Etiquetas
Cinema, Cyril Cusack, Distopia futurística, Ficção Científica, George Orwell, Gregor Fisher, John Hurt, Michael Radford, Richard Burton, Suzannah Hamilton
Sinopse:
Anos depois de Guerra Atómica, o Mundo reorganiza-se em três super-estados, Oceania, Eurasia e Eastasia. Oceania torna-se um estado totalitário, dirigida por um partido único, sob o mito do Grade Irmão que tudo observa. É sua política suprimir o individualismo, ditando o pensamento, e controlando a vida dos seus cidadãos. Contra isto insurge-se Winston Smith (John Hurt) que comete o crime de pensar por si, escrevendo num diário, e de se apaixonar por Julia (Suzanna Hamilton), com a qual comete o crime da relação carnal. O casal fica então à mercê dos tentáculos do Grande Irmão, que tudo vê, e cedo os irá descobrir.
Análise:
Um dos livros mais perturbadores do século XX, no que diz respeito à descrição de sociedades totalitárias, é a obra “1984” de George Orwell. Escrito em 1949, o livro oferece-nos o retrato de um mundo futurista, dominado pelo controlo de pensamento, pela dedicação absoluta a um grande líder, e pela lavagem cerebral através de uma propaganda constante e altamente intrusiva em todos os aspectos da vida de cada um. É uma sociedade opressora, que tenta por todos os meios suprimir o individualismo, e faz uso de perpétuas (talvez imaginárias) guerras distantes entre super-estados, como pretexto para a continuação de um regime quase marcial, cheio de privações e dominado pela polícia do pensamento.
Baseado nos vários totalitarismos conhecidos por Orwell (desde o Nazismo e Fascismo que o próprio combateu na Guerra Civil de Espanha, até ao crescente imperialismo Soviético), a obra tem sido apontada como um paradigma para muitos conceitos políticos aplicados ao totalitarismo, para os quais contribuiu mesmo com algum vocabulário original, como é o caso das palavras Big Brother (Grande Irmão), thoughtcrime (crime de pensamento), etc.
A obra foi primeiro adaptada ao cinema em 1956, por Michael Anderson, com Edmond O’Brien e Jan Sterling nos principais papéis, sem ser uma versão muito fiel do livro de Orwell. Tal desgostou a viúva do autor, que depois disso foi muito relutante a ceder os direitos da obra (alegadamente negando que David Bowie fizesse dele um musical nos anos 1970), algo que só viria a mudar perante a insistência de Marvin J. Rosenblum, que conseguiu os direitos da obra em 1980, pouco antes da morte daquela. Essa cedência trazia como condições que o filme respeitasse o cenário original (uma sociedade que tecnologicamente poderia muito bem ser a de 1949), e não fizesse uso de efeitos especiais para mascarar a história.
Tudo isto foi conseguido por Michael Radford, o qual foi ainda mais longe, no respeito pela obra de Orwell, que pretendia filmar a preto e branco. Perante a recusa dos produtores, Radford optou por dar à fotografia um tratamento que atenuasse as cores. Tal confere ao filme uma tonalidade cinzenta, quase monocromática, de apatia e desolação, coincidentes com a sociedade retratada. Excepções são as ilusões do personagem principal, em cores bem mais exuberantes, como contraste com a sua realidade.
Como personagem principal temos, Winston Smith, um funcionário do círculo exterior do Partido (John Hurt), cujo trabalho é o revisionismo histórico e noticioso. Através dele assistimos ao modo austero como vivem as pessoas da sua sociedade, à constante propaganda, ao controlo total que os acompanha até casa, à omnipresença do mítico Grande Irmão, às conversas entre “irmãos” sempre no preceito aconselhado pelos líderes. Com ele assistimos também à luta contra a suposta resistência, às confissões dos supostos rebeldes, os quais são por vezes convencidos das suas ideias sediciosas, sem que os próprios as compreendam, e acabando por desejar o castigo. O controlo de pensamento é tal que se procura limpar a linguagem de qualquer palavra perniciosa, e são invocadas guerras que ninguém entende como pretextos para as condições hostis sob as quais o povo vive.
Por entre tudo isto se movimenta Winston Smith, mas o seu espírito crítico começa a emergir no momento em que um vendedor de antiguidades (Cyril Cusack) lhe dá um diário onde escrever os seus pensamentos. Ao escrever, Smith liberta aquilo que nunca dissera, e descobre que não acredita no Partido, na guerra ou na existência do Grande Irmão. Deseja a liberdade de pensar, de errar, de cometer actos impuros. Entre eles surge o desejo sexual que é correspondido por Julia (Suzanna Hamilton), que partilha das suas convicções.
Só que o casal é apanhado, aprisionado, interrogado e torturado. Surgem aí as sequências mais fortes do filme, com a tortura explícita de Smith, cujo objectivo não é o seu castigo ou uma obtenção de informação, mas sim a sua reconstrução psicológica a partir da destruição do seu individualismo e humanidade.
Filmado com rigor e uma sobriedade inquietante, o filme de Radford incomoda pelo que mostra, pelo que não mostra, pelo que conta e pelo que nos faz pensar. É acima de tudo uma provocação, cheio de ideias fortes e perturbadoras sobre os limites da liberdade, e a capacidade de manipulação de massas. Destaca-se ainda a interpretação tão soberba quanto discreta de John Hurt, secundado pelo sinistro e calmo torturador interpretado por Richard Burton, naquele que seria o seu último filme, que lhe foi por isso dedicado.
“1984” (tanto o livro como o filme de Radford) tornou-se um paradigma no campo das distopias futurísticas envolvendo regimes totalitários, pelo que não é difícil encontrar ecos seus em numerosos filmes do género. Citam-se, a título de exemplo, “Grau de Destruição” (Fahrenheit 451, 1966) de François Truffaut, “THX 1138” (THX 1138, 1971) de George Lucas, “Brazil: O Outro Lado do Sonho” (Brazil, 1985) de Terry Gilliam, “Equilibrium” (Equilibrium, 2002) de Kurt Vimmer e “V de Vingança” (V for Vendetta, 2005) de James McTeigue.
Produção:
Título original: Nineteen Eighty-Four; Produção: Umbrella-Rosenblum Films Production / Virgin Films; Produtor Executivo: Marvin J. Rosenblum; País: Reino Unido; Ano: 1984; Duração: 110 minutos; Distribuição: 20th Century Fox (Reino Unido), Atlantic Releasing Corporation (EUA); Estreia: 10 de Outubro de 1984 (Reino Unido), 1 de Março de 1985 (Portugal).
Equipa técnica:
Realização: Michael Radford; Produção: Simon Perry; Co-Produção: Al Clark, Robert Devereux; Argumento: Michael Radford [adaptado do livro homónimo de George Orwell]; Música: Eurythmics, Dominic Muldowney; Fotografia: Roger Deakins [cor por Eastmancolor]; Montagem: Tom Priestley; Design de Produção: Allan Cameron; Produtor Associado: John Davis; Figurinos: Emma Porteous; Direcção Artística: Martyn Hebert, Grant Hicks; Efeitos Especiais: Ian Scoones; Caracterização: Mary Hillman; Directora de Produção: Gladys Pearce.
Elenco:
John Hurt (Winston Smith), Richard Burton (O’Brien), Suzanna Hamilton (Julia), Cyril Cusack (Charrington), Gregor Fisher (Parsons), James Walker (Syme), Andrew Wilde (Tillotson), David Trevena (Amigo de Tillotson), David Cann (Martin), Anthony Benson (Jones), Peter Frye (Rutherford), Roger Lloyd Pack (Empregado), Rupert Baderman (Winston Smith Criança), Corinna Seddon (Mãe de Winston), Martha Parsey (Irmã de Winston).