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Anouk Aimée, Casos Psiquiáticos, Charles Aznavour, Cinema, Cinema Francês, Drama, Georges Franju, Hervé Bazin, Jean-Pierre Mocky, Nouvelle Vague, Paul Meurisse, Pierre Brasseur
Depois de um confronto violento entre François Gérane (Jean-Pierre Mocky) e o seu pai (Jean Galland), este interna François numa instituição psiquiátrica. Por mais que François tente explicar que se trata apenas de um castigo do seu pai, o responsável, o Dr. Varmont (Pierre Brasseur), não o ouve. Habituado a considerar todos os pacientes como loucos sem cura, que devem ser afastados da sociedade, o Dr. Varmont mantém o hospital como se fosse uma prisão, olhando com desdém para todos os seus pacientes. Nem mesmo a crítica do Dr. Emery (Paul Meurisse), que acredita poder tratar os pacientes de modo a reintegrá-los o convence. Perante isto, não resta a François mais que tentar fugir, com a ajuda do seu novo amigo, o epiléptico Heurtevent (Charles Aznavour). Enquanto isso, a única pessoa que acredita em François é Stéphanie (Anouk Aimée), a mulher que o conheceu um dia antes de ser internado, e que o vai visitando sempre que pode.
Análise:
Realizador de documentários já há alguns anos, Georges Franju realizou o seu primeiro filme de ficção em 1959, a partir de um romance Hervé Bazin, o qual seria adaptado por Jean-Pierre Mocky, o protagonista do próprio filme.
A sua formação permitiu-lhe filmar com algum formalismo de documentário, que trouxe ao filme o realismo tão procurado na Nouvelle Vague, escola paralela da carreira de Franju, é à qual ele é vulgarmente associado, mesmo que não lhe tenha procurado explicitamente pertencer. Franju consegue ainda o feito de juntar ao seu realismo influências do expressionismo alemão, no modo como usa a sombra para criar atmosfera, algo que se tornaria ainda mais evidente no seu filme seguinte, o celebrado “Eyes Without a Face” (Les yeux sans visage, 1960).
“Os Muros do Desespero” conta-nos a história de François Gérane (Jean-Pierre Mocky), um jovem rebelde, em revolta contra tudo, que um dia é apanhado pelo pai (Jean Galland) a roubá-lo e a queimar papéis por despeito. Uma discussão leva a agressão, e François acaba internado num hospital psiquiátrico por ordem do pai, que o considera instável. A princípio François pensa tratar-se de um equívoco, e explica que não há razão para o internamento, pois trata-se apenas de um castigo do pai. Mas cedo percebe que o responsável, o Dr. Varmont (Pierre Brasseur), o ignora, pois mantêm o hospital como se fosse uma prisão, desprezando os pacientes, para si apenas loucos sem cura, que devem ser mantidos longe da sociedade. Depois de travar amizade com outro internado, o epiléptico Heurtevent (Charles Aznavour), Charles planeia a sua fuga, algo que ambos tentam sem sucesso. Heurtevent fala a Charles do Dr. Emery (Paul Meurisse), um médico que acredita na reabilitação dos doentes, tratando-os com modernos meios psicológicos, mas este não consegue que o intransigente Dr. Varmont lhe ceda Charles para tratamento. Com Heurtevent a cometer suicídio pelo desespero de uma vida sem esperança, Charles consegue nova fuga, juntando-se na cidade a Stéphanie (Anouk Aimée), a mulher que o conheceu um dia antes de ser internado, e única pessoa que o vai visitando regularmente.
Com um filme poeticamente amargo, e mesmo cruel, Franju dá-nos uma história quase de terror (pelo seu tema), sobre um meio do qual pouco se sabia na altura. Se os limites da sanidade humana são ainda um mistério, muito pior era o mistério dos seus diagnósticos e tratamentos a meio do século XX. Através da descrição da casa psiquiátrica do Dr. Varmont, do seu desdém pelos pacientes, e do seu olhar arrogante como se todos fossem criminosos condenados a pena perpétua, sentimos esse horror. Tal horror é ainda mais evidente na história de François, alguém que conhecêramos como um jovem perturbado, sim, mas com preocupações e devaneios próprios da sua juventude e história familiar. É com ele que partilhamos a mesma inquietação, sentimento de frustração e de injustiça que o levam a decidir-se pela fuga.
Fica então a ideia de que algo tão simples como a liberdade humana pode não significar nada, quando deparamos com perspectivas diferentes por parte daqueles que têm autoridade. Através do exemplo do Dr. Varmont vemos que a linha entre sanidade e loucura pode não passar de uma questão de preconceitos pessoais, baseados em factores de tradição e religiosos, que forjam uma visão tacanha e comodista. Poderá uma sociedade ditar leis sobre o que é normal ou não, punindo cada desvio ao socialmente aceite, e definindo-o baseando-se na conveniência de quem tem poder de decisão?
É esta a pergunta provocante que nos deixa “Os Muros do Desespero”, ideia com tanto de assustador como de pertinente, que daria mais tarde motivo para o mais mediático filme “Voando Sobre Um Ninho de Cucos” (One Flew Over the Cuckoo’s Nest, 1975) de Miloš Forman.
Produção:
Título original: La tête contre les murs; Produção: ATICA / Elpenor Films / La Société des Films Sirius; País: França; Ano: 1959; Duração: 92 minutos; Distribuição: La Société des Films Sirius; Estreia: 20 de Março de 1959 (França), (Portugal).
Equipa técnica:
Realização: Georges Franju; Produção: Jérôme Goulven; Argumento: Jean-Pierre Mocky [adaptado do romance de Hervé Bazin]; Diálogos: Jean-Charles Pichon; Música e Direcção de Orquestra: Maurice Jarre; Fotografia: Eugen Schüfftan [preto e branco]; Design de Produção: Louis Le Barbenchon; Montagem: Suzanne Sandberg; Caracterização: Louis Dor; Direcção de Produção: Jean Velter.
Elenco:
Jean-Pierre Mocky (François Gérane), Anouk Aimée (Stéphanie), Charles Aznavour (Heurtevent), Pierre Brasseur (Dr. Varmont), Paul Meurisse (Dr. Emery), Jean Galland (Maître Gérane), Jean Ozenne (Conde Elzéar de Chambrelle), Thomy Bourdelle (Coronel Donnadieu), Rudy Lenoir, Roger Legris (Decauville), Henri San Juan (Dono da casa de bilhares), Edith Scob (Louca que Canta), René Alié, Luc Andrieux (Enfermeiro), Doudou Babet (O Negro), Claude Badolle, Henri Poirier (Padre), Claude Castaing, Jean Henry.