Etiquetas
Cinema, Drama, Drama Criminal, Dwight Taylor, Espionagem, Film Noir, Jean Peters, Richard Widmark, Samuel Fuller, Thelma Ritter
Sinopse:
No Metropolitano, o carteirista Skip Mccoy (Richard Widmark), rouba a carteira de Candy (Jean Peters), a qual está sob vigilância dos serviços secretos. Sem saber, Skip roubou um microfilme com informação muito procurada, o que o vai fazer um alvo da polícia e de uma rede de espiões. Como mediadora, tentando ganhar-lhe a confiança e obter os segredos que ele carrega consigo, Candy insinua-se como sedutora. Skip terá de decidir se o resgate pedido pelo microfilme vale o risco da sua vida, enquanto tenta perceber se deve ou não confiar naquela mulher.
Análise:
“Mãos Perigosas” nasceu da ideia de Samuel Fuller, de contar uma história de paixão envolvendo um criminoso. No seu jeito provocador, Fuller dá um aspecto incomum no Noir, já que aqui não é a história de amor e desejo uma escada descendente arrastando os envolvidos na sua perdição, mas exactamente o contrário. É de facto o amor que salva os personagens, dando-lhes uma redenção que antes parecera impossível. Ao mesmo tempo Fuller atreve-se a brincar com um dos tabus sagrados dos Estados Unidos: o patriotismo.
“Mãos Perigosas” nasceu da ideia de Samuel Fuller, de contar uma história de paixão envolvendo um criminoso. No seu jeito provocador, Fuller dá um aspecto incomum no Noir, já que aqui não é a história de amor e desejo uma escada descendente arrastando os envolvidos na sua perdição, mas exactamente o contrário. É de facto o amor que salva os personagens, dando-lhes uma redenção que antes parecera impossível. Ao mesmo tempo Fuller atreve-se a brincar com um dos tabus sagrados dos Estados Unidos: o patriotismo.
O amor como redenção numa história de crime já tinha sido, aliás, o motivo de outro Noir clássico, “Prisioneiro do Passado” (Dark Passage, 1947) de Delmer Daves. Mas ao contrário dos glamorosos Bogart e Bacall, protagonistas desse filme, e inocentes em busca de redenção aos olhos da justiça, Fuller joga com as interpreações mais cruas e viscerais de e Jean Peters, os quais nos surgem como culpados num caminho inesperado para essa redenção.
Toda a história nasce de um equívoco fortuito. Candy (Jean Peters), ignorante correio de uma importante transacção envolvendo segredos que podem pôr em causa a segurança nacional, é assaltada no Metro por Skip (Richard Widmark), um carteirista que procura apenas alguns trocos. A cadeia é quebrada, defraudando o emissor Joey (Richard Kiley), os receptores (que mais tarde se perceberá serem agentes comunistas) e a polícia, que seguia Candy esperando que ela estabelecesse contacto.
Tudo terminaria aqui, não fosse o engenho de Moe (um notável desempenho de Thelma Ritter), uma informadora, que pela descrição dos movimentos do carteirista o identifica à polícia, primeiro, e a Candy, depois.
A partir de então Skip percebe que algo de especial envolve o produto do seu roubo, que leva a polícia a segui-lo, e a mulher a assaltada a agir como mulher fatal, tentando seduzi-lo e enganá-lo. Ao descobrir o microfilme, Skip entra no jogo, pedindo um resgate chorudo, que vai irritar os espiões comunistas que enviam Joey para o matar.
Só que nesse momento entra o factor imprevisto que vem baralhar todos os personagens. Candy apaixona-se por Skip, e vai manipular, mentir, sujeitar-se a agressões e até ser alvejada, com o único intuito de salvar o homem que inesperadamente passa a amar.
A acção altruísta de Candy, por amor, é a novidade que vem confundir os dados do Film Noir. Nem Skip a acredita, nem o seu ex-amante Joey a entende, pois ambos jogam o jogo da amoralidade Noir. Note-se como nem a polícia sai incólume, pois também ela faz o que for necessário, sacrificando a bem intencionada Candy, pela sua causa. Mas Candy é sincera nas suas intenções, e mesmo quando engana Skip, é para o proteger.
Já Skip é o típico anti-herói, um animal da noite, habituado a fazer o que tem que ser feito, e mesmo o facto de ter três condenações e saber que a quarta lhe valerá prisão perpétua, o faz fugir à sua natureza de predador na selva urbana. A amoralidade Skip fá-lo ignorar o potencial perígo para o país, rindo da moralidade de Candy, e declarando que o seu único objectivo é o lucro que possa obter. Como tal Skip só vai acreditar em Candy quando vê até que ponto ela se sacrifica por ele.
É da união final do casal, nascida de um sacrifício, que, postas de parte as barreiras, se deixa que algo mais puro invalide as regras da noite que antes os guiavam. Só então se vai finalmente resolver o imbróglio, e assim salvar-se os segredos nacionais.
A necessidade de explicar o McGuffin (para usar o termo de Hitchcock), faz do filme uma história de espionagem, de contornos políticos. Fruto da época, o filme pode ser visto como um elemento de propaganda contra o perigo soviético, e a paranóia do inimigo comunista dentro da própria casa, típica dos Estados Unidos nos anos 50. São várias as expressões de repulsa da parte de Candy (e não só) perante a ideia de que aqueles que lhe são próximos possam trabalhar com os comunistas, mostrando-nos como para os personagens esse é o mais vil dos crimes, e o único que verdadeiramente merece punição.
Por isso Candy e Skip são inocentes (não inocentes dos crimes em geral, mas inocentes de colaborar com os comunistas), e por isso o amor os salva, levando-os a atitudes verdadeiramente heróicas, que lhes valem o reconhecimento e até a simpatia dos polícias que antes os perseguiram.
Destaque para mais uma excelente interpretação de Richard Widmark, que somava assim mais um brilhante papel num Film Noir, aqui acompanhado da convincente e comovente Jean Peters. A química entre os dois terá convencido Fuller, a quem foram propostas várias estrelas para o papel de Candy, desde Marilyn Monroe a Ava Gardner.
A direcção de Samuel Fuller é vívida e mesmo frenética por vezes, fazendo bom uso do léxico visual do Noir (veja-se o interior da cabana de Skip), de sombras, ângulos baixos, e takes longos, mantendo vários personagens no mesmo plano. O ritmo varia do pausado ao acelerado, e os diálogos são sempre cortantes. Inesquecível será a sequência inicial do assalto, filmada com precisão cirúrgica, e contado tanto pelo rostos como pelos gestos dos personagens que se movimentam realisticamente numa carruagem do Metro.
O filme teve ainda assim vários problemas com o Código de Hays, em particular pela violência e brutalidade exercidas sobre a personagem de Candy. Referências ao FBI terão sido retiradas por pressão de J. Edgar Hoover, que viu em Skip um personagem anti-patriótico.
O filme proporcionaria a Thelma Ritter o Oscar de Melhor Actriz Secundária.
Produção:
Título original: Pickup on South Street; Produção: Twentieth Century-Fox Film Corporation; País: EUA; Ano: 1953; Duração: 81 minutos; Distribuição: Twentieth Century-Fox Film Corporation; Estreia: 29 de Maio de 1953 (EUA), 11 de Junho de 1954 (Cinema Politeama, Portugal).
Equipa técnica:
Realização: Samuel Fuller; Produção: Jules Schermer; Argumento: Samuel [a partir de uma história de Dwight Taylor]; Música: Leigh Harline; Direcção Musical: Lionel Newman; Fotografia: Joe MacDonald (preto e branco); Direcção Artística: Lyle Wheeler, George Patrick; Cenários: Al Orenbach; Montagem: Nick De Maggio; Figurinos: Travilla; Orquestração: Edward Powell; Caracterização: Ben Nye; Efeitos Especiais: Ray Kellogg.
Elenco:
Richard Widmark (Skip McCoy), Jean Peters (Candy), Thelma Ritter (Moe Williams), Murvyn Vye (Capitão Dan Tiger), Richard Kiley (Joey), Willis B. Bouchey (Zara) Milburn Stone (Detective Winoki).
É dos meus realizadores favoritos. O “frenesim” com que descreves a realização de Samuel Fuller e a maneira com que baralha as regras mais formais do noir são certeiras. A parte que mencionas, de os comunistas serem o mal omnipresente: Fuller, ele mesmo o disse e sempre o provou, achava isto um disparate. Foi uma crítica aos tempos, não um elemento de propaganda. Integrou essa paranóia no enredo. Só a frase em que Skip diz “are you waving the flag at me?” foi considerada grave pelos poderes instituídos, entre os quais Hoover, como sublinhas.
Fico contente por ler os elogios a Jean Peters, a Widmark e Ritter. Merecidos. Até porque Fuller escolheu Peters e recusou Marilyn Monroe, que pretendia o papel.
Um fim noir fora dos eixos, ao jeito de Sam Fuller. Gostei muito da análise. Parabéns pelo texto e um abraço.