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The BirdsDe volta à Universal, Hitchcock continuava no domínio do terror, filmando pela terceira vez uma história da escritora Daphne Du Maurier. Com argumento de Evan Hunter, o filme foi ainda um regressar da velha equipa de Hitchcock, onde se destacava o director de fotografia Robert Burks, o compositor Bernard Herrmann, o montador George Tomasini e a figurinista Edith Head, depois do interregno que fora “Psico”. Nos papéis principais estavam actores que nunca tinham trabalhado com o mestre inglês, como Tippi Hedren, Rod Taylor, Jessica Tandy, Suzanne Pleshette e Veronica Cartwright.

Sinopse:

Quando Melanie Daniela (Tippi Hedren), uma mulher da alta sociedade habituada a ter tudo o que quer, é confrontada pelo advogado Mitch Brenner (Rod Taylor) que a menospreza numa loja de animais, Melanie decide ter a última palavra. Para isso viaja, sem ser esperada, para a vila de Bodega Bay, onde Mitch passa o fim de semana, para lhe levar um casal de periquitos para a irmã Cathy (Veronica Cartwright). Só que ao chegar, Melanie deixa-se envolver nas estranhas forças que dominam Mitch, desde a história da ex-namorada Annie Hayworth (Suzanne Pleshette) até à sua dominadora e ciumenta mãe, Lydia (Jessica Tandy). Só que antes que possa fazer a situação evoluir, Melanie testemunha a natureza a revoltar-se com crescentes e cada vez mais violentos ataques de aves a abater-se sobre os habitantes de Bodega Bay.

Análise:

Durante a produção de “Psico” (Psycho, 1960) Alfred Hitchcock terminou a sua ligação à Paramount Pictures, passando a trabalhar para a Universal. E foi para este estúdio que Hitchcock faria o seu filme seguinte, após aquele que seria o seu maior interregno até então.

Com argumento de Evan Hunter, segundo uma história de Daphne Du Maurier, surgia “Os Pássaros”. Era a terceira vez que Hitchcock adaptava Du Maurier ao cinema, depois de “A Pousada da Jamaica” (Jamaica Inn, 1939) e “Rebecca” (Rebecca, 1940). Mas se esses filmes apresentavam uma atmosfera gótica, própria da autora inglesa, “Os Pássaros” era mais uma incursão de Hitchcock no cinema de terror, depois da porta deixada aberta por “Psico”.

O projecto demorou vários anos, com Hitchcock pela primeira vez na sua carreira a ter de parar as filmagens para pensar, e modificar os planos originais. O argumento começou a ser escrito em 1961, confiado a Evan Hunter (um autor de romances criminais, que ficaria mais conhecido através dos pseudónimos Ed McBain e Richard Marsten), que sugerira que se baralhasse o público, com uma história incial em atmosfera romântica, com um choque de classes e personalidades, bem ao estilo da saudosa screwball comedy dos anos 30. Era, no fundo, o repetir da ideia usada em “Psico”, de criar uma história que de repente deixava de importar perante a verdadeira realidade do filme, que se abateria sobre o espectador com uma surpresa.

Iniciando-se numa loja de animais de estimação, as duas personagens principais, Melanie e Mitch (Tippi Hedren e Rod Taylor) são introduzidas através de uma série de equívocos e trocadilhos, que colocam Melanie como uma falsa vendedora, e Mitch como comprador desinteressado. Na verdade Mitch conhece Melanie, por quem denota algum desprezo, mas também curiosidade. Sendo uma mulher da alta sociedade, habituada a ter o que quer, Melanie não aceita ser menosprezada por Mitch, e propõe-se a visitar espontaneamente a vila piscatória de Bodega Bay, na Califórnia, onde ele passa os fins de semana, para lhe levar um casal de periquitos (lovebirds no original, nome dado a vários trocadilhos), e tentar mudar a opinião dele a seu respeito. Após toda a situação desconfortável que é conhecer a antiga namorada de Mitch, professora local Annie Hayworth (Suzanne Pleshette), e principalmente a mãe de Mitch, a ciumenta e possessiva Lydia (Jessica Tandy), Melanie e Mitch envolvem-se sentimentalmente. Só que no momento seguinte todas as aves da vizinhança enlouquecem conduzindo ataques concertados contra a vila e os seus habitantes.

Aquilo que parecia ser uma história amorosa, que evoluía sob a tensão de uma mãe dominadora (o velho tema hitchcockiano da mãe), torna-se de repente uma história de terror em que os ataques de uma natureza enlouquecida são cada vez mais totais, perigosos e visualmente arrepiantes.

Se “Psico” lidara com a essência do mal como uma entidade quase transcendente (mal esse, que de modo mais prosaico, estivera sempre presente na obra de Hitchcock), “Os Pássaros” vai ainda mais longe, caracterizando esse mal como algo indefinível, sem razão ou princípio. A pergunta “Porque atacam os pássaros?” é por isso a tónica principal da história. Esse carácter metafísico tem proporcionado inúmeras teorias sobre o que quereria Hitchcock mostrar com este filme em que a natureza se revolta sem qualquer explicação. Onde alguns vêem uma mensagem ecológica, outros acreditam que talvez Hitchcock quisesse apenas surpreender o seu público, ciente da lição de que, quanto mais imprevisível e inexplicável um fenómeno, mais ele choca e assusta de um modo irracional e visceral.

Exemplo desse poder da irracionalidade, quando advinda do desconhecido, é a cena do café, em que assistimos a um escalar contangiante do pânico, resultando num caos total durante o ataque à estação de serviço.

Mas não é de desprezar o lado metafórico da história, com as analogias entre a situação de Mitch e o aumentar da ameaça. Vivendo uma vida protegida, Mitch encontra Melanie numa loja onde se fala do mais pacato dos pássaros, o periquito (note-se como todas as menções do nome lovebirds fazem sempre alguém – Lydia, Annie – ficar desconfiado). Mitch está constantemente rodeado de mulheres (a mãe, a irmã, Annie, Melanie) e são elas que definem as suas decisões. Nesse sentido, a ameaça externa de Mitch, é o sexo feminino, e é este apertar do cerco que pode levar a decisões irreversíveis que parece ser acompanhado da crescente ameaça alada (note-se como a primeira pessoa a ser atacada é a própria Melanie). Os pássaros como animais de beleza, fascínio e forças inexcrutáveis da natureza podem ser assim equiparados à força feminina. Seja como for, Hitchcock deixa um final em aberto, que ajuda de certo modo a que o fascínio do filme permaneça tão enigmático como actual.

Para dar um carácter mais austero ao filme, Hitchcock abdicou de uma banda sonora musicada (é aliás nas longas sequências sem palavras que o filme tem mais força, como habitual em Hitchcock). No entanto reside no som um dos principais trunfos de “Os Pássaros”. Com um cuidado tratamento de efeitos sonoros, o filme tem muito da sua tensão proveniente dos sons das aves, que consegue ser revelador, tenso e arrepiante, sempre a que a situação o exige. Para tal, os técnicos Remi Gassmann e Oskar Sala foram contratados para criarem uma banda sonora, usando a nova tecnologia electro-acústica, e trabalhando em colaboração com o compositor Bernard Herrmann, que aqui serviu de consultor.

Outro dos lados mais surpreendentes do filme foram os seus efeitos visuais, muito avançados para a época. O seu objectivo era mostrar os pássaros a interagir com os seres humanos, e ao mesmo tempo, ter bandos de milhares de indivíduos a infestar a vila de Bodega Bay. Tal foi conseguido em colaboração com a Disney Studios, pelo uso do inovador processo de sodium vapor process (também conhecido como ecrã amarelo), criado por Ub Iwerks, que permite filmar e sobrepor duas imagens em simultâneo.

“Os Pássaros” foi muito bem recebido por público e crítica, garantido a Hitchcock a presença em vários festivais internacionais, e a nomeação para diversos prémios. Tippi Hendren (que aqui se estreava no cinema, e que voltaria a trabalhar com Hitchcock) venceria o Globo de Ouro para Revelação do Ano, e o filme tem, desde então, ocupado sempre os lugares cimeiros das listas de melhores filmes de terror de sempre. Para muitos é a última obra-prima de Hithcock, cujos filmes seguintes representam uma curva descendente na sua carreira.

Produção:

Título original: The Birds; Produção: Universal Pictures / Alfred J. Hitchcock Productions; País: EUA; Ano: 1963; Duração: 114 minutos; Distribuição: Universal Pictures; Estreia: 28 de Março de 1963 (EUA), 20 de Novembro de 1964 (Cinemas Alvalade e São Luiz, Portugal).

Equipa técnica:

Realização: Alfred Hitchcock; Produção: Alfred Hitchcock [não creditado]; Argumento: Evan Hunter [baseado no livro de Daphne Du Maurier]; Efeitos Sonoros: Remi Gassmann, Oskar Sala; Consultor de Som: Bernard Herrmann; Fotografia: Robert Burks [cor por Technicolor]; Design de Produção: Robert F. Boyle; Figurinos: Edith Head; Montagem: George Tomasini; Director de Produção: Norman Deming; Efeitos Especiais: Ub Iwerks, Larry Hampton; Caracterização: Howard Smit; Cenários: George Milo; Guarda-roupa: Rita Riggs.

Elenco:

Tippi Hedren (Melanie Daniels), Rod Taylor (Mitch Brenner), Jessica Tandy (Lydia Brenner), Suzanne Pleshette (Annie Hayworth), Veronica Cartwright (Cathy Brenner), Ethel Griffies (Mrs. Bundy – Ornitóloga), Charles McGraw (Sebastian Sholes – Pescador no Café), Doreen Lang (Mãe Histérica no Café), Ruth McDevitt (Mrs. MacGruder – Vendedora na loja de animais), Joe Mantell (Agente de Vendas no Café), Malcolm Atterbury (Agente Policial Al Malone), Karl Swenson (Bêbedo no Café), Elizabeth Wilson (Helen Carter), Lonny Chapman (Deke Carter – Dono do Café), Doodles Weaver (Pescador no Aluguer de Barcos), John McGovern (Empregado dos Correios), Richard Deacon (Vizinho de Mitch), Bill Quinn [como William Quinn] (Sam – Homem no Café).

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