novo, é perseguido por um dos seus carcereiros, que o assassina aos olhos da criança que ele antes fora, percebendo assim que o homem assassinado da sua memória de infância era ele próprio.

Com uma história de ficção científica, de tom bastante negro, Marker espanta por a narrar usando apenas fotografias estáticas. A razão pode ter sido apenas financeira, mas o resultado é um filme com uma voz própria, baseado nesses stills, cuja montagem nos dá a ver a ritmo variado, com um efeito não menos dramático que o de imagens em movimento. O design do momento futuro, a história sinuosa das viagens no tempo, a contemplação de uma memória vista quase como um sonho idílico (onde viagens no tempo se confundem com viagens pela memória), e a tragédia anunciada que se converte num final inesperado, são temas marcantes e que influenciariam outras obras. A mais notável influência é no remake “12 Macacos” (Twelve Monkeys, 1995) de Terry Gilliam, que usa não apenas a mesma história, mas também muitos dos conceitos visuais do filme de Chris Marker.

Ainda no campo das influências note-se a referência a “A Mulher Que Viveu Duas Vezes” (Vertigo, 1958), de Alfred Hitchcock – um dos realizadores preferidos da geração da Nouvelle Vague – na cena em que os protagonistas apontam anos de onde vieram nos anéis da secção cortada de uma árvore (no filme de Hitchcock a personagem de Kim Novak apontava uma data muito mais remota, no de Marker o seu personagem aponta uma futura).

Para além dos diálogos do futuro, em fundo, em alemão, e algumas vozes em surdina no aeroporto, não existem outros diálogos, apenas a voz off do narrador, que de um modo desapaixonado nos vai contando a história. Mas apesar de todos estes métodos espartanos, o filme de Marker tem emoção humana, talvez provinda da interiorização que o espectador faz da revisita de memórias e construção mental de uma história mostrada em imagens soltas, quase como um álbum fotográfico, ele próprio um templo da memória e nostalgia.

Quem diz que não é possível criar-se uma obra puramente experimental, dando-lhe ao mesmo tempo um calor poético cheio de emoção?

Produção:

Título original: La Jetée [Título inglês: The Pier]; Produção: Argos Films; País: França; Ano: 1962; Duração: 26 minutos; Distribuição: Argos Films; Estreia: 16 de Fevereiro de 1962 (França), (Portugal).

Equipa técnica:

Realização: Chris Marker; Produção: Anatole Dauman; Argumento: Chris Marker; Música: Trevor Duncan; Fotografia: Jean Chiabaut, Chris Marker [preto e branco]; Montagem: Jean Ravel.

Elenco:

Jean Négroni (Voz do Narrador), Hélène Chatelain (A Mulher), Davos Hanich (O Homem), Jacques Ledoux (O Cientista), André Heinrich, Jacques Branchu, Pierre Joffroy, Étienne Becker, Philbert von Lifchitz, Ligia Branice [como Ligia Borowczyk] (Uma Mulher do Futuro), Janine Klein (Uma Mulher do Futuro), William Klein [como Bill Klein] (Um Homem do Futuro), Germano Facetti.

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