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It's a Wonderful LifeGeorge Bailey (James Stewart) é um homem conhecido e respeitado por todos na pequena cidade de Bedford Falls, pois dirige uma companhia de empréstimos com um espírito de solidariedade que impede as pessoas de cairem nas garras de banqueiros oportunistas como Henry F. Potter (Lionel Barrymore). Mas quando, na véspera de Natal, o seu tio e sócio Billy (Thomas Mitchell) perde 8000 dólares, a companhia fica à beira da bancarrota, e George à beira da prisão, contemplando o suicídio. Ao desejar nunca ter nascido, Goerge tem esse desejo concedido por um anjo (Henry Travers), que lhe vem mostrar uma nova Bedford Falls na qual George nunca existiu.

Análise:

Nos anos 70, Frank Capra confessou nunca esperar o tipo de sucesso que este seu filme estava então a ganhar quase 30 anos depois. Após uma recepção modesta em 1946 “Do Céu Caiu Uma Estrela” tornou-se uma presença (depois de se tornar domínio público, em 1973) tão habitual nas sessões televisivas de Natal, que se diz hoje que não passa um Natal sem que o filme seja transmitido por algum canal americano.

Tudo começou quando uma pequena história de Philip Van Doren Stern, que chegou a ser enviada a amigos em cartões de Natal em 1939, chegou às mãos de Capra que decidiu torná-la argumento de um filme do seu então contrato com a RKO. Nas palavras do próprio Capra, não se tratava para si de uma história de Natal, mas sim de um estandarte pelo valor humano do indivíduo, e um combate ao crescente ateísmo.

Frank Capra, nitidamente reconhecido como o mais optimista dos realizadores americanos, viu nesta história mais uma oportunidade de realçar a sua crença nos valores humanos da bondade, lealdade, amizade, como forças que deveriam guiar o mundo. Muitas vezes acusado pela demasiada inocência das suas personagens, Capra consegue aqui um filme repleto de amargura, sem negar os seus instintos de mostrar que no fundo somos todos bons, à espera apenas do momento de revelar a nossa bondade, na construção de um mundo melhor.

Em simultâneo, e embora com este declarado apelo a valores humanos que não são assim tão fáceis de encontrar na realidade, Capra mostra-se, não um revolucionário, mas um crente no sistema e país em que vive. Assim, embora muitos dos seus filmes sejam os chamados “message movies“, como são os casos de “Doido com Juízo” (Mr. Deeds Goes to Town, 1936), “Peço a Palavra” (Mr. Smith Goes to Washington, 1939), “Um João Ninguém” (Meet John Doe, 1941) ou “Um Filho do Povo” (State of the Union, 1948), neles nunca se apela à revolução ou mudança. Pelo contrário, neles elogia-se sempre o sistema político e modelos da nação americana (note-se a crença nos valores tradicionais, autonomia regional, e o enaltecer do heroísmo de guerra), apelando apenas à bondade do coração humano como ponto em falta para fazer tudo funcionar.

É em jeito de parábola que Capra traz novamente esses temas com “Do Céu Caiu Uma Estrela”, na história de George Bailey (James Stewart), um homem levado ao limite do desespero, quando o mundo lhe mostra a sua face mais fria. Filmando Bedford Falls inteiramente em estúdio, a cidade tem uma aura de conto de fadas. Tal ajuda a fazer do mundo de Capra um local acolhedor, cheio de reservas de humanidade e conforto, mesmo na pior das circustâncias, e elas aqui chegam-nos pelas mãos de Clarence (Henry Travers), o desajeitado anjo sem asas que vem mostrar a George o que seria a sua cidade se ele não tivesse nascido.

Depois de um primeiro acto em que nós (e Clarence, pois esse acto é narrado da perspectiva celestial) vemos quem é George Bailey e o quanto ele deu a todos à sua volta, Clarence entra em cena. O filme entra então no seu segundo acto, de contornos fantásticos, ganhando alguns paralelos com “A Christmas Carol” de Charles Dickens, onde espíritos guiam o avarento Ebenezer Scrooge pelo seu passado, presente e futuro. Neste acto, Bailey, guiado pelo anjo, visita uma realidade alternativa, negra e cruel. Nela George vê um mundo muito pior (o irmão morreu, a esposa não casou e vive triste, alguns amigos e familiares vivem vidas terríveis, e a cidade passou a ser um local desprezível). É curiosamente um mundo bem mais próximo do que conhecemos, que aquele onde George realmente vive. Ironicamente é como se Capra deixasse o realismo entrar nos seus filmes através de uma sequência derivada da fantasia.

Central ao filme é a figura de George Bailey e, com ela, a interpretação de James Stewart (que confessou ser este o seu filme preferido dos tantos em que participou), que dá tanto de si que nos comove da primeira à última cena. George é o arquétipo do homem altruísta que põe sempre o bem estar dos outros acima do seu. Por eles George sacrifica-se, como são exemplos: a salvação do irmão que lhe custa a audição de um ouvido; a morte do pai e consequente financiamento dos estudos do irmão à sua própria custa; e o estabelecimento da companhia de crédito sacrificando a própria lua de mel. Acontecimento após acontecimento George dá-se mais e mais a Bedford Falls, adiando os seus sonhos (viajar pelo mundo) e hipotecando o seu futuro, apenas porque não pode deixar que os seus amigos caiam nas garras de banqueiros sem escrúpulos como Henry F. Potter (Lionel Barrymore). Noutra deliciosa ironia, é esse mesmo altruísmo que impede o suicício de George, pois no mesmo momento coloca a necessidade de salvar Clarence acima da sua ideia terminal.

Como não podia deixar de ser, depois de algum humor e compaixão, trazidos pelo estranho anjo, que ainda nem ganhou as suas asas, George apercebe-se daquilo que é a principal mensagem de Capra “Nenhuma vida é falhada se soube construir amizades”. São essas amizades (mais que George consegue contar), que lhe trazem a solução (e redenção), num dos finais mais comoventes de um filme Hollywood, coincidindo com uma noite de Natal, que é por isso sinónimo de solidariedade, amizade e esperança.

Podemos achá-lo demasiado inocente (como boa parte da obra de Capra) e imbuído de espírito natalício. Mas mesmo que não partilhemos da ideia de Capra de que as pessoas são boas, apenas à espera de um estímulo ou exemplo para darem o melhor de si, então porque nos comovemos tanto a ver este filme?

Destaque ainda para a interpretação doce e sincera de Donna Reed, no papel da esposa de George, e de Henry Travers no papel de Clarence, um dos mais inesquecíveis anjos da história do cinema.

O filme teve uma recepção modesta aquando da sua estreia, sendo no entanto nomeado para cinco Oscars da Academia, incluíndo Melhor Filme, Realizador, Actor e Montagem, todos perdidos para “Os melhores Anos das Nossas Vidas” (The Best Years of Our Lives, 1946) de William Wyler. Agora surge frequentemente entre os primeiros nas listas de melhores filmes filmes de sempre. Curioso foi o facto de o FBI ter considerado este um filme perigoso, de clara propaganda comunista, com o intuito de desacreditar o sistema financeiro americano, mostrando os banqueiros como avarentos e cruéis.

Produção:

Título original: It’s a Wonderful Life; Produção: Liberty Films; País: EUA; Ano: 1946; Duração: 130 minutos; Distribuição: RKO Radio Pictures; Estreia: 20 de Dezembro de 1946 (EUA), 30 de Novembro de 1947 (Cinema Politeama, Lisboa, Portugal).

Equipa técnica:

Realização: Frank Capra; Produção: Frank Capra; Argumento: Frances Goodrich, Albert Hackett, Frank Capra [baseado na história “The Greatest Gift” de Philip Van Doren Stern]; Cenas adicionais: Jo Swerling; Música: Dimitri Tiomkin; Fotografia: Joseph Walker, Joseph F. Biroc, Victor Milner [não creditado] (preto e branco); Efeitos Especiais: Russell A. Cully; Direcção Artística: Jack Okey; Cenários: Emile Kuri; Caracterização: Gordon Bau; Montagem: William Hornbeck; Figurinos: Edward Stevenson.

Elenco:

James Stewart (George Bailey), Donna Reed (Mary Hatch), Lionel Barrymore (Henry F. Potter), Thomas Mitchell (Tio Billy Bailey), Henry Travers (Clarence), Beulah Bondi (Mrs. Bailey), Frank Faylen (Ernie Bishop), Ward Bond (Bert), Gloria Grahame (Violet Bick), H.B. Warner (Mr. Gower), Todd Karns (Harry Bailey), Samuel S. Hinds (Peter Bailey), Mary Treen (Prima Tilly), Frank Albertson (Sam Wainwright), Virginia Patton (Ruth Dakin), Charles Williams (Primo Eustace), Sarah Edwards (Mrs. Hatch), William Edmunds (Giuseppe Martini), Lillian Randolph (Annie), Argentina Brunetti (Mrs. Martini), Robert J. Anderson (Pequeno George), Ronnie Ralph (Pequeno Sam), Jean Gale (Pequena Mary), Jeanine Ann Roose (Pequena Violet), Danny Mummert (Pequeno Marty Hatch), Georgie Nokes (Pequeno Harry Bailey), Sheldon Leonard (Nick), Frank Hagney (Guarda-costas de Potter), Ray Walker (Joe, Loja de Bagagem), Charles Lane (Agente Imobiliário), Edward Keane (Tom, Bldg. & Loan), Carol Coombs (Janie, Filha de George), Karolyn Grimes (Zuzu, Filha de George), Larry Simms (Pete, Filho de George), Jimmy Hawkins (Tommy, Filho de George).

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