Etiquetas
Alec McCowen, Alfred Hitchcock, Anna Massey, Arthur La Bern, Barbara Leigh-Hunt, Barry Foster, Billie Whitelaw, Cinema, Jon Finch, Serial Killer, Thriller
“Perigo na Noite” foi o terceiro filme de Alfred Hitchcock rodado integralmente na Inglaterra, depois da sua ida para os Estados Unidos em 1939. Era um regresso do realizador a temas mais habituais (o thriller criminal, o serial killer, o falso culpado, a repressão sexual e seus desvios) depois de dois mal recebidos filmes de espionagem com a Guerra Fria como cenário. Com argumento de Anthony Shaffer a partir de um livro de Arthur La Bern, numa espécie de versão moderna de Jack, o Estripador, o filme conta com as presenças de Jon Finch, Alec McCowen, Barry Foster, Anna Massey e Barbara Leigh-Hunt.
Sinopse:
Londres vive sob o sobressalto dos crimes do “Necktie Murderer”, o assassino da gravata, que estrangula mulheres depois de as violar. Quando Brenda Blaney (Barbara Leigh-Hunt) é a nova vítima, o seu ex-marido, Richard Blaney (Jon Finch), um irascível desempregado com problemas financeiros, torna-se o principal suspeito aos olhos do inspector Oxford (Alec McCowen). Ao mesmo tempo descobrimos que o verdadeiro assassino é o amigo de Blaney, Robert Rusk (Barry Foster), que vai aproveitar para incriminar ainda mais Blaney, quando vê que a polícia o procura.
Análise:
Em 1971, Alfred Hitchcock voltou à Inglaterra para filmar, algo que não fazia desde “O Homem Que Sabia Demais” (The Man who Knew too Much, 1956). O resultado seria o seu penúltimo filme, um thriller de fundo britânico, sobre a actividade de um assassino em série. Baseado no livro “Goodbye Piccadilly, Farewell Leicester Square” de Arthur La Bern, filme e livro devem muito ao celebérrimo caso de Jack, o Estripador.
Decorrendo por entre a fria e húmida atmosfera londrina, de cheiros e cores provenientes dos mercados de vegetais de Covent Garden (e ruas circundantes, onde o realizador cresceu), Hitchcock conta-nos a história dos crimes do assassino da gravata, um homem que mata mulheres, estrangulando-as com uma gravata, enquanto as viola. Mas juntando a isto um tema tipicamente seu, Hitchcock dá-nos a perspectiva de Richard Blaney (Jon Finch), um dos seus falsos culpados. Blaney é um homem irascível, em maré de azar, e que surge quase sempre ligado às vítimas ou aos lugares onde os crimes são cometidos. Tal torna-o o principal suspeito, o que a sua natureza conflituosa tende a acentuar, mercê de decisões questionáveis, e constantes fugas.
Sabemos, no entanto, quase desde o início, que o verdadeiro assassino é Robert Rusk (Barry Foster), inicialmente seu amigo desinteressado, mas que mais tarde verá com bons olhos o bode expiatório que tentará incriminar ainda mais. O filme torna-se então um acumular de suspense sobre como poderá Blaney ser inocentado e Rusk descoberto. Entre eles surge a figura do inspector policial Oxford (Alec McCowen), um homem honesto e profissional cuja dedicação é constantemente atormentada pelos cozinhados franceses da esposa (Vivien Merchant), no que constitui o principal ponto humorístico do filme.
Com Anna Massey e Barbara Leigh-Hunt no papel das duas principais vítimas, “Perigo na Noite” é ainda o primeiro filme de Hitchcock que mostra nudez sem pudor, e cenas de violência gráfica não habituais no realizador, levando o filme para qualificações restritivas. Voltando a incidir no sexo como tema principal, Hitchcock mostra-nos um assassino cujas motivações são de natureza sexual (viola as vítimas, sendo descrito pela polícia como impotente num contexto “normal”), de fetichismo, desejos reprimidos e nítido gosto pela violência (como fica patente na descrição que dele é feita na agência matrimonial).
O tema do casamento é transversal ao filme, com o casamento falhado dos Blaney como ponto de partida, e um estranho relatório de violência doméstica (aparentemente cozinhado entre o casal para apressar o divórcio) como sombra sobre Richard Blaney. Blaney é suspeito por se manter solteiro. A ex-mulher é vítima por ter uma agência que procura unir casais perfeitos, e por fim Rusk é o culpado por ser um solteirão inveterado, sem relações com mulheres (note-se a breve aparição da sua mãe, quase que uma mãe ao jeito de “Psico”, que não fala, apenas se faz sentir).
Com uma história crua e sem estrelas no elenco, o filme é ainda assim uma melhoria sobre as duas anteriores histórias de Guerra Fria, num regresso de Hitchcock aos seus thrillers criminais. Ao que consta, o papel de Rusk terá sido oferecido a Michael Caine, o qual terá recusado, para mais tarde interpretar um papel similar no hitchcockiano “Vestida para Matar” (Dressed to Kill, 1980) de Brian De Palma, e o de Babs a Helen Mirren, que mais tarde interpretaria a esposa de Hitchcock na biopic “Hitchcock” (2012). Já para o papel de Blaney, John Finch foi também uma segunda escolha, depois da recusa de David Hemmings. Barry Foster e Billie Whitelaw (a irritante Sra. Potter) terão sido escolhidos por Hitchcock depois de este ter visto o thriller “O Anormal” (Twisted Nerve, 1968) de Roy Boulting.
De entre os melhores momentos, destaque para o travelling que ocorre quando Rusk mata Babs no seu apartamento, e nos afasta do local, paulatinamente, descendo a escadaria em espiral até nos perder na rua. Nota de destaque é ainda a longa sequência no camião de batatas, no qual Rusk se debate desajeitadamente contra um cadáver nu, ao qual tem que quebrar alguns dedos para recuperar o objecto que lhe pertence, numa sequência de uma frieza desumana.
“Perigo na Noite” marca um retorno de Hitchcock aos seus temas principais, não atingindo no entanto o sucesso de décadas anteriores, num momento em que o cinema já buscava emoções fortes noutros temas e modos de os abordar.
Produção:
Título original: Frenzy; Produção: Universal Pictures; País: Reino Unido; Ano: 1972; Duração: 111 minutos; Distribuição: Universal Pictures; Estreia: Maio de 1972 (Festival de Cannes, França), 25 de Maio de 1972 (Reino Unido), 14 de Novembro de 1972 (Cinemas Condes e Vox, Portugal).
Equipa técnica:
Realização: Alfred Hitchcock; Produção: Alfred Hitchcock [não creditado]; Produtor Associado: William Hill; Argumento: Anthony Shaffer [baseado no livro “Goodbye Piccadilly, Farewell Leicester Square” de Arthur La Bern]; Música: Ron Goodwin; Fotografia: Gilbert Taylor, Leonard J. South [não creditado] [filmado em Eastman cor por Technicolor]; Montagem: John Jympson; Design de Produção: Syd Cain; Direcção Artística: Robert W. Laing; Director de Produção: Brian Burgess; Figurinos: Dulcie Midwinter; Efeitos Especiais: Albert Whitlock; Caracterização: Harry Frampton; Cenários: Simon Wakefield.
Elenco:
Jon Finch (Richard Ian Blaney), Alec McCowen (Inspector-Chefe Oxford), Barry Foster (Robert Rusk), Billie Whitelaw (Hetty Porter), Anna Massey (Babs Milligan), Barbara Leigh-Hunt (Brenda Margaret Blaney), Bernard Cribbins (Felix Forsythe), Vivien Merchant (Mrs. Oxford), Michael Bates (Sargento Spearman), Jean Marsh (Monica Barling), Clive Swift (Johnny Porter), Madge Ryan (Mrs. Davison), Elsie Randolph (Gladys), Gerald Sim (Mr. Usher – Cliente no Bar), John Boxer (Sir George), George Tovey (Neville Salt), Jimmy Gardner (Porteiro do Hotel), Noel Johnson (Médico no Bar).
Eu tinha assistido Frenzy na época do lançamento e durante todos esses anos eu pensava que era um filme de Brian De Palma. Reví-o semana passada, via torrent, e surpresa, é um Hitchcock. Mas que parece Brian De Palma, parece.
É um Hitchcock “menor”, sem o classicismo anterior, e já com atmosfera dos anos 70. Brian De Palma tem sido um seguidor de Hitchcock, que homenageia (outros dizem que copia) em cada filme, por isso essa ideia não surpreende. 🙂