Etiquetas
Cinema, Drama, Drama Criminal, Film Noir, Friz Lang, Glenn Ford, Gloria Grahame, Jocelyn Brando, Lee Marvin, William P. McGivern
Sinopse:
A suicídio de Duncan, um detective da polícia, provoca uma estranha reacção na sua mulher, que corre a avisar o poderoso Mike Lagana (Alexander Scourby), antes mesmo de informar as autoridades. A investigação conduzida pelo detective Dave Bannion (Glenn Ford), revela conclusivamente que o suicídio foi real. Mas Bannion está convencido de que o caso tem mais do que aparenta e continua a investigação que o leva Lucy Chapman (Dorothy Green), amante de Duncan, e que tem uma versão diferente da história. A morte de Lucy, bem como de outras pessoas no rasto de Bannion, vão fazê-lo seguir um caminho perigoso com consequências na sua própria vida e da sua família.
Análise:
Fritz Lang, o mestre alemão, expoente do chamado cinema expressionista dos anos 1920 e 1930 continuou a carreira nos Estados Unidos, tendo realizado uma série de Films Noir, como que numa continuidade estética em relação ao que fizera na Alemanha. Tal é o caso de “Suprema Decisão” (The Woman in the Window, 1944), “Almas Perversas” (Scarlet Street, 1945) e “Cidade nas Trevas” (While the City Sleeps, 1956). A estes junta-se “Corrupção”, com um argumento de Sydney Boehm, a partir de uma história de William P. McGivern.
Com “Corrupção” Lang volta a dedicar-se às ameaças do crime organizado, onde a figura de Mike Lagana (Alexander Scourby), que com charme e classe controla o seu reino de crime à distância, tendo no bolso políticos, polícias e criminosos sem escrúpulos, como o violento Vince Stone (Lee Marvin), lembra levemente o infame Dr. Mabuse. Em território conhecido, Lang, filma com sobriedade e sem grande aparato, mas sem se recusar em recorrer a uma violência não habitual na época. Não são de estranhar referências ao expressionismo, e, por exemplo, os planos filmados da penthouse de Vince Stone, lembram-nos a cidade de “Metrópolis” (Metropolis, 1927).
Mas em “Corrupção” é o lado do bem que nos é mostrado com detalhe, na figura do honesto e bem intencionado detective Dave Bannion (Glenn Ford). Bannion é, de facto, mais um herói clássico que um anti-herói, pois representa uma moral incorruptível, capaz de sacrificar a própria vida, para ver triunfar os valores em que acredita. Por isso vemos em detalhe o combustível que alimenta Bannion: o amor da sua esposa (Jocelyn Brando), o companheirismo sólido entre ambos, e a alegria trazida ao casal pela sua pequena filha. Por isso também, percebemos porque pode fazer tanta confusão a Bannion que um colega se suicide, e que as pessoas que se insinuam em torno do caso, como a mulher da noite Lucy Chapman (Dorothy Green), cuja existência, e morte pareçam desprezadas por todos os outros.
Se é em torno da moralidade de Bannion (interpretado por um Glenn Ford, que chega a ser comovente) que a história evolui e o caso policial se desenvolve, é essa moralidade que o trai, uma vez que nela não se será acompanhado. Ela incomoda e ameaça, não só criminosos como os seus superiores. Quase que se poderia aqui recuperar a frase de “Quando a Cidade Dorme” (When the City Sleeps, 1950) de John Huston: “Um polícia que não pode ser comprado não é de confiança”, indo contra as regras da selva urbana, e provocando por isso distúrbios no seu funcionamento.
Film Noir não seria Noir sem uma espreitadela ao negrume de uma alma, e no caso de “Corrupção” ela surge após a tragédia bater à porta de Bannion. Se já antes percebêramos que para ele existiam dois mundos imiscíveis (o paraíso do lar e o inferno das ruas), é após ser invadido pela dor da perda, que Bannion deixa o seu lado mais negro vir à superfície. A partir daí, a sede de vingança, e o desprezo pelo mundo em seu redor, serão os novos combustíveis que o manterão são e funcional. É curioso notar que Bannion é indirectamente resposável pela morte de todas a mulheres que tem à sua volta, o que constitui uma inversão do clichè Noir da mulher fatal.
Mas se a moralidade e os valores de Bannion precipitarão a sua queda, mergulhando-o no mundo negro da vingança, serão ainda eles a trazerem-lhe a solução, e de certo modo a redenção. Esta chega na pessoa de Debby Marsh (numa interpretação brilhante de Gloria Grahame) a caprichosa namorada e vítima de Vince Stone, a qual, habituada a seguir os seus impulsos sem pensar nas consequências, se deixa fascinar por Bannion, um homem completamente diferente de tudo o que conhecia. Esse fascínio, é uma busca por reconhecimento, por amor, exemplificado nas suas últimas palavras, em que procura conhecer quem foi a esposa de Bannion, e o que significaria ser amada por um homem assim. É atraves dos olhos de Debby (que a príncípio despreza, e por quem depois simpatiza), que Bannion recupera a sua humanidade e bondade, que até aí corria o risco de se perder. Pode-se por isso dizer que na sua morte Debby salva a alma de Bannion.
Destaque final para a presença de Lee Marvin que, com o seu Vince Stone, compõe um personagem que se tornaria típico na sua carreira: o duro vilão, de traços psicopáticos. A cena da cara queimada com café a ferver (que acontece fora de campo), que ele inflige, e depois sofrerá, foi na época uma das mais cruéis já sugeridas no cinema.
Para alguns autores “Corrupção” será um percursor dos filmes policiais típicos dos anos 70, em que o agente da autoridade age, violentamente, por conta própria, como a série “Dirty Harry”, ou “Serpico”.
Produção:
Título original: The Big Heat; Produção: Columbia Pictures Corporation; País: EUA; Ano: 1953; Duração: 90 minutos; Distribuição: Columbia Pictures; Estreia: 14 de Outubro de 1953 (EUA), 7 de Junho de 1955 (Cinema Monumental, Portugal).
Equipa técnica:
Realização: Fritz Lang; Produção: Robert Arthur; Argumento: Sydney Boehm [a partir de uma história de William P. McGivern]; Fotografia: Charles Lang (preto e branco); Direcção Artística: Robert Peterson; Montagem: Charles Nelson; Cenários: William Kiernan; Figurinos: Jean Louis; Direcção Musical: Mischa Bakaleinikoff; Caracterização: Clay Campbell.
Elenco:
Glenn Ford (Dave Bannion), Gloria Grahame (Debby Marsh), Jocelyn Brando (Katie Bannion), Alexander Scourby (Mike Lagana), Lee Marvin (Vince Stone), Jeanette Nolan (Bertha Duncan), Peter Whitney (Tierney), Willis Bouchey (Tenente Ted Wilks), Robert Burton (Detective Gus Burke), Adam Williams (Larry Gordon), Howard Wendell (Comissário Higgins), Chris Alcaide (George Rose), Michael Granger (Hugo), Dorothy Green (Lucy Chapman), Carolyn Jones (Doris), Ric Roman (Baldy), Dan Seymour (Mr. Atkins), Edith Evanson (Selma Parker).