Etiquetas
Akim Tamiroff, Charlton Heston, Cinema, Drama, Drama Criminal, Film Noir, Janet Leigh, Joseph Calleia, Marlene Dietrich, Orson Welles, Policial, Whit Masterton
Sinopse:
Quando o casal Vargas (Charlton Heston e Janet Leigh) atravessa a fronteira do México para os Estados Unidos, testemunham a explosão de um carro que passara a fronteira com eles. A rapidez com que o chefe da polícia local, Hank Quinlan (Orson Welles) tira conclusões espanta Mike Vargas (ele próprio um agente policial), que decide ficar por perto para acompanhar a investigação. A partir de então Vargas fica enredado numa teia perigosa tendo por um lado a desconfiança de Quinlan que não quer um estrangeiro a observar os seus métodos, e do outro o criminoso local Joe Grandi (Akim Tamiroff) cujo irmão foi preso por Vargas.
Análise:
“A Sede do Mal” é frequentemente referido como o último grande Noir da era clássica. Com realização e argumento de Orson Welles, revolve em torno de temas habituais no género, como corrupção moral e vingança, ao mesmo tempo que já anuncia aspectos de modernidade como a contra-cultura (saliente no estilo de vida dos personagens mais jovens), o advento das drogas, e o racismo.
Compondo um personagem que tem tanto de grotesco como de inesquecível, Orson Welles veste a pele do corrupto Capitão Hank Quinlan. Quinlan é um polícia que durante 30 anos se habituou a, mais que fazer cumprir a lei, ser a própria lei. Gozando da fama de sempre apanhar os criminosos, Quinlan fá-la perdurar, ao fabricar as provas necessárias para conseguir as condenações. Fá-lo tanto por acreditar que deve ajudar a justiça, como para manter as aparências de polícia 100% triunfante, que fazem dele uma celebridade. Fá-lo durante tanto tempo, que se esquece que há uma linha entre o que é real e aquilo que fabrica, sentindo-se cada vez mais uma espécie de deus, que caminha impunemente ao serviço do que decide ser o correcto.
Tudo isto é colocado em causa por Mike Vargas (Charlton Heston), um idealista mexicano, que quer acima de tudo servir a lei, abominando qualquer forma de prepotência e abuso de poder. Vargas e Quinlan estão assim separados por uma fronteira que é bem mais forte que aquela (a fronteira entre os Estados Unidos e o México), que atravessam várias vezes no decorrer da história. Vargas procura a verdade obstinadamente, colocando-se em perigo a si e à sua esposa Susan (Janet Leigh). Enquanto isso Quinlan decide a sua própria verdade desde que isso lhe salve a pele, e o livre do polícia mexicano.
O filme espanta pela crueldade e desumanidade evidentes num homem que é, afinal, um agente da autoridade. Welles, numa interpretação brilhante (desfigurado pelo peso excessivo) transpira antipatia a cada movimento. É prepotente para com os suspeitos, arrogante com o mundo em geral, condescendente para com os colegas e as mulheres, racista para com os mexicanos. É sádico, facilmente corruptível e sem escrúpulos para obter os seus fins. Tudo no seu personagem nos inspira ódio.
Todo o filme é, aliás, construído sobre uma aura de inquietação. Esta paira desde o momento inicial (um longo e belíssimo travelling), em que vemos uma bomba ser colocada num carro, que atravessa a fronteira. A partir daí sabemos que algo de negativo está sempre prestes a acontecer. Welles consegue manter essa aura permanentemente, seja pela acção do seu personagem, como pelo modo de filmar (quase sempre à noite), com planos fechados que nos fazem quase querer espreitar para fora dos limites claustrofóbicos do que nos é dado a ver, ou pelos ângulos baixos e close-ups exagerados, com que o grotesto dos personagens, e os seus estados de espírito, se nos tornam quase difíceis de suportar.
Tocando em novos temas como a dependência de drogas (ou do álcool, no caso de Quinlan), Welles, ainda assim, reforça a ideia de que as drogas não foram usadas, apenas sugeridas, numa espécie de último bastião de pudor. Este é evidente até no discurso de Joe Grandi (Akim Tamiroff) que repete que ninguém na família usa drogas.
Orson Welles brilha tanto na realização como pela sua interpretação, ofuscando os demais actores, contracenando com um Charlton Heston discreto, mas criticado por intepretar um mexicano sem qualquer naturalidade, e uma subaproveitada Janet Leigh. De notar que entre os actores secundários (com pequenos papéis) estão as divas Zsa Zsa Gabor e Marlene Dietrich, que concordaram trabalhar por um salário mais baixo que o habitual. Também Dennis Weaver se destaca no papel do tímido guarda nocturno. Joseph Cotten, outro amigo de Welles, tem um brevíssimo cameo.
O filme foi apresentado como um filme B, e passou despercebido nos Estados Unidos, embora ganhasse um culto na Europa nos anos 60. A sua versão oficial acabou tendo muitas cenas cortadas, e outras cenas adicionais, gravadas à revelia de Welles. Este protestaria com uma carta de 58 páginas explicitando que alterações queria feitas na edição final. Esta carta serviu para que 1988 Walter Murch produzisse uma restauração do filme, seguindo as indicações de Welles, naquela que é hoje considerada a versão definitiva do filme.
Produção:
Título original: Touch of Evil; Produção: Universal International; País: EUA; Ano: 1958; Duração: 111 minutos; Distribuição: Universal Pictures; Estreia: 23 de Abril de 1958 (Inglaterra), 7 de Novembro de 1958 (Portugal).
Equipa técnica:
Realização: Orson Welles; Produção: Albert Zugsmith; Argumento: Orson Welles [a partir do romance “Badge of Evil” de Whit Masterton]; Música: Henry Mancini; Direcção Musical: Joseph Gershenson; Fotografia: Russell Metty (preto e branco); Direcção Artística: Alexander Golitzen, Robert Clatworthy; Cenários: Russell A. Gausman, John P. Austin; Montagem: Virgil Vogel, Aaron Stell; Figurinos: Bill Thomas; Caracterização: Bud Westmore.
Elenco:
Charlton Heston (Mike Vargas), Janet Leigh (Susan Vargas), Orson Welles (Chefe da Polícia Hank Quinlan), Joseph Calleia (Sargento Pete Menzies), Akim Tamiroff (‘Tio’ Joe Grandi), Joanna Moore (Marcia Linnekar), Ray Collins (Procurador Público Adair), Dennis Weaver (Guarda Nocturno do Motel Mirador), Valentin de Vargas (Pancho), Mort Mills (Al Schwartz), Victor Millan (Manelo Sanchez), Lalo Rios (Risto), Michael Sargent (Rapaz Bonitinho), Phil Harvey (Blaine), Joi Lansing (Zita), Harry Shannon (Chefe Gould), Marlene Dietrich (Tanya), Zsa Zsa Gabor (Dona do Clube de Strip).
Grande filme e boa maneira de fechar este ciclo JC. Aliás, não podia ser de outra forma. É dos meus filmes preferidos. Abr,
Aprecio-lhe o imenso valor, mas não gostei do filme. É uma seca. A cena de abertura é extraordinária. Qualquer habitante do “Planeta Cinema” não dirá que Welles era um génio, mas, tal como em The Magnificent Ambersons, tinha o estúdio às costas e era persona non grata.
É apenas uma questão de gosto, tal é o nível do filme. Soa-me torto e pesado, talvez devido às interferências do estúdio. Mas, sem dúvida, uma chave de ouro para encerrar o ciclo. Esperemos pelo próximo ciclo, JC, que será interessante, quanto a isso, não duvido.
Olá David, compreendo o que dizes, a primeira vez que vi o filme fiquei boquiaberto, sem saber o que pensar. Sabe-se que houve interferências do estúdio, sim. Mas hoje parece-me que aquela crueza com que tudo nos é mostrado, já prenuncia um pouco do cinema dos anos 70. Será que o Welles estava a tentar dar um passo maior que a perna? Para mim o Charlton Heston é um erro de casting neste filme.
Olá, JC. Sim, concordo que a “crueza” prenuncia o teor de alguns filmes dos anos 70. Orson Welles sempre esteve adiantado para o seu tempo e deixou uma influência duradoura. Também não achei que o Charlton Heston fosse o ator indicado para o papel, realmente.